
O OUTRO LADO DA MOEDA
Toyota mostra novo rumo à indústria
Publicado em 06/04/2022 às 20:03
Alterado em 06/04/2022 às 20:03

É mais que simbólica a decisão da Toyota, maior montadora de automóveis do mundo, de fechar as atividades em São Bernardo do Campo (SP), um dos berços da indústria automobilística brasileira, que se instalou no fim dos anos 50, no governo JK, no ABC paulista (Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul). O excesso de concentração urbana na Grande São Paulo criou tantos problemas de logística que muitas indústrias, como a Lacta, migraram para o interior porque era um suplício a chegada e saída de caminhões prazendo insumos e levando produtos prontos das fábricas no Grande ABCD (Diadema fechou o cinturão industrial da Grande SP) e daí para a distribuição no mercado nacional.
A fábrica de São Bernardo começou a operar em 1962, em terreno comprado no ano anterior pela Toyota, para fabricar o Land Cruiser (batizado de Bandeirante), um utilitário produzido nas versões Jipe e Pick-up com motor e mecânica da Mercedes-Benz. A produção foi encerrada em 2001, após a marca superar 100 mil unidades em 1999. É que desde 1996 a montadora japonesa iniciara a construção de moderna fábrica no interior de São Paulo, em Induitaba, onde passou a produzir o sedan Corolla, a partir de 1998.
No 3º milênio, acompanhando o processo de modernização dos automóveis, com uso mais intenso de equipamentos eletrônicos, surgiram novas fábricas as Toyota em SP: em 2012 (Sorocaba), em maio de 2016 é criada a fábrica de motores em Porto Feliz, hoje no 3º estágio de expansão. Antes, para apoiar a logística de sua atuação em todo o país e no Mercosul, criara, em 2005, uma central de distribuição de veículos e peças em Guaíba (RS), para receber as pick-ups Hilux e SW4 fabricadas na Argentina. Dez anos depois foi a vez de Suape (PE) receber um centro de distribuição de veículos e peças para atender a região Nordeste. No processo de integração global das cadeias produtivas, São Bernardo tinha se tornado apenas uma unidade de produção de peças de pick-ups e outros veículos, em apoio às demais fábricas modernas. Sem escala econômica, restou fechar. A Toyota já pensa desde 2017 no carro híbrido.
A visão do atraso
Menciono o caso da Toyota e poderia lembrar decisões recentes da Mercedes-Benz de fechar fábricas de automóveis no Brasil, em 2020, ou da Ford, em Camaçari (BA), em janeiro de 2021, para mostrar que o debate em torno da modernização das cadeias produtivas globais está muito atrasado no Brasil. A falta de visão de futuro no Brasil é crônica.
As pessoas reagem ao progresso e se abraçam ao passado. E o futuro da transformação da indústria, que vai se acelerar com as mudanças climáticas (que atingirá em cheio os motores a combustíveis fósseis, base da indústria automobilística no Brasil, não alterada com a gambiarra do carro a álcool) e a introdução do 5G no Brasil, sequer é discutido na campanha eleitoral.
Recordemos que, em 1975, quando o governo Geisel determinou ao Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) que não aprovasse novas fábricas (de automóveis e bens de consumo) na Grande São Paulo, houve forte reação da Fiesp. O governo Geisel percebia a necessidade de espalhar as oportunidades de emprego na indústria (e na cadeia de fornecedores e serviços) por todo o país, pela deseconomia (e os riscos sociais) gerados pela concentração em São Paulo.
Assim, a Fiat se instalou em Betim (MG) no ano seguinte e a Volvo no Paraná. Hoje, quase não se produz mais automóveis e motores no ABDC, assim como bens de consumo duráveis. As fábricas se espalharam por vários estados do Brasil (incluindo o interior de SP), multiplicando a geração de emprego e renda. A grande São Paulo virou o mais importante centro de serviços, desde os anos 80 o motor da economia brasileira. Muita gente não percebeu isso e parece nostálgica do tempo em que a indústria (como um todo) representava mais de 30% do PIB (a terceirização diluiu, em favor do setor de serviços, o peso da indústria).
Quando a Ford quis fechar sua fábrica em São Bernardo (no fim do ano 2000 - ela assumiu as instalações em 1967, ao comprar a Willys Overland do Brasil), houve uma grita tremenda. A Ford reclamava da logística local, distante de portos ou aeroportos. Uma fábrica mais moderna, robotizada, foi construída em Camaçari (BA), junto ao porto de Aratu, facilitando a importação de componentes e exportação de produtos finais para o Brasil e o Mercosul (de navios). Nem assim a fábrica resistiu à reconfiguração mundial da montadora, que vem perdendo posições no ranking. E encerrou as atividades em 2021.
Não se discute o futuro da indústria brasileira diante do desafio climático para a reconfiguração das fontes de energia e o perfil industrial. Imaginar que seremos basicamente produtores de commodities agrícolas ou minerais é abraçar a ideia de que ficaremos para trás na corrida tecnológica. O país não pensa estrategicamente. Apenas reage tragicamente quando eventos externos impensáveis, como a pandemia da Covid-19 ou a guerra da Rússia contra a Ucrânia abala a cadeia de suprimentos para a energia e os fertilizantes agrícolas.
Tudo muda, menos ideias retrógradas
Pouca gente se dá conta de que a ascensão da China como maior importador de produtos agrícolas está gerando uma transformação na agricultura. A China compra hoje mais de metade da carne bovina brasileira, que é o 2º item de maior receita cambial do agronegócio. Pois a China deseja carne tenra, com animais abatidos até 30 meses. Isso requer que a engorda final dos animais (derivados de cruzamento do gado Nelore, mais rústico, com espécies europeias, mais precoces) se dê em confinamento com subprodutos da agricultura.
Haverá uma integração maior da cadeia de produção de soja, milho, algodão, com aproveitamento do farelo de caroço de algodão, bagaço de cana e outras silagens (até bagaço da extração de suco de laranja serve de ração). E os laboratórios desenvolvem enzimas para melhorar o paladar e a digestibilidade da alimentação. Isso é uma grande transformação. Só as mentes das lideranças políticas brasileiras continuam olhando para trás (que não deu certo) sem discutir o futuro, que pode evitar erros, se pensarmos melhor antes.
Combustíveis atiçam inflação...
A alta de preços dos combustíveis (gasolina e principalmente óleo diesel) mantém a inflação pressionada no curto prazo. O IGP-DI divulgado hoje pela FGV teve avanço de 2,37% em março, acima do esperado (2,10%). As principais pressões vieram do atacado, reflexo da aceleração do preço do diesel, das commodities agrícolas e de adubos. Esses vetores devem seguir presentes no curto prazo, mas a apreciação do real deve limitar essa tendência de alta dos preços globais. Em 12 meses, o IGP-DI acumula alta de 15,57%.
...e automóveis patinam
Segundo a Fenabrave, foram vendidos 146,8 mil veículos novos em março, o que representa uma queda de 4,5% frente a fevereiro, na série dessazonalizada. O resultado refletiu a queda na margem das vendas de veículos leves (-5,0%), parcialmente compensadas pelo mercado de pesados (+2,0%e, pelna safra de grãos e com o incentivo à modernização da frota). Na comparação interanual, as vendas totais caíram 22,5%.
Para o departamento de Estudos Econômicos do Bradesco “a perspectiva para o setor automotivo neste 1º semestre segue desafiadora, diante das persistentes dificuldades de abastecimento das cadeias globais de suprimentos”. Para o 2º semestre, o banco espera “normalização parcial do fornecimento de insumos”, mas adverte que “os efeitos contracionistas da política monetária tendem a moderar a demanda por veículos”.
Historicamente, a indústria automobilística sempre serviu de parâmetro para o desempenho da indústria brasileira, dado o seu enorme efeito multiplicador na cadeia de fornecedores. O mesmo se dá com a construção civil.
Quem paga o custo do 'home office'?
O Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do Ministério da Economia, fez interessante estudo sobre o Índice de Custo da Tecnologia da Informação (ICTI), que em janeiro teve alta de 0,81%, um aumento considerável frente aos 0,55% de janeiro. Na comparação com o mesmo mês de 2021, o resultado mostrou estabilidade. Com esse resultado, o ICTI acumula variação de 5,75% nos últimos 12 meses.
Mas é bom que os trabalhadores que estão atuando em regime de “home office” desde a pandemia saibam como é formado este custo na hora de discutir as condições salariais do trabalho remoto parcial ou integral.
Já que os funcionários ficam em casa, muitas empresas deixaram de pagar Vale Transporte e o Vale Refeição (substituído em muitos casos pela Vale Alimentação). Entretanto, custos que antes ficavam por conta das empresas (o cafezinho, a luz elétrica, os custos da internet e das comunicações, a água e os custos de suporte dos equipamentos) não chegaram a ser compensados por eventual manutenção do Vale Transporte ou do Vale Refeição.
Dentro da variação de 5,75% no ICTI de março de 2021 a fevereiro de 2022, o Ipea encontrou uma variação de 28,13% no custo da energia elétrica; de 8,13% no aluguel de imóveis e de 16,12% nas demais despesas operacionais. Antes, praticamente tudo corria por conta do empregador. Se o empregado não negociou corretamente, seus ganhos salariais estão sem achatados na transferência dos custos das empresas para a residência do empregado.
Apertem os cintos, o Fed chegou
A revelação de que o Federal Reserve Banco pretende elevar em 0,50 ponto percentual a taxa dos “fed funds”, que elevara de 0,25% para 0,50% ao ano em março, provocou o 3º dia de alta da cotação do dólar no Brasil, que fechou hoje a R$ 4,72, contra R$ 4,60 na 2ª feira.
Pelo visto, o Copom vai ter de acompanhar mais de perto os passos do Fed para que a ajuda da valorização do real para ajudar no combate à inflação, não se torne fator de pressão nos preços de commodities agrícolas e energéticas.