COISAS DA POLÍTICA

O que 2024 tem a dizer para 2023

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Publicado em 02/06/2024 às 07:26

Alterado em 02/06/2024 às 07:43

O resultado parcial das entregas do Imposto de Renda das pessoas físicas deste ano prova que há espaço para que Lula cumpra a promessa de isentar de IR na fonte os que ganham até R$ 5 mil Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A campanha para as eleições municipais de 2024 está na chamada fase de testes que antecede as temporadas de Fórmula 1. Muitos ajustes de motores, suspensão e inovações que são testadas nos túneis de vento, na etapa anterior aos ensaios finais nas pistas, onde as inovações vão mostrar se surtiram os efeitos pretendidos pelas equipes de desenvolvimento. As pesquisas eleitorais que têm sido divulgadas funcionam como os aprontos dos testes da Fórmula-1. Testam candidatos e teses que não estão agradando. E se o eleitor de 2024 quer fazer uma prévia da eleição de 2026, quando o país vai eleger novamente um presidente e vice, com nova bancada de deputados federais e renovação parcial do Senado, bem como uma nova leva de governadores e seus vices, além dos deputados estaduais.

Enquanto 2026 ainda está longe e os caciques políticos tentam testar seus cacifes para as eleições de daqui a 30 meses, o calendário das eleições municipais já está correndo. Desde 15 de maio, pré-candidatas e pré-candidatos iniciaram a arrecadação prévia de recursos na modalidade de financiamento coletivo, desde que não façam pedidos de voto e obedeçam às regras relativas à propaganda eleitoral na internet (alô Justiça Eleitoral). E os partidos políticos que queiram renunciar ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) têm até esta segunda-feira, 3 de junho, para comunicar a decisão ao TSE. Já em 20 de julho, partidos, candidatas e candidatos devem enviar à Justiça Eleitoral os dados sobre recursos financeiros recebidos para financiamento de campanha eleitoral, observado o prazo de 72 horas do recebimento desses recursos, para fins de divulgação na internet.

Campo minado
Parece claro que o terreno minado da segurança pública foi o primeiro campo escolhido para testar o eleitor municipal para as eleições de 2026. Pela Constituição, a tarefa de segurança pública não é das prefeituras, mas dos governos estaduais (que controlam a polícia militar e a polícia civil, além dos bombeiros militares e as respectivas polícias judiciárias, que controlam??? as penitenciárias).

A prática mostra que as penitenciárias estaduais eram como queijo suíço, com enormes furos. Presídios de segurança máxima, como o complexo de Bangu-Gericinó no Rio de Janeiro. Mas celas com isolamento e segurança reforçada continuam a depender dos favores prestados pelos guardas penitenciários. Resultado, as celas passaram a ser escritórios do crime organizado, de onde os chefões comandam – em segurança máxima – seus negócios manipulando uma coleção de celulares. Os roubos cotidianos nas calçadas (a pé ou por moto, que fogem sem deixar vestígios) realimentam a engrenagem, com novos celulares. Antes, “hackers” do crime tentam fazer varredura para ver se conseguem acesso aos dados bancários de quem foi roubado.

O governador de São Paulo, o ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, e que antes fora convocado pela ex-presidente Dilma Roussef para fazer “uma faxina no DNITT”, como diretor, cargo que manteve na gestão Temer, eleito pelo Republicanos, o partido político da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, aproveitou a semana para badalar o plano de segurança focado no controle do foco das câmeras dos uniformes da PM pelos próprios militares, que fora lançado uma semana antes, sem tanta repercussão.

Quem mudou: o governador que disse “que podia vir crítica de desrespeito aos direitos humanos da parte da mídia, do Tribunal Penal Internacional ou dos raios que o partam, não ‘tou' (sic) nem aí” – lembrando a frase célebre de seu mentor político, o então presidente Jair Bolsonaro, quando lhe pediram para se manifestar sobre a milésima morte pela Covid: “E daí, não sou coveiro”.

Quais as prioridades?
Eu tenho para mim que a preocupação excessiva da população com o crime e a segurança pública cresce com a preguiça do noticiário desde a pandemia, de cobrir outras palpitantes questões. Ficou fácil para a mídia fazer o jornalismo B.O. (vulgo Boletim de Ocorrência). As redações sempre tiveram a rádio-escuta para acompanhar as frequências da polícia e não ser furada por uma grande ocorrência. Mas só uma chacina como a da Candelária ou de Vigário Geral merecia cobertura e espaço em uma página. As redações estavam empenhadas em matérias de denúncia na educação, na saúde, no precário sistema de transportes. Isso pede tempo e exaustivo trabalho de apuração. A escuta da polícia ou um sobrevoo de helicóptero, captura imagens de grande congestionamento, de uma perseguição policial, de um incêndio.

São fatos espetaculosos, ou como dizia Roland Barthes, “fait divers”, mas que não mexem com as estruturas das coisas (uma investigação da Polícia Federal sobre as ramificações do “escritório do crime”, com as milícias e a cumplicidade da banda podre da PM e da Polícia Civil e políticos estaduais, municipais e federais, esta sim, mostra a extensão e as causas do crime. De que me vale, ouvir no rádio do carro, no Rio ou em São Paulo, o caso de um assassinato em Manaus? Se não for uma personalidade, é tirar atenção de questões maiores. Quando estas ganham o noticiário, logo entram na lista de prioridades do público.

Tarcísio, que não quer se precipitar à sucessão presidencial de 2026 (da boa para fora), está fazendo todos os movimentos para ser o escolhido pela direita, ou centro-direita, para enfrentar Lula (ou outro representante da centro-esquerda) em 2026. O governador está fazendo o que o treinador Elba de Pádua Lima, o Tim, dizia: “quem se desloca, recebe; quem pede tem preferência”. Tarcísio já se deslocou e está usando a campanha à prefeitura de São Paulo, que só perde em importância nacional para o governo do Estado de São Paulo, para aferir sua “temperatura e pressão”. Com cautela para não se indispor com o centro, que é o fiel da balança. Sempre. Inclusive em 2022.

O presidente Lula colecionou duas derrotas dolorosas esta semana, quando a Câmara rejeitou, por 314 votos a 126, o veto presidencial à aprovação do projeto que vetava as chamadas “saidinhas” de condenados da prisão nos chamados indultos coletivos de Natal e Ano Novo. O governo, que vem fazendo um extraordinário mutirão de apoio à reconstrução do Rio Grande do Sul, subestimou a capacidade de articulação da oposição bolsonarista. Liderada pela “bancada da bala”, que brada que “bandido bom é bandido morto” [aquele que não dedura a banda podre da polícia e da política em audiência com o juiz], não aceitou a ressalva de Lula que dava margem para saída de presos em regime semiaberto para realizar visitas familiares em datas comemorativas. Agora, condenados só podem deixar a prisão apenas para fazer cursos, sejam profissionalizantes, de nível médio ou superior. A articulação dos ministros da área política e dos direitos humanos sofreu um “tratoraço” no Congresso.

Novas emboscadas estão sendo armadas para esta semana e a vítima da hora pode ser o projeto de tributação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Para impor uma derrota a Lula, congressistas querem ampliar o leque de isenções e subsídios. No passo que querem imprimir, vai ficando mais difícil baixar a carga tributária, mediante a ampliação do leque de contribuintes mais ricos, em troca da diminuição dos encargos tributários indiretos nos impostos sobre o consumo que hoje recaem mais sobre os mais pobres.

O resultado parcial das entregas do Imposto de Renda das pessoas físicas deste ano (ainda falta completar a prestação de contas dos contribuintes gaúchos que ganharam até o fim de agosto para recuperar documentos para se ajustar com o Fisco federal) com 42,4 milhões de declarações até a meia noite de 31 de maio, num aumento extraordinário de 2012% no número de declarantes, prova duas coisas: 1- mesmo com a elevação do piso dos declarantes, ainda há espaço para que Lula cumpra a promessa de isentar de IR na fonte os que ganham até R$ 5 mil; 2 – o fim dos privilégios para contribuintes de alta renda gerou uma ampliação dos declarantes no topo da pirâmide da alta renda. Este, por sinal, é o desenho correto da tributação – alcançar mais os que ganham mais.

Outro dado que ficou claro esta semana é que o mercado de trabalho vai se recuperando da longa depressão na crise causada pela recessão de 2015-2016. Quando o mercado estava se recuperando, a pandemia de 2020-2021 jogou novamente o desemprego nas alturas. Isto está sendo feito com a inflação em queda consistente. Mas, na cartilha do Banco Central, o aumento dos empregados com carteira assinada (que tende a melhorar as finanças do INSS, a principal causa do déficit público no Brasil), é um pecado mortal, que deve ser combatido com juro alto, que deprime o consumo e os investimentos. Ou seja, nosso Banco Central prefere o círculo vicioso que eleva os juros e transfere renda para os mais ricos da sociedade do que o círculo virtuoso do crescimento, que cria empregos e melhora a redistribuição de renda no país.

Os EUA com um condenado à frente
Depois que os 12 jurados do tribunal de Nova Iorque decidiram, por unanimidade, e - ao todo - votaram 418 vezes pela condenação de Trump em 34 acusações (x12=418), era de se esperar, como lembra o jornalista Ricardo Noblat em seu Blog no site “Metrópoles”, que diminuíssem as chances de ele se eleger uma vez que se tornou um criminoso – o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos condenado por um ou mais crimes.

Noblat lembra que Trump tem um eleitorado fiel e que resiste a qualquer escândalo ou acusação criminal, embora insuficiente para lhe assegurar a vitória. “Ele precisará da ajuda de eleitores republicanos e independentes que dizem preferir ter outro candidato à Casa Branca capaz de derrotar Biden. Como esses eleitores irão se comportar?”. E recorda que há apenas um mês – mas antes da condenação midiática - “na Pensilvânia, onde Trump venceu por 44.292 votos em 2016 e perdeu por 80.555 em 2020, 158 mil eleitores registrados no Partido Republicano votaram em Nikki Haley nas eleições primárias, apesar de a antiga embaixadora dos Estados Unidos na ONU ter cancelado a sua candidatura dois meses antes. Há rejeição a ser trabalhada.

O meu amigo Noblat cita uma importante observação do diretor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Boise, no Idaho, Ross Burkhart, que explica em entrevista ao site do jornal Público, de Lisboa: “Os 15% a 20% de eleitores que não votaram em Trump nas eleições primárias estão agora no centro das atenções, sendo pouco provável que esta condenação leve a maioria deles a mudar de opinião”.

A questão crucial é a capacidade dos dois candidatos em disputa nas eleições de 5 de novembro, o presidente Joe Biden e o ex-presidente conseguirem mobilizar votos de uma fatia expressiva do eleitorado que não costuma comparecer às urnas nem depositar o voto pelo correio. Na eleição de 2020, Biden aproveitou o receio dos eleitores em serem contaminados pela Covid nas aglomerações de novembro, para mobilizar os votos dos negros e dos chicanos e demais imigrantes latino-americanos que não se sentiam representados por um candidato à reeleição que, quando presidente, tentou barrar a entrada de mão de obra nos Estados Unidos, erguendo um novo muro da vergonha na fronteira com o México.

Mais do que isso, a adesão maciça dos supremacistas brancos, que se acentuou nesta nova campanha, faz de Trump o porta-voz da Ku-klux-klan escondida na alma dos racistas americanos. Para disfarçar o excesso de brancos em torno de suas comemorações nas primárias (onde deu um passeio), requisitou congressista negro para aparecer de papagaio de pirata e disfarçar um pouco o tom de sua campanha – quase uma revanche dos Confederados estados do Sul, escravocrata, contra a democracia dos nortistas.
Biden precisa mobilizar novamente o eleitorado negro e os imigrantes que conseguiram o “green-card”, mas têm amigos e parentes que podem ser banidos do território americano se Trump voltar ao poder.

Noblat observa um fato preocupante [que atribuo ao passado midiático de Trump a bordo de seu “reality-shown” o “Aprendiz“, visto por espectadores mais jovens que queriam conquistar espaço no mercado de trabalho]: “Até ser condenado, Trump parecia estar conquistando o voto dos negros e dos mais jovens. Na verdade, esses eleitores não fazem parte da base de apoio de Trump, e muitos apoiam candidatos do Partido Democrata em eleições para o Senado. Alguns votaram em Biden para presidente há quatro anos. Votariam de novo?”, indaga Noblat.

O Fed no alvo de Trump
Creio que nos próximos seis meses, mesmo se fazendo de “vítima do sistema”, a decência americana falará mais alto e haverá rejeição a um criminoso contumaz. Se, apesar dos pesares, Trump for eleito, prevejo que um dos seus alvos prediletos será, mais uma vez, o presidente do Federal Reserve Bank, Jerome Powell, cujo mandato de quatro anos foi renovado em maio de 2022 até junho de 2026. Powell comandou o Banco Central americano quando Trump era presidente e sofreu várias críticas contra o nível dos juros. Mas a crítica divergia do tom de Lula contra o Banco Central de Roberto Campos Neto (não pelo tom, às vezes, até mais truculento de Trump, mas pelos fins que estavam por trás dos meios - as críticas). Lula olha para o endividamento das famílias e dos pequenos, micros e médios empresários, assolados por altos juros – que têm como piso um patamar de juros real (deduzido a inflação) de cinco a seis pontos no Brasil, contra dois a três pontos nos Estados Unidos, que aqui impede a economia de crescer mais. Lá, Trump sempre esteve preocupado em reerguer seu império imobiliário em Nova Iorque e na Florida, que tiveram brutal desvalorização na crise financeira mundial de setembro de 2008. Juros altos sempre foram inimigos do crescimento.

Mas, nada desestimula mais o mercado de imóveis que juros nas alturas. Sem baixar os juros das hipotecas, o império de Trump não decola. E Powell sabe perfeitamente que a origem da crise financeira mundial de 2008 foi a leniência das autoridades de controle e regulação bancária na alavancagem das operações de dupla e tripla hipoteca do mercado imobiliário. O castelo de cartas que ruiu e levou à quebra do Leman Brothers ainda não foi reconstruído. Por isso, as autoridades reguladoras redobraram os controles de supervisão sobre o mercado de crédito bancário e de hipotecas. Trump já deu a entender, segundo “The New York Times”, que os reguladores estarão na sua alça de mira. Uma verdadeira confissão de querer voltar ao poder para agir em causa própria. Biden certamente deve explorar esse ponto na campanha.

Sinais que vêm da África
O Congresso Nacional Africano, o partido de Nelson Mandela, que lutou contra o “apartheid” na África do Sul e dominou a cena política do país por mais de três décadas, acaba de sofrer um duro revés: o CNP recebeu menos de 50% dos votos pela primeira vez em 30 anos, colocando a nação num rumo desconhecido.

Os elefantes têm uma prodigiosa memória e são capazes de fazer uma longa travessia nos desertos do Sul do continente guiados por uma matriarca que guarda de memória o trajeto rumo a fontes de água que conhecera há mais de 20 anos. E todos se salvam.

Já uma boa parte dos jovens eleitores de uma África do Sul integrada parece não ligar para as cicatrizes da discriminação racial, que fazia com que mais de 80% de negros fossem separados e dominados como cidadãos de segunda classe por uma minoria étnica branca racista de origem anglo-holandesa. O ocaso do CNA na África do Sul deveria servir para meditação no Brasil, para que as velhas castas políticas captem as aspirações das novas gerações.