O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Faltam cabeças brancas no Banco Central

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Publicado em 17/05/2022 às 16:07

Alterado em 17/05/2022 às 16:07

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Em 50 anos de jornalismo econômico, só não conheci os dois primeiros presidentes do Banco Central, criado em 31 de dezembro de 1964, pela Lei 4.595 (Lei de Reforma Bancária que criou o Banco Central do Brasil). Dênio Nogueira, o 1º presidente, tomou posse em abril de 1965 (tinha apenas 15 anos) e exerceu o cargo até 21 de março de 1967. Foi substituído, em 31 de março de 1967, já no governo do marechal Costa e Silva, por Ruy de Aguiar Leme, sendo Antônio Delfim Neto o ministro da Fazenda. Ruy Leme durou pouco. Por divergências com Costa e Silva e Delfim, foi substituído por Ernane Galvêas, quadro egresso da Sumoc, que foi o mais longevo presidente do BC.

Capixaba, Ernane Galvêas assessorou ministros da Fazenda, como Clemente Mariani, desde o governo Jânio Quadros até Castelo Branco, já no regime militar. Tomou posse em 21 de fevereiro de 1968 e ficou no cargo até 15 de março de 1974, quando começou o governo do general Ernesto Geisel. Ainda voltou ao comando do BC de agosto de 1979 (após a renúncia de Mário Henrique Simonsen do Ministério do Planejamento, cargo para o qual o então ministro da Agricultura, Delfim Neto, foi deslocado) a janeiro de 1980, quando assumiu o Ministério da Fazenda, em substituição a Karlos Rischbieter. Ao todo, foram mais de oito anos e meio de gestão no BC.

Acompanhei vários outros presidentes e diretorias. Hoje faltam cabelos brancos no Banco Central para entender a gravidade do processo inflacionário de dois dígitos. Na atual diretoria do BC, cujo colegiado (presidente e oito diretores) forma o Comitê de Política Monetária (Copom), que a cada 45 dias decide os destinos dos juros e da política monetária para enfrentar a inflação, só o diretor de Política Monetária, Bruno Serra Fernandes, nascido em 1953, viveu parte do agudo processo inflacionário do país.

 

O exemplo do avô de Campos Neto

O presidente Roberto de Oliveira Campos Neto, carrega o DNA do avô famoso, mas tem só 53 anos. Outros cinquentões são Otávio Ribeiro Damaso, diretor de Regulação, e Maurício Moura, de Relacionamento, Cidadania e Conduta. Entre os demais, muitos entraram na vida acadêmica e profissional quando o Plano Real já tinha feito o serviço de debelar a hiperinflação. Dos dois últimos diretores do BC indicados este ano, um dos cargos mais importantes é o do diretor de Política Econômica, Diogo Abry Guillen, que tem apenas 39 anos. Quando o Plano Real debelou a inflação, o genro de Fábio Colleti Barbosa, ex-presidente do Banco Real-ABN Amro, comprado pelo Santander em 1998, que Barbosa continuou a comandar, tinha menos de 10 anos.

Todos os que estão no Banco Central têm boa formação acadêmica e profissional (muitos fizeram carreira no próprio BC). Sabem muito de mercados futuros e derivativos. Mas, falta a muitos conhecer a história e as interações do processo inflacionário com a política e a qualidade de vida. Experiências do passado ajudam a lidar com o presente. Não basta ter bons modelos macro-econômicos. A história costuma pregar peças...

Em meio a várias reformas, como a bancária, precedida pela reorganização do crédito público com a introdução da correção monetária em junho de 1964, que deixou de beneficiar os devedores do Tesouro Nacional, o arrocho monetário e fiscal da dupla Roberto de Oliveira Campos, no Planejamento, e Otávio Gouvêa de Bulhões, na Fazenda, gerou uma quebradeira no país, onda batizada de “falências purificadoras” pelo então ministro da Indústria e Comércio do marechal Castelo Branco, Paulo Egydio Martins.

Em 1965, pela 1ª vez na história, os créditos do Banco do Brasil (que até então se travestia de autoridade monetária) encolheram em relação ao ano anterior. A asfixia do crédito gerou quebradeira, mais aguda no Rio e em São Paulo, provocando grande pressão política e empresarial pelo relaxamento monetário, que Delfim adotou com prazer e maestria, com o terreno saneado pelo rigoroso ajuste fiscal e a criação do FGTS, que substituiu a estabilidade no emprego, após 10 anos de casa. Isso aliviou o passivo trabalhista das empresas.

 

A estratégia de Delfim

Para gerar economia de escala (uma forma de aumentar a produtividade da economia e combater a inflação de custos), Delfim estimulou a fusão e incorporação de empresas. Para tal criou a Cofie (Comissão de Fusão e Incorporação de Empresas), um predecessor dos diversos programas de refinanciamento de dívidas fiscais e trabalhistas, que eram óbices às fusões.

Dois alvos principais foram o setor de supermercados e a área financeira. Houve um processo de fusões e incorporações de bancos. Na tentativa de ampliar o horizonte do crédito, Delfim e Galvêas patrocinaram a criação de bancos de investimento, em substituição às financeiras. Cinco cartas-patentes de financeiras geraram uma carta patente de banco de investimento.

Pau que nasce torto, continua torto. O sistema não vingou nem quando, já nos anos 70 estimulou-se a formação de “joint-ventures” com a participação de até 33% de bancos estrangeiros no capital dos bancos de investimento. Dos bancos de investimentos que sobraram no final do século passado, só o BIB-Unibanco tinha um DNA expurgado desta fusão de problemas (o BIB nascera da Deltec, filial de banco americano ao qual Walter Moreira Salles se associara nos anos 60). Quase todos os demais quebraram pelo caminho inflacionário.

Uma das exceções foi o Bozzano, Simonsen, onde Roberto Campos Neto iniciou a carreira. O Garantia e o Multiplic foram corretoras que viraram BIs. A partir da Constituição de 1988, criaram-se novas cartas patentes de bancos de investimento como o Pactual, onde começou a vida no mercado o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, quando a Distribuidora Pactual, que fundara com André Jakurski e Luiz Cesar Fernandes, ganhou carta patente de banco.

 

Serra diz que a meta do BC é 2023

Os manuais de economia costumam se apegar a tecnicalidades, ora enfatizando os prós e contras da ortodoxia, ora louvando políticas expansionistas keynesianas. Esquecem os impactos das externalidades. E o principal delas não vem de impactos da economia internacional (como agora, após os reflexos da invasão da Ucrânia pela Rússia). Um dos maiores impactos vem da política, que se torna caixa de ressonância de tudo.

Sobretudo em ano de tentativa de reeleição pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, que rompeu barreiras fiscais para tentar vencer as resistências ao governo pela má gestão na pandemia da Covid-19 e na inflação, que já atingiu 12,13% em abril e tende a ficar em dois dígitos até agosto. Ontem, em sua 1ª aparição pública, após o Copom de maio, o diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra, jogou a toalha sobre a inflação de 2022. Disse que a meta atual é a inflação de 2023 e indicou que a partir da reunião de agosto (2 e 3) o Banco Central vai perseguir a meta de 2024, que vai ser considerada no processo de definição de juros. Por causa da eleição, o Banco Central deixou de perseguir a meta de 2022 (3,50% + 1,50 ponto percentual de tolerância = 5%).

 

Serra acredita em queda na inflação

O diretor do BC viu indícios fortes de redução na inflação, ao comparar os dados declinantes nos preços por atacado, tanto de produtos industriais como nos alimentos. E declarou, ainda, que a taxas de juros acima de seu nível neutro é preferível uma menor volatilidade da taxa básica de juros, sempre que possível. Como assinalou hoje, a Genial Investimentos, “alguns participantes de mercado interpretaram essa colocação como a possibilidade de o BC manter a taxa Selic em 13,25% após a reunião de junho por um prazo maior. Avaliamos que após a reunião de junho, o BC optou por não dar um sinal claro e aguardar a evolução dos principais condicionantes da inflação”.

O Bradesco, que aposta na Selic em 13,25% em 2022 e em 9% em 2023 (mais um aumento de meio ponto em 16 de junho, ao contrário do Itaú, que vê duas altas de meio ponto, até 13,75% em agosto, que começaria a cair a partir do 2º trimestre de 2023, para 8,75%) viu como bons sinais de “descompressão da inflação ao produtor no curto prazo”, o resultado do IGP-10 de maio, divulgado pela FGV, com redução do patamar dos preços no atacado das commodities.

O IGP-10 registrou alta de 0,10% em maio, abaixo do esperado pelo mercado (+0,22%). Com isso, em 12 meses, o indicador desacelerou de uma alta de 15,65% para 12,13%. A principal contribuição para o resultado veio da descompressão dos preços ao produtor (de 17,5% para 12,7%, em 12 meses), reflexo do alívio nos preços do milho, minério de ferro e da soja.

A taxa em 12 meses do IPA do agronegócio caiu de 19,96% em abril para 12,52% em maio (a medição iniciada em 11 de abril foi encerrada em 10 de maio), enquanto o IPA dos produtos industriais se reduziu de 16,49% para 12,72%. Isso prenuncia forte desaceleração de preços em maio. O IBGE divulgará o IPCA-15, com dados apurados uma semana após o IGP-10, dia 24 de maio. Já o IPCA cheio de maio, será conhecido dia 9 de junho, antes da reunião do Copom e uma semana após o PIB do 1º trimestre, em 2 de junho.

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