Filme e biografia mostram os tormentos éticos de Oppenheimer
O filme em cartaz e biografia recém-lançada de Oppenheimer trazem ao público um personagem atormentado por seus conflitos éticos e humanistas. Um dos cientistas mais populares e respeitados de sua época, o físico americano liderou o projeto Manhattan de construção da bomba atômica, lançada sobre duas cidades japonesas ao final da Segun-da Grande Guerra.
Abalado pelo impacto provocado pelo genocídio atômico, J. Robert Oppenheimer (1904-1967), recusou-se a permanecer à frente do projeto de sofisticação do arsenal nu-clear, agora com vistas à competição armamentista que despontava com os soviéticos. Sofreu em conseqüência ataques de colegas e uma dura perseguição do governo e de uma comissão macarthista do Congresso americano, que o acusava de traição.
O livro “Oppenheimer – o triunfo e a tragédia do Prometeu americano,” de Kai Bird e Martin Sherwin, da Intrínseca, um calhamaço de 640 páginas, serviu de inspiração para Cristopher Nolan, diretor e roteirista do filme de três horas de duração. A duração é longa, mas o filme é empolgante e dá para assistir atento e ligado.
Nolan trabalhou com foco na elaboração de um roteiro histórico e político, pondo em destaque os conflitos éticos do cientista, passando por sua formação humanista, a lide-rança que exerceu no Projeto Manhattan, montado a partir de 1943 no deserto do Novo México, e a fase em que cai em desgraça e se tornou alvo de uma feroz perseguição da extrema direita americana.
Um personagem trágico e carismático, numa magistral interpretação de Cillian Mur-phy. O filme percorre sua vida em detalhes, um homem educado no trato com as pesso-as, com uma vida amorosa conturbada, em luta com seus conflitos psicológicos. A pa-ternidade do projeto Manhattan atormentou Oppenheimer pelo resto da vida, após veri-ficar os efeitos do artefato bélico que selou o fim da Segunda Guerra. Ele liderou a equipe de físicos criada no decorrer da guerra para desenvolver uma arma destruidora para ser usada contra Hitler e os nazistas.
O livro acompanha o drama do cientista, pai da bomba atômica, ao chefiar o projeto secreto de construção da bomba. Os autores da biografia salientam as discussões nasci-das do conflito ético despertado entre os próprios cientistas envolvidos no projeto Ma-nhattan, que culmina com a detonação do artefato atômico sobre Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945.
Em Hiroshima, 140 mil pessoas foram mortas, 70 mil em Nagasaki. Como conseqüên-cia dos efeitos retardados da radiação, mais 160 mil vitimas fatais somaram-se desde 1946. Nolan optou por não mostrar a imagem de horror do cogumelo atômico, que con-tinua diante de nossos olhos e jamais será esquecida, uma das maiores catástrofes da história da humanidade.
Mas que pode ser vista no documentário “Clarão/Chuva Negra: A Destruição de Hi-roshima e Nagasaki” (2007), de Steven Okazaki. Disponível em streaming pela HBO Max, o longa do mestre nipo-americano ainda não foi superado em sua abordagem do horror, que Nolan se recusou a reencenar.
O alcance de sua dimensão trágica pode ser lido também num clássico do jornalismo: “Hiroshima”, de John Hersey (1914-1993), da Companhia das Letras. Durante anos, assustei meus alunos de jornalismo na PUC pautando esse livro para leitura e resenha. Muitos desconheciam a existência de Hiroshima. Ficavam chocados. O excepcional livro de Hersey apresenta a primeira e dolorosa descrição dada por seis sobreviventes do dia do ataque nuclear.
A questão maior que fica em suspense é a destruição e o morticínio das cidades japo-nesas. Àquela altura, com a derrota do Japão consumada, os aliados tinham a guerra co-mo decidida. A Alemanha já havia se rendido meses antes e Hitler se matado. Por que então dizimar as duas cidades e seus habitantes? São questões da história que a biogra-fia e o filme repõem em discussão. Foi do presidente Truman a decisão, com o argumen-to de encurtar o tempo de guerra e poupar vidas de soldados americanos.
Com seu filme, Christopher Nolan mostra que o cientista adotou uma postura contrária à corrida armamentista que se seguiu ao conflito, ponto inicial da guerra fria entre EUA e União Soviética. Nasceu numa rica família judaica de Nova York, teve formação hu-manista. Considerado de esquerda por suas posições, teve amigos no partido Comunista e namorou uma mulher do partido. Contribuiu para os republicanos na Guerra Civil Es-panhola, preâmbulo da guerra contra o nazismo a seguir.
O jovem físico e professor universitário tinha uma personalidade complexa. O que filme e livro nos mostram é que Oppenheimer foi um gênio, dotado de grande inteligên-cia e inclinado a buscar o saber e o conhecimento.
*Jornalista e escritor