Trio púrpuro
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No fim da semana passada, parte do noticiário sobre rock jogou luz sobre três vocalistas que fizeram parte da banda inglesa Deep Purple: Ian Gillan, David Coverdale e Glenn Hughes, por situações e motivos diferentes, estiveram presentes à frente dos olhos e ouvidos de seus admiradores fiéis e apaixonados.
O primeiro a se comunicar foi Gillan, que, para surpresa, preocupação e tristeza de todos, confidenciou estar perto do fim da carreira porque está perdendo a visão e dificilmente permanecerá junto à banda a que, em suas idas e vindas, dedicou-se por mais de 40 anos.
Já Coverdale, em um comunicado oficial por escrito e em vídeo, divulgados nas redes sociais e pela imprensa, afirmou que a sua banda, o Whitesnake, que lidera desde que saiu do Deep Purple, no final dos anos de 1970, está saindo da cena musical. O vocalista se diz cansado e entende que precisa cuidar da saúde e curtir a vida sem mais as pressões que as gravadoras e o show business impõem.
Já o vocalista e baixista Glenn Hughes, que na metade da década de 1970 substituiu Gillan assumindo o vocal do Deep Purple ao lado de Coverdale, está em uma curta turnê pelo Brasil. Ele mantém a força da sua voz quase intacta, como foi comprovado em seu ótimo show no sábado passado, no Circo Voador, no Rio de Janeiro, mas, na noite anterior, em Belo Horizonte/MG, Hughes precisou interromper sua apresentação logo no início após se sentir mal, recebendo atendimento médico em um hospital da cidade.
São rockstars, ótimos vocalistas e frontmen que, puxados pelo início com o vocalista Rod Evans, no final dos anos de 1960, ajudaram a elevar o Deep Purple como membro da santíssima trindade do hard rock ao lado do Led Zeppelin e do Black Sabbath. E deixo aqui três dos meus preferidos dos ótimos trabalhos solos que eles lançaram nos longos anos de suas brilhantes carreiras.
Ian Gillan: Clear air turbulence (1976). A maioria de críticos musicais e fãs do Deep Purple consideram Ian Gillan o vocalista que mais se encaixou com o estilo da banda e que foi com ele nos vocais que os melhores álbuns foram gravados: os clássicos de estúdio “In rock” e “Machine head” e o ao vivo “Made in Japan”. Após se desentender com o guitarrista e líder do Purple, o genial, temperamental e cheio de esquisitices Ritchie Blackmore, Gillan pulou fora para, logo em seguida, em 1975, montar a Ian Gillan Band, gravando três bons álbuns que misturam estilos como progressivo, jazz , hard e com pitadas de soul. O meu preferido é “Clear air turbulence”, lançado em 1977, que traz seis longas faixas com a banda afinadíssima, destacando-se o ótimo guitarrista Ray Fenwick e Gillan cantando em altíssimo nível, como sempre. Destaco a delicada “Five moon”, com arranjos caprichados que lembram os de bandas progressivas setentistas como Camel, Focus e Gentle Giant.
David Coverdale: Northwinds (1978). Dos três vocalistas principais da história do Deep Purple, o inglês David Coverdale é o de menor potência vocal, mas, certamente, é a mais, digamos, bluesy, o que o fez seguir um estilo mais clássico, alternando o blues com o hard rock, estilos que ficaram evidentes em seu primeiro, pouco badalado mas ótimo álbum solo, de 1978, “Northwinds”, lançado depois que ele deixou a banda e formou o Whitesnake, no final dos anos de 1970. Além da bela capa, com uma paisagem inglesa-campestre-melancólica, Coverdale, em grande forma criativa e vocal, antes de ser fisgado pelas delícias da ensolarada Califórnia e atraído pelo comercial rock de arena dos anos de 1980 e 1990 que o enriqueceu, contou com o auxílio do antigo parceiro do Purple, o baixista Roger Glover, na produção, e pelo guitarrista Micky Moody nas composições. Destaco a canção-título“Northwinds, “Only my soul”e a belíssima balada “Time and again”, só com sua voz e os acordes do piano elétrico Fender Rhodes, tocado pelo próprio vocalista. Em 2024, assumindo o grisalho e aparando a cabeleira loura, Coverdale lançou dois vídeos com as novas versões da canção: uma apenas com sua voz e delicados acordes de piano e a outra com um maravilhoso arranjo de cordas.
Glenn Hughes: Blues - L. A. Blues Authority Vol. II (1993). Segundo álbum solo de Glenn Hughes, gravado assim que se livrou das drogas no início dos anos de 1990. É o meu preferido do vocalista e baixista inglês. Portentoso. Vigoroso. Cheio de rifffs e solos de ótimos guitarristas que contribuem para destacar ainda mais, a sua voz. Os anos que o inglês amargou mergulhado na heroína e cocaína e que quase destruíram a sua carreira e o levaram à morte estão todos registrados de forma corajosa em sua autobiografia, lançada em 2018 e pessimamente traduzida para português, que li no final do ano passado. Se você não conhece bem o vocal incomparável Hughes, ouça “Blues”. Você se apaixonará e notará como é impressionante ele continuar mantendo o altíssimo nível de timbres e potência, controlando com segurança médios, graves e agudos depois de 30 anos seguidos aprisionado pelo vício. E descobrirá que não é nenhum exagero o vocalista ser conhecido pelos fãs como The Voice of Rock.