Congresso decide: fica com o Bem ou com o Mal?

O vaidoso deputado Hugo Motta e o senador Davi Alcolumbre não escondem o ranço do atraso que representam no Poder Legislativo. Veja o que fizeram esta semana...

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Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, tomando uísque no gargalo na festa de S. João: abrindo a caixa de maldades no Congresso com o Alcolumbre

O caro leitor ou leitora já deve ter lido aqui, algumas vezes, a comparação entre a política e as nuvens. No momento, ambas estão carregadas e ameaçadas por ventos sudoeste que podem virar vendavais. Mas, neste sábado, de expectativa para a decisão da Taça Libertadores, houve uma trégua no céu da praia de Ipanema. Me animei imaginando que o alívio nas nuvens rejuvenesceria a política, mas fui surpreendido com um avião de propaganda fazendo anúncio de brilhantina Glostora. Levei um susto. Não era do meu tempo (só ouvira falar de anúncios no rádio). Minha infância era do Gumex.

Nasci em 1950, quando o Brasil era um país rural e a expectativa de vida ao nascer era de 48 anos. No ano passado, revelou o IBGE, a expectativa de vida aumentou para 76,6 anos. Ou seja, os brasileiros que nascem hoje ganharam mais 28 anos de expectativa de vida do que os que nasceram no mesmo ano que eu. É que a vida urbana, apesar dos pesares, garante mais serviços públicos; combinados com o avanço das vacinações, elevaram a expectativa e a qualidade de vida da maioria. Em 1950, com mais de 65% da população vivendo no campo, de modo precário, sem luz elétrica e sem avanço na vacinação, para cada mil nascimentos, o IBGE informa que a taxa de mortalidade era de 136,2 por mil: 65,4 morriam entre um e quatro anos e 192,7 por mil na infância. Em 2024 (depois da expectativa de vida encolher na Covid-19 dos 74,8 anos de 2020 para 72,8 anos, em 2021, pela própria mortalidade e pela falta de vacinas), a expectativa de vida ao nascer subiu para 76,6 anos, e o risco de mortalidade infantil a 12,3 por mil; até quatro anos, caiu a 2,2 por mil (na infância, sobe para 14,4 por mil, e um dos riscos é a bala perdida).

Há um efeito importante nesse aumento da longevidade, que veio acompanhado pela queda da natalidade. O mercado de consumo mudou radicalmente, e as empresas perceberam isso. As calçadas das grandes cidades exibem farmácias onde antes havia agência bancárias. A vida no campo mudou radicalmente. Em 1950, o café comandava a economia brasileira, sendo responsável pela geração de mais de 80% das divisas. As “ruas” do café, em São Paulo e Paraná, com o rico solo, em planalto, das terras roxas, eram cultivadas com milho, feijão e mandioca pelas famílias de colonos europeus (italianos, espanhóis, portugueses, ucranianos, alemães, holandeses, japoneses e lituanos) que vieram para o Brasil nos 100 anos anteriores, quando a Inglaterra impôs restrições ao uso da mão de obra escrava.

Hoje, o café, que reinou por dois séculos, depois de substituir o ciclo do açúcar, mesmo com a disparada de preços no mundo e aqui em 2024, responde por menos de 5% da receita de exportação. O colonato baseado na lavoura de café e cultivo na enxada acabou em 1995, quando uma forte geada dizimou as lavouras de café de SP e Paraná. Os colonos foram inscritos pelos fazendeiros (de todo o Brasil, não somente no PR e SP, no Funrural, e o déficit na Previdência Social não parou de crescer; e o aumento da expectativa de vida pede sucessivas reformas, com o aumento da idade mínima). Os paulistas optaram pela cana de açúcar e pela laranja; os paranaenses, pelo plantio mecanizado da soja e do milho. A soja assumiu a liderança na segunda metade dos anos 90, quando conquistou as terras do cerrado do Planalto Central. Cenário vislumbrado por JK quando resolveu mudar a capital para Brasília e conquistar o interior. E a carne bovina superou as vendas de café neste milênio. A combinação da soja com o milho impactou o preço das rações e diversificou a oferta dos alimentos aos brasileiros. Com produção mais intensa, as carnes de frango e suínos chegaram a desbancar as vendas de café.

Um país em mutação
Como se percebe, se a vida rural e a vida urbana mudaram, como mudam as nuvens, na política, era de se esperar que houvesse uma modificação na representação popular na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Os velhos barões do açúcar do Nordeste (que resistem em Alagoas e Pernambuco) e de Campos dos Goytacazes foram superados pelo maior poderio e produtividade da monocultura da cana paulista. O café, que tinha sede em São Paulo, no tempo do “café com leite” do começo da República Velha, mudou-se para o Sul de Minas e o Triângulo Mineiro (o Espírito Santo abrigou o café robusta ou conilon). Uma nova representação política surgiu no campo para defender os interesses dos fazendeiros que devastam o cerrado com lavouras de soja, de milho e de algodão (em rodízio com a soja), além das matas da Amazônia (Pará, Norte de Mato Grosso, Rondônia, Acre e Maranhão). Nas cidades, a migração forçada do campo há 50 anos abriu espaço a uma miríade de igrejas evangélicas e pentecostais que exploram a crendice popular.

A representação política, no entanto, em vez de evoluir como a expectativa de vida dos brasileiros, regrediu. Por isso, como reflete a dupla que comanda o Senado e a Câmara, vi de relance, assustado, na praia, o aviãozinho de propaganda anunciando a brilhantina Glostora. O vaidoso deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) está sempre com os cabelos penteados com algum fixador mais moderno. Mais natural, às vezes com a barba por fazer, o senador Davi Alcolumbre (União-AP) aparece com os cabelos emplastrados por algo não identificado. Num e noutro caso, não escondem o ranço do atraso que representam no Poder Legislativo. Vejam o que fizeram esta semana.

O senador, contrariado por não ter o presidente Lula (do Poder Executivo) negociado previamente com ele a indicação do substituto do ministro Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (Poder Judiciário), vaga que precisa ter preenchimento aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, e depois pelo plenário com um mínimo de 41 votos dos 81 senadores (assim como membros dos tribunais superiores, diretores do Banco Central, agências reguladoras e presidentes e diretores de estatais), tratou de dinamitar o terreno para a aprovação do nome do advogado Geral da União, Jorge Messias. Davi Alcolumbre defendia o senador e ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Primeiro, encurtou o prazo de exame do nome, marcando a data de 10 de dezembro para a votação em dois níveis (o presidente Lula está tentando reabrir o diálogo, pedindo mais prazo, como Alcolumbre fez no governo Bolsonaro na indicação de André Mendonça (em 2021). Mas Alcolumbre, que preside o Congresso, reabriu a caixa de maldades do Poder Legislativo, tirando da gaveta projetos anacrônicos defendidos pelas bancadas do atraso (conhecidas como BBB – do Boi, da Bala e dos Bancos) e pôs em votação Projeto de Lei que anulou os vetos do presidente Lula (em agosto) à Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei 15.190, de 2025), que permite que donos de empreendimentos classificados como de médio risco façam uso da chamada Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), que garante a emissão imediata da licença mediante a autodeclaração do empreendedor. Não esperou nem a poeira (ou a fumaça) da COP30 abaixar em Belém para facilitar a agressão ao meio ambiente. Mas também ameaçou as finanças públicas com as benesses para agentes de saúde, que podem causar rombo de R$ 40 bilhões nos próximos dez anos.

 



Uma das responsabilidades do Parlamento é zelar pelas finanças públicas. Foi para evitar a tributação exorbitante do Rei que surgiram a Magna Carta e a Câmara dos Lordes no século XIII, na Inglaterra. Nossa Câmara e nosso Senado, em vez de se debruçarem no exame dos futuros riscos orçamentários (a longevidade dos brasileiros traz desafios para mudar prioridades), fazem um campeonato para ver quem aprova mais despesas ou benesses a descoberto. E quando o Ministério da Fazenda enviou projetos e propostas para redefinir a carga tributária do país (em complemento à Reforma Tributária que alivia e simplifica os impostos sobre o consumo a partir de 2027), fez corpo mole para aprovar as compensações tributárias para a isenção do IR de quem ganhe até R$ 5 mil em 2026, com o pequeno aumento da carga para os que ganham acima de R$ 50 mil, aí incluindo dividendos e juros sobre capital próprio de firmas individuais). Ao fazerem corpo mole, protegem os ricos e sonegadores.

Vejam a resistência à tributação das LCIs e LCAs. Os juros subiram uma enormidade nos últimos dois anos, o que, além de aumentar o ganho real (descontada a inflação) dos rentistas e do sistema financeiro, facilitou as emissões das LCIs e LCAs, isentas de tributação. Parte da resistência vinha da bancada dos bancos, à frente o Banco Master, enfim liquidado pelo Banco Central após agonia de dois anos. Seu dono foi solto, afinal, e sábado estava com uma Bíblia na mão. Mas os pecados dos prejuízos bilionários estão espalhados pelo Fundo Garantidor de Crédito (que banca depósitos até R$ 250 mil) e por fundos de pensão de estados e prefeituras (RJ, SP, AP, AM e Alagoas encabeçam a lista com suspeita de corrupção). O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), chegou a apresentar proposta para elevar a cobertura do FGC, bancado pelos grandes bancos (em cima das tarifas e grandes lucros que obtêm nos juros dos empréstimos) para R$ 1 milhão. Virou alvo de chacota dos bancões como a “emenda Master”, e o projeto micou no ano passado.

Mas o que dizer do engavetado projeto dos “devedores contumazes”? O escândalo do grupo Refit (antiga Refinaria de Manguinhos), do advogado Ricardo Magro (apontado como o mais gordo sonegador do país, com R$ 26 bilhões devidos aos fiscos federal e de SP e RJ, pois vendia gasolina (misturada ou não) abaixo do preço, e sonegava impostos (ICMS e federais) há décadas, revelou um esquema poderoso. A origem de Ricardo Magro, advogado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, um dos líderes do Centrão, não nega a interligação com a blindagem da política a crimes. A finada emenda da “bandidagem”, que caiu no Senado pela pressão da opinião pública que foi às ruas em setembro, está aí para provar. Nela estava embutido o perdão a crimes políticos (incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, antes mesmo de o STF o julgar) e a futuros crimes cometidos por políticos – de vereador a senador, e aos dos membros do Executivo.

O PL também foi atingido
Mas vejam bem. Na volta do avião que vi na praia, o outro lado da faixa que exibia “Glostora”, dava para se ler claramente a velha proposta de anistia do PL para salvar Bolsonaro. Que não se engane, caro(a) leitor(a): o corte do Partido Liberal à mesada de R$ 46 mil que dava a Bolsonaro, depois da execução de sua prisão por 27 anos e três meses, foi exigência da Justiça, não decisão unilateral do partido de Valdemar Costa Neto, que também tem de cancelar o aluguel da mansão no Condomínio do Jardim Botânico (DF), porque as funções legislativas do ex-presidente foram suspensas pela condenação transitada em julgado. Na cadeia, Bolsonaro não precisa da mansão, e os dias da ex-primeira-dama estão sendo contados.

Costa Neto deve muitos favores a Jair Messias Bolsonaro. Sua candidatura pelo PL encheu as burras do partido, que fez a maior bancada da Câmara em 2022. Mas o partido, ao patrocinar uma ação contra o resultado em 2022, pondo em xeque a lisura das urnas eletrônicas, chegou a ter R$ 22 milhões bloqueados pelo Tribunal Superior Eleitoral por “litigância de má-fé”. Do mesmo modo que a sigla inchou com a eleição em 2022, de puxadores de votos como Carla Zambelli (946 mil votos) e Eduardo Bolsonaro (741 mil), que ajudaram a garantir mais três vagas no rateio eleitoral, a cassação do mandato pode redistribuir os votos para outras legendas. Zambelli está condenada e não tem saída, mas o PL manobra a Mesa da Câmara para protelar uma decisão da Casa, que não só emagreceria a bancada como poderia lhe cortar verbas do fundo partidário. Valdemar é pragmático. Chegou a expulsar o deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) da legenda por posições contra o tarifaço, defendido pelo clã Bolsonaro. Mas voltou atrás para não perder um soldado e verba. Por isso, pode-se imaginar a batalha para defender os mandados do 03 e do ex-diretor geral da Abin, delegado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que fugiu para os Estados Unidos enquanto o STF votava a sua condenação a 16 anos.

No mais, “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”.