Um tempo para a África

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Aos 70 anos de idade, o que gera expectativa de longo pontificado, o papa Leão XVI sinaliza olhar para a África, longamente relegada, mas sabendo, com toda certeza, que vai pisar o continente que tem tudo para parecer entroncamento de complexidades. Antes mesmo de interessar-se por espargir a fé católica, enfrentará contrastes culturais, políticos e religiosos disseminados. Mas sua Igreja tem força e vivência acumuladas que autorizam esperar boa contribuição na defesa dos direitos fundamentais de populações miseráveis, e, em paralelo, despertar para o sentimento nacional de nações em que ainda predominam sociedades tribais.

Missionários – os de sempre e os de hoje – podem atestar que boa parte das dificuldades resulta da ausência desse sentimento. Dois dos antecessores de Leão, João Paulo e Bento, puderam dimensionar os desafios nos tempos seguintes à ruptura do socialismo estatal e o papel que lhes coube no cenário geopolítico; mas pouco, quase nada, foi possível para o continente negro como parte dos interesses do Vaticano. Portanto, o quadro africano, sem dispensar as peculiaridades, vai exigir disposição e paciência, se esse for, realmente, o propósito do novo pontífice e seus colaboradores; paciência para sentir e saber que é impossível obter resultados imediatos.

2 - Assolada pela exploração estrangeira predatória, antiga mas sempre presente, a África vive o problema de governos não menos nefastos, mergulhada numa seara fértil de ditadores. Coronéis negros conspiram e derrubam ditadores, que antes ajudam a subir ao poder, não raro em banhos de sangue. Derrubam, para se tornarem novos poderosos, e dar continuidade exatamente aos pecados que denunciavam... Sejam quais forem as sucessões, a tragédia social do continente passa sem que seja importunada. Eventuais descontentes são eliminados, para não incomodar os que chegaram e usurparam. O que não muda é o perfil daqueles chefes: constroem fortunas bilionárias, casam-se com louras, e vão para os Alpes suíços, onde envelhecem sem saudades da pátria. Porque ditador que se preza não aceita morrer em solo africano.

3 - Diante dessa realidade repetitiva, organizações religiosas e filantrópicas de brancos desembarcam nas aldeias, e apelam para a caridade solidária de americanos e europeus, lutando e correndo para salvar milhares de crianças subnutridas, prontas para morrer. Mas todas elas ficam de costas para os governos locais desinteressados, como se o em torno não fosse responsabilidade deles.

4 – A sucessão de golpes e contragolpes naqueles países raramente sensibilizam a opinião pública mundial, que, quase com naturalidade, vê o fenômeno se repetir. Nesse continente, as guerras são tão cruéis e sanguinárias como qualquer outra parte do mundo. As Nações Unidas sabem disso. O papa também sabe. E o governo brasileiro não desconhece o que está perfeitamente visível, pode fazer mais, sob o peso das raízes culturais que nos unem, mesmo na sombra constrangedora da herança escravocrata. Pode esforçar-se para ajudar a melhorar os padrões políticos do outro lado oceano, antes de emprestar dinheiro para países que, sabidamente, vão nos aplicar o calote.