O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

O OUTRO LADO DA MOEDA

Indústria mostra PIB para baixo

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Publicado em 03/12/2021 às 18:03

Alterado em 03/12/2021 às 18:03

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

No dia seguinte à visão de tranquilidade que a equipe econômica queria mostrar diante da queda de 0,1% no PIB do 3º trimestre, que colocou o país em recessão (no 2º trimestre a queda fora de 0,4%), com inflação de dois dígitos e juros em alta para debelar a espiral, a queda de 0,6% na produção industrial em outubro foi um balde de água gelada. O mercado esperava alta de 0,8%. Muitos cálculos serão feitos para pior para o PIB de 2022.

Três das quatro categorias registraram queda que se espalhou por 19 dos 26 setores pesquisados. Foi a 5ª queda seguida da indústria, com perda acumulada de 3,7% no período. Já em relação a outubro de 2020, na série sem ajuste sazonal, a indústria recuou 7,8% em outubro de 2021, intensificando as reduções de setembro (-4,0%) e agosto (-0,6%). No ano, a indústria acumula altas de 5,7% e também 5,7% em 12 meses.

 

A última da Prevent Senior

Com fama de cobrar menos que os planos de saúde concorrentes e oferecer serviços de alta qualidade, a paulista Prevent Senior desembarcou com macas e UTIS no Rio de Janeiro, atraindo novos consumidores com o atendimento em hospitais de primeira linha, como o Samaritano e o Pró-Cardíaco.

Atropelado pelas denúncias de uso de medicamentos ineficazes, como o “tratamento precoce” da Covid, com a cloroquina de carro-chefe - que teve de reconhecer como verdadeiras, depois de negar veementemente nas audiências, num vergonhoso Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado no mês de outubro, com a Promotoria de Saúde do Ministério Público de São Paulo, as perdas na imagem e as multas que deverá pagar levaram a operadora a apertar os cintos e forçar a redução dos custos junto à rede de hospitais conveniados no Rio.

Nessas horas, sempre sobra para o consumidor. O respeitado Samaritano não aceitou a nova tabela e foi descredenciado. Para suprir os clientes, enquanto o hospital próprio, construído onde era a antiga sede da Oi, na Rua General Polidoro, em Botafogo, não entra em operação (no 1º semestre de 2022), a Prevent Senior credenciou o Hospital São José (com restrição a planos com atendimento em enfermaria) e o Hospital Badin, na Tijuca. A triste lembrança do Badin (12 pessoas morreram no incêndio causado por curto circuito em obras de remodelação, em setembro de 2019) está assustando os clientes.

 

O meu amigo Zeca Borges

É com enorme tristeza que nós, cariocas e amigos do bem, devemos lamentar a partida de um dos gaúchos mais cariocas que já pisou por aqui. Falo de José Carlos Borges Fortes, o Zeca Borges, criador do Disque Denúncia, um dos mais inteligentes sistemas de combate ao crime já implantado no Rio e cujo enorme sucesso foi copiado por Pernambuco, Campinas (SP), Salvador (BA) e Espírito Santo.

 

Macaque in the trees
Zeca Borges (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

 

Conheci Zeca Borges em 1973, como diretor da Corretora SN Crefisul, que ficava na Rua do Mercado, em frente à velha Bolsa do Rio de Janeiro. Altamir Tojal, que me orientou em muitas coisas quando ingressei no Jornal do Brasil, em agosto de 1972, me apresentou a Zeca Borges. Logo notei que aquele gaúcho, gordo e barbudo (como eu), tinha algo diferente dos operadores e dirigentes do nascente “open market” brasileiro, que passei a cobrir, também apresentado pelo Tojal, que se ligara a Zeca como redator da Resenha SN, uma das primeiras “news letters” do mercado financeiro.

O Rio era então o Centro financeiro do Brasil. Procurava falar a cada dia com mais de uma fonte para oferecer ao leitor um panorama equilibrado do mercado. Assim, conheci muita gente que me ensinou os rudimentos do mercado e da economia, instigado também pelo meu editor Noenio Spínola. Alguns já se foram e devo render homenagens a Adolfo de Oliveira, Murilo Braga, Alfredo Grunser. Muitos vou esquecer, perdoem-me.

Outros estão aí mais fortes e poderosos, como o trio que pontificava no Garantia, Jorge Paulo Lehman, Marcel Telles, com quem trocava impressões mais de uma vez por semana, e Beto Sicupira, uma surpresa que conheci em 1975, com mais ar de surfista que de operador (já então não se sentia à vontade vestindo terno...), além de Luiz Cesar Fernandes (recuperando-e da Covid). Cesar Manuel de Souza e Juarez Soares foram outros mestres, didatas sobre o funcionamento do open como caixa de ressonância das tensões e contra pressões da economia. Na Multiplic, conheci Ronaldo Cesar Coelho e Antônio José Carneiro, o “Bode”.

Inteligente e rápido, como se espera de um bom operador, Zeca ia além. Era sarcástico, amante de vinhos, tinha voz pausada e agudeza política. Ficamos mais próximos após a eleição de Leonel Brizola para governador do Estado do Rio de Janeiro, em 1982. Logo se instalou um racha no mercado financeiro carioca. Uns eram ligados a Brizola e ao PDT. Outra corrente era mais ligada ao MDB carioca, outros se engajaram depois no PSDB e outros tinham perfil conservador. O papel chave do Banerj, como o banco liquidante das operações das corretoras que operavam na BVRJ acabou sendo um divisor de águas.

 

Delfim tira aval do Tesouro ao Rio

[aqui, um parêntese que pouca gente conhece. Desde que o general Geisel patrocinou a fusão do antigo estado da Guanabara com o antigo estado do Rio de Janeiro, em 1975, houve a decisão política de amparar grandes obras públicas na antiga capital federal, transferida em 21 de abril de 1960. Foram retomadas, com avais do Tesouro Nacional para empréstimos externos, as obras do metrô do Rio (interrompidas no governo Chagas Freitas) e iniciada a construção do elevado suspenso da Perimetral, sobre o canteiro central da Avenida Rodrigues Alves, no cais do porto, para facilitar o acesso (sobretudo caminhões) da Zona Sul do Rio à Ponte Rio-Niterói, um marco da integração, inaugurada um ano antes da fusão. Por isso, defendi a Perimetral no cais, e esperava que o túnel viesse a substituir o trecho da Praça 15 à Praça Mauá].

Quando Brizola foi eleito, à revelia do general João Figueiredo, o então czar da economia, Delfim Neto, que era ministro do Planejamento, retirou os avais federais às obras que recaíram sobre o Tesouro Estadual e o Banerj. Delfim imaginava que, assim, Brizola não teria espaço fiscal para fazer realizações marcantes. Ledo engano, Brizola usou o caixa do Banerj, presidido por Marcelo Alencar, para se financiar diariamente junto ao Banco Central (Orestes Quércia e Maluf cansaram de fazer o mesmo com o Banespa, em São Paulo, assim como outros governadores; Minas Gerais tinha dois bancos, o Bemge e o Credireal, por isso a privatização dos bancos estaduais foi atacada na gestão Fernando Henrique Cardoso). Os problemas do Banerj atravessaram os dois governos Brizola, com o interlúdio do governo Moreira Franco. Restam poucos bancos estaduais, como o Banrisul, o Banestes e o BRB – DF

No 1º governo Brizola, Marcelo Alencar (depois foi prefeito do Rio e governador eleito sucedendo o 2º mandato de Brizola, em 1995-1999) tinha seu filho, Marco Aurélio Alencar, como vice-presidente do Banerj e entrou em atritos com muitos donos de corretora e distribuidora por não cobrir, a tempo, furos de caixa pelo Banerj. Zeca Borges ficou próximo a Marco Aurélio e houve quase uma cisão no mercado financeiro carioca. Até hoje vejo correntes de operadores culpando Brizola pelo fim do centro financeiro do Rio, que se mudou para São Paulo, no começo dos anos 90.

 

A BM&F e o caso Nahas

As pessoas esquecem de dois fatos fundamentais: no começo dos anos 80 surgiu em São Paulo a Bolsa Mercantil e de Futuros (BM&F (depois absorvida na criação da B3, com a fusão à Bovespa e ao mercado de balcão). Além de atrair operações com ouro e dólar em plena crise da dívida externa (1982-85), as operações e cursos preparatórios da BM&F foram criando em São Paulo legiões de operadores afeitos a matemática financeira (que deixou de ser expertise de operadores cariocas, cito três expoente daqui – Murilo Braga, que fazia cálculos de cabeça e era chamado de “ábaco”, Grunser e Daniel Dantas (que ficou famoso por aplicar um baita corner em ações da Vale no mercado futuro, no até então invencível Alfredo Grunser).

O desgaste do caso Nahas, em meados de 1989, precipitou o esvaziamento do Rio como centro financeiro. Mas, diante da cisão política que se arrastava desde meados dos anos 80 – e a eleição, em 1986, da Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima), que se fundiu com a Anbid, formando a atual Anbima foi a expressão do racha - criou um vácuo político no qual nenhuma voz importante saiu em defesa da manutenção da “indústria sem chaminé”, no Rio de Janeiro.

Zeca Borges me deu o recado (estava no meu sítio e o encontrei caminhando na estrada em frente ao Hotel da Maria Cláudia): Marcos Jacobsen, então diretor de open do Bamerindus, vice-presidente da chapa de Adolfo Oliveira (que renunciou no governo Moreira para assumir o Banerj, mas também não ficou muito tempo), me procurava para ser assessor dele na Andima. Fui assessor de Comunicação e da Diretoria de 1987 a 1992.

Cheguei a sugerir que a Andima (já interessada, com a Cetip, na compra de andares do antigo prédio do BNH, que conhecia bem por ter feito cobertura do mercado habitacional em 1973 e 1974) convidasse a BVRJ, com a construção da nova sede emperrada, e outras entidades para instalarem o centro financeiro carioca lá, já com pregões eletrônicos, atraindo ainda universidades de formação de operadores, como o então Ibmec, apêndice da BRJV e mantida por entidades da área financeira). Foi mais uma enorme oportunidade perdida.

 

Disque denúncia contra sequestros

Se o mercado financeiro praticamente minguou no Rio de Janeiro (fechando milhares de empregos diretos e indiretos e esvaziando a noite), Zeca Borges soube se reinventar. Depois de atuar na prefeitura com Marcelo Alencar, na área de direitos da Cidadania, Zeca se encarregou de fazer o trabalho mais silencioso (e anônimo) para combater a onda de crimes e sequestros que deixava em pânico vários donos de corretoras e distribuidoras (um dos casos mais famosos foi o sequestro de Alberto Cacciola, depois protagonista do Caso Marka, em 1999, quando a desvalorização do real quebrou o banco).

Zeca Borges criou o Disque denúncia, um serviço de atendimento telefônico que desse ao cidadão um meio para canalizar sua indignação, levando-o a colaborar (anonimamente) com a polícia, contribuindo para a integração entre esta e os cidadãos. Demorou, mas conseguiu convencer e mobilizar o cidadão a ajudar as autoridades a combater o crime. Assim, a segurança pública passa a ser uma questão não só de polícia, mas de cidadania.

Entre os grandes sucessos, estão a captura, em 2011, de Nem, chefe do tráfico na Rocinha. Em 2002, denúncias anônimas levaram à captura de Elias Maluco, um dos líderes do tráfico do Morro do Alemão, responsável pela execução do jornalista Tim Lopes, da TV Globo. O recorde diário de denúncias recebidas foi registrado em 26 de novembro de 2011, quando da ocupação do Complexo do Alemão: o serviço recebeu 1.136 informações no dia.

Outro sucesso do Disque Denúncia está ligado à repressão aos roubos de cargas e de automóveis. Os benefícios não se referem só à redução da criminalidade. Mais segurança implica prêmios menores que as seguradoras, por exemplo, deveriam cobrar no seguro de carros. Obrigado Zeca, por tudo.

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