
O OUTRO LADO DA MOEDA
Inflação sempre afeta os mais pobres
Publicado em 18/04/2022 às 18:29

Há muito os mais pobres sentem na pele (não na carne, que está sumindo do cardápio depois que as exportações de carne bovina para a China fizeram o produto sair do alcance do poder de compra de boa parte da população) que sua inflação é bem maior do que apontam as estatísticas oficiais. Nas estatísticas do IBGE o IPCA (que mede a cesta de consumo das famílias com renda até 40 salários mínimos - R$ 44.480) tem sido superado pela variação do INPC (renda até 5 SM - R$ 6.060).
Em 2019, antes da pandemia da Covid-19 encarecer o preço dos alimentos e bebidas, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor subiu 4,48%, superando os 4,31% de variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo. Em 2020 o INPC aumentou 5,45% e o IPCA variou apenas 4,51%. No ano passado, o IPCA avançou 10,06% e o INPCA, mais uma vez, registrou maior inflação: 10,16%. Nos últimos 12 meses terminados em março, o IPCA acumulou 11,30%, mas o INPC acumulou 11,73%.
Pois o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, fez um corte ainda mais fatiado da inflação recorde de março (1,62% no IPCA e de 1,71% no INPC). A inflação recorde de março afetou a todas as camadas, mas segui sendo pior para os mais pobres. Para as famílias pertencentes aos estratos de renda mais alta, a taxa mensal foi de 1,24% e de 1,74% para os estratos com renda menor. No acumulado do ano, até março, o IPCA subiu 3,40%, e o INPC, 3,40%. Nas faixas de renda alta a inflação acumulada (com menor peso da alimentação e maior dos combustíveis) a variação foi de 2,68%, contra 3,40% nas camadas mais baixas.
No acumulado em 12 meses, as famílias de renda muito baixa, com renda domiciliar menor do que R$ 1.808,79, apresentaram a maior alta inflacionária, com a taxa de 12,0%, enquanto as famílias de renda alta, com renda domiciliar superior a R$ 17.764,49, registraram uma variação acumulada de 10,0%.
A análise dos dados desagregados de março mostra que os grupos ‘alimentos e bebidas’ e ‘transportes’ foram os principais responsáveis pela pressão inflacionária. Enquanto para as duas classes de renda mais baixa, a alta dos preços dos alimentos no domicílio foi o principal fator de pressão inflacionária, para os demais segmentos de renda, os aumentos do grupo transporte, especialmente dos combustíveis, foram os maiores pontos de impacto inflacionário.
Para as famílias de renda mais baixa, a pressão inflacionária exercida pelos alimentos em março foi decorrente de uma alta que atingiu itens de grande relevância para a cesta de consumo, dentre os quais: arroz (que subiu 2,7%), feijão (6,4%), cenoura (31,5%), batata (4,9%), leite (9,3%), ovos (7,1%) e pão francês (3,0%).
Já a pressão do grupo ‘transportes’ reflete mais o reajuste das tarifas de ônibus urbano (1,3%) e interestadual (3,0%) do que o aumento dos combustíveis, dado que o peso deste item na cesta de consumo dessas famílias é relativamente pequeno. Ainda que em menor intensidade, o grupo ‘habitação’ também impactou a inflação para as famílias de menor renda, principalmente por conta dos aumentos de 6,6% do preço do gás de botijão e de 1,1% da energia elétrica.
Enquanto isso, a pressão inflacionária para as famílias de renda mais alta veio principalmente do grupo ‘transportes’, repercutindo a alta de 6,7% da gasolina, de 13,7% do óleo diesel e de 8,0% dos transportes por aplicativo - sendo que esses efeitos foram, em parte, atenuados pela queda de 7,3% das passagens aéreas. De forma parecida, a redução de 0,69% dos planos de saúde ajudou a atenuar o impacto do grupo ‘saúde e cuidados pessoais’, que estava pressionado pelos reajustes de 1,3% dos medicamentos e de 2,3% dos produtos de higiene pessoal.
Alimentos e combustíveis
Em comparação com o mesmo período de 2021, enquanto a inflação do segmento de renda muito baixa passou de 0,71%, em março de 2021, para 1,74%, em março 2022 (mais do que dobrando), a taxa apurada na faixa de renda mais alta passou de 1,0% para 1,24% na mesma base de comparação.
No acumulado de 12 meses, a maior pressão inflacionária para as famílias de renda mais baixa reside no grupo ‘habitação’, impactado pelos reajustes de 28,5% das tarifas de energia elétrica e de 29,6% do gás de botijão.
As famílias de maior renda sentiram mais pressão do grupo ‘transportes’ com os aumentos dos combustíveis: gasolina (27,5%), etanol (24,6%), diesel (46,5%) e gás natural (45,6%), e a alta de 42,7% do transporte por aplicativo.
As altas dos alimentos em domicílio, principalmente os reajustes de 55,9% dos tubérculos, de 8,1% das carnes, de 18,9% de aves e ovos, de 13,5% do leite e derivados e de 10,8% dos panificados, também provocaram impactos altistas sobre a inflação no período, sobretudo para as camadas de renda mais baixa, diz o Ipea.
Governo já admite inflação de 6,45% este ano
Como é praxe em abril, o governo já está elaborando os parâmetros para o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2023. Enviado ao Congresso na semana passada, a LDO prevê déficit primário (receitas menos despesas, sem contar os encargos da dívida pública) de até R$ 65,9 bilhões. O setor público como um todo teria déficit de R$ 69 bilhões em 2023, de R$ 37,11 bilhões em 2024 e apenas em 2025 teria superávit de R$ 33,7 bilhões.
Para 2022, a LDO 2022 autoriza um déficit fiscal de até R$ 170,5 bilhões. Mas a última estimativa do Ministério da Economia, divulgada em março, é de que o déficit primário será de R$ 66,9 bilhões em 2022. No PLDO 2023, para o ano de referência 2023, foi proposta uma meta de -R$ 65,9 bilhões para o governo central, apenas R$ 1 bilhão melhor do que hoje previsto pelo governo para 2022. As metas para os governos regionais continuam sendo só indicativas.
O projeto ainda pode sofrer alterações ao tramitar pelo Congresso, e deveria ser aprovado antes do recesso parlamentar de julho, fato pouco comum nos últimos anos. No ano eleitoral de 2022, pode-se esperar muita disputa para a tramitação das propostas, sobretudo ante a enorme variabilidade nas projeções econômicas, sendo muito provável haver mudanças após as eleições.
O PLDO contempla um salário-mínimo de R$ 1.294 no próximo ano, ou seja, +6,76%. Na proposta da LDO, o governo manteve estimativa de alta de 2,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 (o mercado está apostando entre 0,3% e 0,6%). No caso da inflação medida pelo IPCA, a estimativa do governo é de 3,25% para o próximo ano, ante 6,45% em 2022.
Sai classificação de risco entra OCDE
Você se lembra, caro leitor, como o governo Fernando Henrique Cardoso perseguia a obtenção do grau de risco das agências classificadoras (Moody’s, Standard and Poor’s e Ritch)? para com a boa chancela atrair recursos dos investidores institucionais do exterior para os projetos de infraestrutura e privatização do país? Pois é, FHC entregou a Lula o país, em janeiro de 2003, mais próximo de receber o grau de risco, que se materializou em 2009. Antes, várias empresas brasileiras, a começar pela Petrobras receberam grau de investimento. A Petrobras perdeu o dela em 2015 e o Brasil também.
Na semana passada, a Moody's reafirmou a classificação de risco da dívida externa de longo prazo do Brasil em Ba2 (dois níveis abaixo do grau de investimento) e manteve as perspectivas estáveis. De acordo com a agência, as recentes reformas de política fiscal e monetária são estruturais e seriam consideravelmente preservadas contra o risco de derrapagem fiscal e de crescimento fraco. Além disso, a Moody's destacou a forte posição externa do Brasil, assim como as suas reservas internacionais.
Pois mesmo sem o selo, o Brasil continuou recebendo volumes razoáveis de investimentos estrangeiros. O ótimo cacife de US$ 360 bilhões em reservas cambiais e os elevados saldos da balança comercial animam os investidores.
O fetiche da hora é entrar para o “Clube dos Ricos”. Fazer parte da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) virou obsessão do ministro da Economia, Paulo Guedes. Se sair (o que parece difícil, dado os gravíssimos problemas econômicos e sociais do país, com fortes desequilíbrios de renda e uma carga tributária elevada, injusta e regressiva) seria o grande troféu a ser explorado por Bolsonaro na campanha.
Numa comparação com as taxas de juros em bônus de 10 anos no mercado dos países emergentes (tirando a Argentina e a Venezuela, que saíram os painéis dos investidores já bem antes da pandemia), o Brasil só não está pior que a Ucrânia (23,7% ao ano) e a Turquia (23,6%). A taxa brasileira, de 12,2%, é um pouco pior que os 10,8% da Rússia de Putin. A Colômbia está pagando 9,6%, o México 8,8% e o Chile, 6,5%. Os Estados Unidos pagam 2,8%
Tateando no escuro
Em meio à falta de indicadores econômicos devido à greve dos funcionários do Banco Central, como de resto da Receita Federal e do Tesouro, a divulgação hoje da alta de 2,5% no IGP-10 de abril da FGM, mostrou que a inflação segue acelerando (o índice fora de 1,1% em março, antes de a Petrobras elevar os combustíveis, no dia 11) e a alta dos preços no atacado tem sido disseminada.
Além da aceleração dos preços de combustíveis, houve alta significativa de fertilizantes. O perigo, destacado no relatório da FGV é que, mesmo excluindo a contribuição da gasolina e do diesel, o índice teria avançado 1,8%, superando a alta de março. Para o Bradesco, os preços no atacado devem seguir pressionados no curto prazo, à medida que os choques de commodities se disseminam, mas a apreciação cambial pode limitar essa tendência de alta.
Só para lembrar, em resposta às reinvindicações de reajustes acima de 10%, o governo acenou com 5% para funcionários públicos. Aguardam-se ainda mais detalhes sobre os planos do governo para ajustar as faixas do imposto de renda das pessoas físicas.
Enquanto isso, com a paralisação dos servidores, o Banco Central não divulga, desde 28 de março, a pesquisa Focus, o levantamento semanal do BC com os participantes do mercado, bem como o resultado fiscal do setor público, o saldo em conta corrente, o relatório de crédito, e o IBC-Br, todos de fevereiro.