O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Após a Ata, mercado vê Selic em 12%

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Publicado em 08/02/2022 às 15:01

Alterado em 08/02/2022 às 15:01

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Após a ata do Copom, divulgada nesta 3ª feira, com a íntegra da decisão de 4 de fevereiro, de aumentar a Selic em 1,50 ponto percentual para 10,75% ao ano, indicar que o ritmo das próximas elevações de juros será de menor magnitude - 16 de março, 4 de maio e 15 de junho são as reuniões do Banco Central no 1º semestre - os principais bancos brasileiros previram um cenário prolongado de aperto monetário, pois a trajetória projetada da inflação (5,4%) está bem acima do teto da meta do BC (3,5% + 1,50 p.p. =5%).

 

A visão do Bradesco

“O documento divulgado hoje pelo Banco Central apontou que são necessários ajustes adicionais em ritmo menor nas próximas reuniões. A ata, porém, trouxe um diagnóstico mais duro da inflação, enfatizando a aceleração de serviços, a alta ainda persistente dos bens industriais e as surpresas altistas recentes com a inflação subjacente”. (...) as taxas do IPCA no cenário de referência do Copom “situam-se em 5,4% para 2022 e 3,2% para 2023, considerando a trajetória de juros que se eleva para 12,0% no 1º semestre deste ano e termina o ano em 11,75%, reduzindo-se para 8,0% em 2023”

O Bradesco chama a atenção para o fato de que “no balanço de riscos, o comitê enfatizou dois parâmetros importantes: a trajetória dos preços das commodities, em reais, e os riscos associados ao arcabouço fiscal”. Em função disso, o Bradesco manteve o “cenário de uma Selic chegando ao pico de 12,25% a.a. [no fim do 1º semestre], com espaço de corte para 11,75% até o final do ano, a depender da evolução do cenário macroeconômico”.

Detalhe: até janeiro, o Bradesco esperava que a Selic fechasse 2022 em 10,25%, após chegar a 11,75% em março deste ano

 

A visão do Itaú

Para o Departamento de Estudos Econômicos do Itaú, chefiado por Mário Mesquita, que já sentou na cadeira do Copom, a “ata da última da reunião do Copom indica que as autoridades vislumbram um ritmo mais lento de elevação da taxa Selic à frente, mas sem uma pausa iminente. O comitê alerta sobre os riscos representados pela incerteza da política fiscal e observa o nível elevado de incerteza decorrente dos preços de ativos e commodities”.

Diante deste quadro, o banco passa a “esperar agora que o ciclo de aperto monetário termine com a taxa Selic em 12,50% a.a. Seguimos esperando um movimento de 1,0 p.p. na próxima decisão, em março”. O Itaú cita as premissas do Copom (dólar a R$ 5,45, IPCA em torno de 5,4% para 20222 e de 3,2% para 2023, concluindo que “esse cenário supõe trajetória de juros que se eleva para 12,0% a.a. no 1º semestre de 2022 [0,25 p.p. abaixo do pico esperado pelo Bradesco], terminando o ano em 11,75% a.a., e reduz-se a 8,0% a.a. em 2023”. O Itaú chama a atenção para dois fatos: 1- os preços administrados subiriam 6,6% este ano (3,8% na projeção anterior) e 5,4% em 2023 (5,2% na previsão de dezembro);2 - o Copom está considera “a hipótese de bandeira tarifária "vermelha patamar 1" em dezembro de 2022 e dezembro de 2023 (de “vermelha patamar 2”, anteriormente)”.

Outra observação do Depec Itaú é com relação ao parágrafo 17, quando o comitê menciona que a incerteza particularmente elevada sobre preços de importantes ativos e commodities, assim como o estágio do ciclo, fez o Comitê considerar mais adequado, neste momento, não sinalizar a magnitude dos seus próximos ajustes”, com “a redução do ritmo de altas de juros – sinalização que reflete o estágio do ciclo de aperto, cujos efeitos cumulativos se manifestarão ao longo do horizonte relevante”, conclui o Itaú.

 

A visão do Santander

O Departamento de Estudos Econômicos do Santander, chefiado pela ex-Secretária do Tesouro no governo Temer, Ana Paula Vescovi, que já apontava em janeiro que a Selic iria até a casa dos 12%, chama a atenção para um ponto importante: a ata do Copom “sinalizou que a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve ficar acima do teto de 5% neste ano, o que representará, se confirmado, o estouro da meta de inflação pelo segundo ano consecutivo”.

“O Comitê também indicou aumento menor da Selic em março e, segundo projeções do Departamento Econômico do Santander, pode ser de 1 ponto percentual e mais 0,5 p.p em maio”, chegando assim a 12,25% ao ano.

 

Vale a pena manter a meta?

Pelo andar da carruagem das pesquisas eleitorais, já que tem mandato até 31 de dezembro de 2024, o presidente do Banco Central, Paulo Roberto Campos Neto terá de escrever no começo de 2023, quando o IBGE divulgar o número final da inflação do IPCA de 2022, uma nova carta ao presidente do Conselho Monetário Nacional justificando o estouro da meta de inflação, como em 2021.

A única diferença é que a missiva pode ter outro presidente do CMN ou ministro da Economia ou da Fazenda - a depender do novo arranjo ministerial. Se os ventos eleitorais não mudarem, Paulo Guedes não será o destinatário.

Mas a questão é: diante das projeções para os preços administrados, que foram os grandes responsáveis pelo estouro de 2021, muito acima do teto da meta de 2022 (6,6% contra a meta de 5,00%), não seria melhor mudar a meta?

Perseguir a meta a ferro e fogo seria enxugar gelo e deprimir mais o PIB, piorando as condições do mercado de trabalho. Após o país criar 2,7 milhões de vagas em 2021, as projeções feitas pelo Bradesco para as novas vagas líquidas no Caged em 2022 caem para a faixa de 750 mil a 800 mil, em função do crescimento de apenas 0,5% no PIB. O Itaú prevê queda de 0,5% no PIB.

 

O inimigo mora ao lado

A adesão do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) à PEC dos Combustíveis do Senado, mais conhecida como 'PEC kamikaze', que cria um auxílio diesel de R$ 1.200 para caminhoneiros e eleva de 50% para 100% o subsídio ao gás de cozinha, pode abrir um rombo fiscal de R$ 75 bilhões a R$ 100 bilhões com a redução da arrecadação.

O novo problema fiscal que caiu no colo do ministro da Economia, Paulo Guedes, revela duas verdades: o núcleo político do governo Bolsonaro, do qual o filho 01 é um dos expoentes, como coordenador da campanha de reeleição, só pensa em artimanhas para seduzir o eleitor indeciso; e com a ala política remando contra a política fiscal, os próximos dois meses serão de muita pressão sobre Guedes.

 

Sem racionamento, bandeira verde?

Os dados do Operador Nacional do Sistema elétrico (ONS) mostram que os riscos de um racionamento de energia em 2022 estão afastados, com a forte temporada de chuvas que caiu sobre a região Centro-Oeste e Sudeste, onde estão os maiores reservatórios das usinas hidroelétricas do país, que desaguam em Itaipu, no Rio Paraná, na fronteira com o Paraguai.

A média dos reservatórios do SE/CO, região que consome 70% da energia elétrica do país, estava em 46,32% em 8 de fevereiro (o maior em dois anos). Há seis meses, o nível tinha caído a 26,1%, sendo que Furnas (espécie de caixa d’água do sistema), responsável por quase metade da geração, tinha apenas 18,27% e agora subiu para 62,52%.

No NE, subiu de 47% para 74,17% (está sobrando água em Sobradinho). Na região Norte, o nível se elevou de 46,6% para 90,74%, sendo que Tucuruí, a maior usina está com nível de 98,22%. Só no subsistema Sul, que vive estiagem, o nível caiu de 49% para 35,05%.

Com a dispensa do uso de termoelétricas e fontes caras de energia, o Copom admite bandeira vermelha 1 em dezembro. Dia 25 a Aneel anuncia a nova bandeira tarifária. Ante a necessidade de Bolsonaro seduzir o eleitor de baixa renda, a maior parte do eleitorado, aposto que logo será adotada bandeira verde para quem consome menos de 100 KWM.

 

Abra o capô e ache o gato

Tem explicação a queda recorde, em 19 anos, na produção da indústria automobilística em janeiro. As 145,4 mil unidades de carros de passeio, utilitários leves, caminhões e ônibus representaram de uma queda de 31,1% frente a dezembro e de 27,4% sobre janeiro de 2021. O setor segue com dificuldades de componentes importados (sobretudo chips eletrônicos) e janeiro é um mês de férias coletivas nas montadoras. O que mudou, então?

Desde 1º de janeiro entrou em vigor a nova legislação que reduz os teores de emissões de gases dos motores de automóveis. Isso obrigará as principais fábricas a tirar de linhas veículos inadequados (Fiat Uno e Doblô na Fiat; Joy e Joy Plus, sucessores do Onix e Prisma na GM; Fit e WR-V da Honda; Gol, Saveiro e Voyage da VW, além de modelos da Hyundai e da Vitara).

A diretoria da Anfavea, a associação das montadoras, nem tocou nisso ao anunciar o resultado de janeiro, na 2ª feira. Desviou o foco para chorar contra o aumento dos juros (que também afeta as vendas de geladeiras). A malandragem de esgotar a produção de veículos que vão sair de linha no ano seguinte e parar quase duas semanas de produção em janeiro já tinha ocorrido em 2014. Em 2015 os carros tinham que vir equipados com Air Bag e freios ABS. Então, se não quiser comprar gato por lebre, espere a desova de estoques até março, com bons descontos. Ou abra o capô para ver se é gato.

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