Entre realidade e ficção

Por Álvaro Caldas

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ENTRE REALIDADE E FICÇÃO

Parada militar na praia de Copacabana é ato de provocação

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Publicado em 04/08/2022 às 12:41

Alterado em 04/08/2022 às 12:41

Transformar um ato cívico de comemoração dos 200 anos da Independência numa agressiva manifestação político-eleitoral é conduzir o Exército a uma aventura política Foto: Folhapress / Gabriela Bilo
Macaque in the trees
Álvaro Caldas (Foto: JB)
 

 

 

A Avenida Atlântica, na orla de Copacabana, Zona Sul do Rio, será preparada para receber, no 7 de setembro, um desfile militar inusitado, de grandes proporções e de caráter político e assumidamente golpista. O capitão quer fazer do ato não uma comemoração do bicentenário da Independência, mas um comício de campanha eleitoral, com ataque aos juízes da suprema corte e às urnas eletrônicas, contestando antecipadamente o resultado pleito de outubro, considerado perdido.

Um dia expulso do Exército, o capitão Bolsonaro anunciou que as Forças Armadas estarão presentes nesta empreitada insana e provocativa, que pode terminar em desordens. Ou seja, tanques do Exército, caças da FAB e navios da Marinha deverão acompanhar e participar de um desfile militar com o propósito de exibição de força e intimidação da população. Havendo tumultos e confrontos, estará aberto o caminho para novas ameaças de ruptura do Estado de Direito.

Um desfile deslocado do centro da cidade, onde sempre foi realizado, para a praia, um lugar de recreação, onde crianças e adultos jogam frescobol, mulheres e homens andam pelo calçadão de biquíni e sunga. Um espaço também usado para shows, desfiles de escolas de samba e blocos de carnaval, cenário da grande festa de passagem de ano com fogos de artifício.

Ao comunicar a jornalistas que as “nossas Forças Armadas e forças auxiliares”, que incluem Polícias Militar e Civil, o Corpo de Bombeiros e sua tropa particular de milicianos, estarão alinhadas no desfile, Bolsonaro reforça que quer partir para o confronto. E expõe as Forças Amadas brasileiras a um papel subalterno e miliciano, fora do regulamento disciplinar e de sua função institucional.

Transformar um ato cívico de comemoração dos 200 anos da Independência numa agressiva manifestação político-eleitoral é conduzir o Exército a uma aventura política, de conseqüências mais graves do que a ridícula reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada. Convocada para colocar em dúvida o sistema eleitoral, a reunião abalou o mundo diplomático, desmoralizou o Itamarati e a política externa brasileira.

Há temores quando à segurança de autoridades e do público no desfile, criando uma situação que faz lembrar o atentado terrorista no Riocentro, na noite 30 de abril de 1981, durante a ditadura. Militares do DOI Codi planejaram um atentado para matar os jovens que assistiam ao show de 1º de maio, cerca de 20 mil, no auditório do Pavilhão, responsabilizando organizações de esquerda. O artefato explodiu no colo de um sargento que o manejava dentro de um carro Puma, matando-o, e feriu o capitão a seu lado, implodindo o terrorismo militar.

A parada de 7 de setembro no Rio tradicionalmente é realizada na ampla Avenida Presidente Vargas, onde se localiza o Palácio Duque de Caxias, sede do antigo ministério do Exército. O Comando Militar do Leste, o ministério da Defesa e a Prefeitura terão que alterar o planejamento já feito, para atender à decisão de mudança do capitão.

Ano passado, Bolsonaro usou o feriado para convocar seus apoiadores para saírem às ruas, incentivando a prática de atos de contestação ao poder judiciário. Depois de participar de desfile militar em Brasília, disse que só sairia da Presidência morto. A Carta às brasileiras e brasileiros, perto de alcançar 1 milhão de assinaturas, deve desdobrar-se numa grande marcha pela Democracia, no dia 11 de agosto. Deixa claro que a sociedade deseja tirar o presidente pelo voto, vivo, para que possa responder por seus crimes.

A emblemática orla de Copacabana, com sua graciosa ondulação, já serviu de cenário para manifestações militares que ficaram na História. Numa manhã do outono de 1922, ali no Forte, no Posto Seis, tenentes rebeldes de um outro Exército amotinaram-se contra a República Velha, no governo do presidente Epitácio Pessoa. Exatamente há cem anos, no dia 5 de julho, o Forte de Copacabana foi bombardeado por tropas legalistas, fracassadas as negociações com os militares revoltosos.

A história é conhecida. A maioria dos insubordinados rendeu-se. Um grupo pequeno de revoltosos, sob o comando do tenente Siqueira Campos, empunhou seus fuzis e avançou em marcha acelerada pela Avenida Atlântica. Na altura da rua Santa Clara, foram barrados pelo fogo inimigo. Quase todos morreram em combate. Feridos, foram presos os tenentes Siqueira Campos e o Eduardo Gomes, anos depois o “Brigadeiro”, que seria candidato derrotado à presidência da República duas vezes, em 1946 e 1950.

Nunca se soube ao certo quantos foram exatamente. Ficou o número 18. Certo é que, com a coragem e o destemor do gesto, os tenentes adquiriram a simbologia de mitos, dando início ao movimento tenentista que levou à revolução de 1930. Tornaram-se desde então admirados pela população. Entraram para a História como militares que deram a vida por um ideal, na luta por um país melhor. Certamente que não estariam no desfile do capitão, mas amotinados no Forte, pedindo seu afastamento.

*Jornalista e escritor

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