
O OUTRO LADO DA MOEDA
O real valoriza enquanto o dólar cai
Publicado em 22/03/2022 às 13:44
Alterado em 22/03/2022 às 13:45

Em abril espero completar 50 anos de atuação no jornalismo econômico (evoluindo na profissão, rompi a moldura), iniciado no “Boletim Cambial”, uma “newsletter”, que tinha peso nos anos, 70 porque era editada por João Alberto Leite Barbosa. João Alberto era irmão do presidente da então poderosa Bolsa de Valores do Rio Janeiro, Marcelo Leite Barbosa, dono da maior corretora de valores do Brasil e da qual saíram grandes operadores do mercado, donos de corretoras, futuros banqueiros e empresários de peso.
Ao longo dessas décadas sempre vi um pouco a Economia com certa ironia, pois nada é imutável. E nada mais dialético (sucessivas ocorrências de causa e efeito) do que a Economia (afetada por causas endógenas ou externas - choques climáticos, guerras ou questões políticas). E lembro de um velho colega, ainda na ativa, no “Monitor Mercantil”, Randolpho de Souza (quando o conheci, em 1973, aos 23 anos, Randolpho já tivera contato com dois ou três ministros da Fazenda e outro tanto de presidentes do Banco Central - que surgiu apenas em 31.12.1964). Pois Randolpho lamentava a cada mudança de moeda (com corte de três zeros): “logo agora que estava virando milionário!”.
Com a cotação do dólar a R$ 4,923 por volta das 12 horas (abriu a R$ 4,93, desceu à mínima de R$ 4,906 e voltou a subir, mostrando linha de resistência abaixo de R$ 4,90), a moeda brasileira tem o melhor desempenho desde fevereiro de 2020, quando a Covid-19 fazia vítimas em todo o mundo e se encaminhava para ser declarada pandemia pela OMS, em março daquele ano.
O Banco Central perdeu tempo para elevar a taxa Selic. Com juros a 2% ao ano, de 2020 e até março de 2012, quando houve o 1º aumento para 2,75% ao ano, mas a inflação já corria na faixa de 5%, houve fuga em massa de capitais brasileiros e estrangeiros para paraísos fiscais. Mas o Comitê de Política Monetária foi lento e só pisou mais forte em setembro de 2021, elevando a Selic em 1 ponto percentual. Era tarde: o dólar em disparada se refletia na inflação. Só na virada deste ano, quando a Selic atingiu a casa dos dois dígitos (10,75%) em fevereiro, houve reação do real, com a volta de capitais de brasileiros que passeava em “off shores”. Mas aí estourou a guerra.
Confisco tira atração do dólar, diz Genial
Na visão da Genial Investimentos, a valorização do real decorre dos impactos diretos e indiretos da invasão da Ucrânia pela Rússia, com seu caráter mais duradouro quanto à manutenção do dólar como moeda de valor para países e empresas, após as sanções dos Estados Unidos, União Europeia e países aliados ao governo Putin e às empresas russas.
Sem desprezar o impacto de a Selic estar agora em 11,75% (podendo chegar a 12,75% em maio e a 13% em junho), contra 0,50% dos juros básicos nos Estados Unidos (que tendem a chegam a 1% em junho, com ganho diferencial para as aplicações em reais, com a posição estratégica do Brasil como grande produtor de minérios, petróleo e alimentos (justamente artigos afetados pelos efeitos dos conflitos e das sanções, empurrando para cima a valorização da moeda brasileira, bem como de outros parceiros da América Latina e situação análoga), depois de lamentar a tragédia humanitária, a Genial faz uma interessante análise sobre as repercussões das sanções econômicas e financeiras adotadas pelos países do ocidente, sob a liderança dos Estados Unidos, visando excluir a Rússia do sistema financeiro e do mercado de trocas global.
Ela cita a pressão para que empresas interrompam voluntariamente suas atividades comerciais com suas contrapartes russas e exclusão dos bancos do país ao sistema SWIFT. O artigo da Genial em sua carta diária de hoje, chama a atenção para “o confisco das reservas cambiais do governo russo, denominadas em dólares, ouro e títulos do tesouro americano, custodiadas em outros bancos centrais do mundo ocidental” e procura “discutir as implicações de longo prazo deste congelamento de reservas cambiais”.
A Genial lembra que “o dólar, assim como as demais moedas fiduciárias, representa uma dívida soberana entre um determinado governo e o ente que se dispôs a reter a moeda em seu portfólio. Se, por alguma razão, o governo emitente da moeda fiduciária se recusa a honrar esta dívida, como no caso de proibir o acesso aos recursos depositados em bancos sob sua jurisdição, a credibilidade desta moeda é, claramente, afetada”. Por isso, considera que “este movimento de congelamento das reservas em dólares, em ouro e em títulos do tesouro americano custodiadas nos bancos do mundo ocidental será responsável por uma quebra estrutural na confiabilidade das moedas fiduciárias, principalmente do dólar”, numa visão de longo prazo.
Consequências vêm sempre depois
Para a Genial, “as alterações no arcabouço de meios de pagamento global ocorrem de maneira lenta”, mas acredita “que os principais impactos sobre o dólar sejam, em primeiro lugar, a perda do valor destas reservas, o que reduzirá o incentivo de utilizar esta moeda como reserva cambial dos países” e explica: “ dado que há o risco de que em um momento de necessidade o país possa ficar incapacitado de usar suas reservas, naturalmente estas perdem valor e atratividade”.
O artigo assinala que os governos buscarão diversificar suas reservas para reduzir sua exposição a uma única moeda fiduciária, visto que estes ativos se mostraram menos líquidos e seguros do que o antecipado. E destaca o fato de que “a China possui mais de 3 trilhões de reservas em dólares e títulos do tesouro americano, sendo o principal credor da dívida americana”. Diante da polarização que vem se materializando no atual conflito, a Genial acredita que o Yuan tende a se fortalecer no médio/longo prazo devido ao importante papel que a China exerce no mercado global. Por ora, o iene já se fortaleceu.
O risco das criptomoedas
O artigo admite que, a fragilização da credibilidade das moedas fiduciárias poderia beneficiar “a longo prazo” as “criptomoedas, devido a seu caráter descentralizado”, que ficam à marem de sanções que visam congelamento de recursos. Além disso, as “criptomoedas” também atuam como meio de transferência internacional, podendo mitigar os efeitos de sanções que buscam a exclusão de determinado ente do sistema global de meios de pagamento. Nas vésperas do conflito, o volume negociado por Bitcoin e a UAH (moeda ucraniana) disparou 4,2x a mais em relação aos dias que antecederam o conflito. Na mesma direção, o volume negociado entre Bitcoin e o Rublo foi 4,5x maior do que a média dos dias anteriores.
Mas é exatamente esta “elevada volatilidade das criptomoedas põe em xeque o seu papel como reserva de valor no curto prazo, limitando a utilização das mesmas, principalmente, como reservas internacionais para os países”. Mas, “como reflexo da guerra e as sanções aplicadas à Rússia, que fragilizaram o papel das moedas fiduciárias, esta é uma discussão que estará na mesa no longo prazo”. Para a Genial, a solução para esta perda de credibilidade ainda é incerta e apenas ocorrerá no longo prazo, seja por meio da diversificação ou do uso de moedas descentralizadas [criptomoedas]. No entanto, temos uma única certeza: o papel do dólar dificilmente será o mesmo”, sentencia a Genial.
Depois da Ata, Itaú vê Selic a 13,75%
O Departamento de Estudos Econômicos do Itaú BBA, comandado por Mário Mesquita, que já sentou na cadeira do Copom e entende os meandros do “coponês”, a linguagem cifrada do Comitê de Política Monetária do Banco Central, após analisar a íntegra da Ata da reunião de 16 de março (divulgada hoje), que elevou a Selic de 10,75% para 11,75% ao ano, anunciando mais um aumento de 1 ponto percentual em maio, admite que o limite de 13% que previra para a Selic em junho será ultrapassado.
“O Copom reconhece que pode aumentar um pouco mais a taxa Selic, avançado ainda mais em território contracionista, caso o cenário prospectivo mostre mais deterioração. Graças ao aumento dos preços das matérias-primas em um ambiente de repasse permissivo, que torna mais intenso o impacto da inflação do atacado para o varejo, provavelmente veremos uma piora adicional das expectativas de inflação”, assinala o Itaú.
“Para fazer frente a esses desdobramentos, esperamos agora que o Copom leve a taxa básica para 13,75% a.a., em três parcelas (1,00+0,50+0,50). Anteriormente, enxergávamos uma Selic terminal em 13,00% a.a. (1,00+0,25). Teremos ainda mais informações sobre o pensamento do Copom com a divulgação do relatório de inflação, na quinta-feira”, conclui o Depec Itaú.