Francisco Victer

Por Francisco Victer

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FRANCISCO VICTER

Novo jogo, novas regras

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Publicado em 10/11/2021 às 07:02

Alterado em 10/11/2021 às 07:04

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Sou Brasileiro. Esse é o único currículo que preciso apresentar para mostrar que em algum nível, entendo muito mais de esporte que o cidadão mediano desse mundo. Mas além de Brasileiro, sou, pelo menos por enquanto, uma outra coisa que me dá uma visão diferenciada sobre o universo: jovem. Com isso, acabo por perceber tendências que são quase sempre consideradas “passageiras” pela fração mais velha da população, mas que demonstram resultado consistente e uma tendência de crescimento que vai longe de ser efêmera. Mas afinal, o que me levou a escrever esse artigo, cujo título ainda nem foi esclarecido? Assistir a um debate, muito extenso e acalorado, em um grupo de seletos empresários e políticos, com o seguinte tema: “Videogames são ou não esporte?”. Sou sincero, e por causa desse meu currículo, não posso deixar de dar minha opinião. Para isso construirei meu argumento ao longo de três pontos.
Mas antes de tudo, um preâmbulo. É importante destacar que nem todo o videogame é ou se propõe a ser “esporte”. São somente os chamados e-sports, uma seleção de jogos com características que estimulam competição, normalmente com curva de aprendizado profunda e imperativo de trabalho em equipe, que se consideram um esporte real.

Assim, uma crítica normal contra e-sports serem considerados esporte é falta de legislação específica e a ausência de ligas nacionais. E o primeiro ponto é que, historicamente, o conceito de liga nunca precedeu o conceito do esporte, isto é: todo o time ou esporte passou primeiro a ser popular e ter praticantes para depois ser estruturado em ligas e ter legislação própria.

Não é a existência desse tipo de instituição que define se algo é ou não é esporte. Afinal de contas, é impossível criar a liga de um esporte antes mesmo dele existir, e no caso dos e-sports, seria impossível organizar campeonatos se já não houvessem estruturas que cumprem exatamente esse papel.

O segundo ponto vem em oposição ao argumento de que os e-sports no Brasil precisam desse tipo de liga formal, ou mesmo de “fomento” do poder público para atingirem um resultado concreto. Todavia, não adianta discutir o surgimento dos e-sports no nosso país sem considerar o precedente no exterior: todos os times profissionais de qualquer jogo imaginável no mundo, seja CS:GO, DOTA 2, LoL, etc, surgiram de maneira orgânica - sem incentivo público - e logo se limitam ao escopo privado.

Os maiores jogadores profissionais do mundo não vieram de "academias de ensino para videogame" ou nada do tipo, simplesmente demonstraram ter talento no ranqueamento interno do jogo e foram “scouteados” por uma organização privada, que aí sim os colocou sob um regime de treino, da mesma maneira que grandes clubes de futebol fazem com a formação da sua base.

O terceiro ponto é considerar que a discussão sobre “e-sports serem ou não esporte” acaba caindo muito em uma questão de vaidade, e do esporte tradicional ser visto como algo fisicamente positivo, enquanto o videogame é tido como algo que gera vício e não é saudável.

Isso é um debate a parte, mas que não deixa de ser um argumento consequencialista, que analisa o impacto dos e-sports na sociedade, e não o mérito de serem ou não ser esporte. Mas ora, a maior parte das coisas que supostamente tornam futebol “esporte” caem por água se considerarmos que xadrez também é considerado esporte. Até dança e skate hoje em dia são esporte olímpico.

O fato é que campeonatos entre times de videogame já são organizados e tem audiências que crescem ano após ano, com modelo de patrocínio e torcida exatamente igual ao esporte que já conhecemos. Essa semana aconteceu o Major, que é o maior campeonato mundial de CS:GO, jogo de tiro entre uma equipe de 5 terroristas que plantam uma bomba e 5 policiais das forças especiais que tem o objetivo de impedir o atentado e desarmar o explosivo se necessário. Os times revezam esses papéis em um “melhor de 30”, onde cada round dura poucos minutos. Simultaneamente, cada equipe possui seu técnico que formula estratégias e orienta o time: a mesma coisa que no futebol. E fora da partida, claro, existe toda uma equipe com nutricionista, treinador físico, massagista, etc. Afinal, toda a vantagem conta quando os prêmios chegam a dezenas de milhões de reais.

Dois milhões de pessoas se conectaram simultaneamente para assistir a essa final, que durou horas. E esse estilo de polícia X ladrão parece ressoar excepcionalmente bem com a audiência brasileira, já que fomos 500 mil desse total. 500 mil!! Esse número é ainda mais impressionante se considerarmos que essa audiência vem majoritariamente de quem tem menos de 30 anos, com valores que crescem a cada campeonato na medida em que nossa pirâmide etária avança.

Vale ressaltar que essa final foi entre um time espanhol, G2, e um Russo, NAVI, já que o principal time brasileiro, FURIA, havia sido eliminado algumas fases atrás. Aliás, um dos sócios principais desse time nacional é o Neymar, que é um ávido jogador de CS:GO, mas divago.

Videogames definitivamente são entretenimento, da mesma maneira que o futebol ou o skate são, mas isso não invalida mérito de nenhum desses três como esporte. Muito pelo contrário: dificilmente algo chegaria a ser esporte se fosse considerado chato ou entediante por aqueles que o praticam e assistem.
Contudo, é importante frisar novamente que as grandes ligas e campeonatos de videogame no exterior surgiram e se sustentaram com dinheiro privado (normalmente da própria desenvolvedora do jogo e de patrocinadores), e nunca foi preciso de escolas de treinamento ou fomento direto do poder público, muito pelo contrário, as próprias instituições privadas e times formam e treinam seus jogadores com fundos próprios. O vencedor do campeonato internacional de Dota 2 mês passado foi um time patrocinado pela Redbull, que competiu na final com o PSG. Um dos maiores times de Lol no Brasil é o Flamengo, enquanto o Corinthians é referência no FreeFire.

Assim como vemos com muitas outras coisas, há sempre uma resistência à mudança, e isso faz parte da sociedade. De todo o modo, o fato é que o Brasil tem uma grande audiência espontânea e orgânica para os e-sports, com tendência de crescimento ainda maior no futuro. Por parte do poder público, é menos uma questão de "o que fazer para acontecer", e mais uma questão de "deixar acontecer." Se colocarmos a história da humanidade em um microscópio, seja desde os romanos ou nos últimos 100 anos, é perceptível a mudança que tivemos não só nos tipos de esporte, mas na forma como são praticados e na própria definição do que é “entretenimento”. Como jovem, lamento por ser forçado a saber que o tempo é impiedoso, mas precisamos ter sinceridade. Afinal de contas, não é só o jogo que muda, são suas regras também.

Francisco Victer tem 20 anos e é estudante de Engenharia de Produção na Escola Politécnica da UFRJ.

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