COISAS DA POLÍTICA

Dino, o homem tridimensional

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Publicado em 04/02/2024 às 07:20

Alterado em 04/02/2024 às 08:29

Flavio Dino Agência Brasil

Flávio Dino, após uma carreira como juiz no Maranhão, onde se elegeu, por dois mandatos, governador do estado, derrotando os representantes do clã Sarney (o que já não era pouco), se elegeu senador com 2,100 milhões de votos em 3 de outubro de 2022 (62,31% dos votos válidos). A carreira no Legislativo ficou em suspenso porque foi convidado pelo presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, para comandar o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Antes mesmo da posse do governo, Dino teve de se desdobrar para cuidar da segurança pública do novo governo, diante dos acampamentos de bolsonaristas em frente aos quartéis militares (sobretudo o QG do Exército, em Brasília) e das arruaças na noite do dia 12 de dezembro, em Brasília, quando o Tribunal Superior Eleitoral diplomou o presidente eleito e o vice, Geraldo Alckmin.

Historicamente, o MJ fazia articulação política do Executivo com o Congresso. Assim o fez (após comandar por duas legislaturas o Senado) o então senador Petrônio Portella, representante do estado vizinho do Piauí, no começo do governo do general João Batista de Figueiredo. Infelizmente, Petrônio faleceu, em janeiro de 1980, quando fazia importantes articulações políticas para a abertura política “lenta, gradual e segura” do governo do general Ernesto Geisel até a redemocratização do país e a concretização da Anistia aos políticos exilados pelo regime militar, na gestão Figueiredo.

Sem Petrônio, sem Simonsen (renunciara em agosto de 1979, sendo substituído por Delfim Neto, antes escalado ministro da Agricultura), e sem Golbery do Couto e Silva, que deixou a Casa Civil após o atentado do Riocentro, no 1º de maio de 1980, o governo Figueiredo (que iniciou com 47% de inflação) desandou de vez com a crise da dívida externa e entregou, em março de 1985, inflação de mais de 240% (223% foi a taxa oficial de 1984).

Pois Dino, que foi o primeiro dos ministros de Lula a arregaçar as mangas (Fernando Haddad, na Fazenda, e os demais, na equipe de Transição chefiada por Alckmin tentavam mapear os estragos e o terreno minado pela gestão Bolsonaro, cujos reflexos foram o déficit público primário recorde de 2023, com mais de metade da paternidade cabendo ao governo “sainte”), teve de se desdobrar ainda mais e virar superministro para reverter os estragos de 8 de janeiro de 2023, quando, por pouco, a intentona dos bolsonaristas contra as sedes dos Três Poderes da República não se consuma em golpe contra o Estado Democrático de Direito.

Se o governo tivesse recorrido à famigerada Garantia da Lei e da Ordem (GLO), os militares estariam, como tramaram os bolsonaristas, tutelando o governo Lula na largada (metade do ministério nem tinha sido empossado). Dino sugeriu, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que já coordenava a reação do STF por indicação da presidente Rosa Weber, a intervenção federal na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (que dispersou esquema de proteção à Praça do Três Poderes quando caravanas de ônibus financiadas, de todo o país, chegavam a Brasília e engrossavam as fileiras dos acampados diante do QG do Exército, mais conhecido como “Forte Apache”). Além de Dino, a democracia no país deve muito à ação operosa e enérgica do então secretário-executivo, Ricardo Capelli que assumiu, como interventor na Segurança do DF, o comando da PM local, e rechaçou os golpistas na linha de frente da baderna visando a adoção da GLO.

É uma pena, por sinal, que o governo Lula não tenha aproveitado um quadro como Capelli. Jornalista de origem, seus serviços poderiam ser úteis na recondução da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na função de órgão de inteligência que antecipa situações complicadas (o popular “pode dar merda”, em vez da bisbilhotice e da “arapongagem” do monitoramento ilegal de celulares de políticos - sobretudo da oposição -, jornalistas, membros do Judiciário e até ministros do governo Bolsonaro, executadas no governo anterior por recomendação expressa ao diretor geral da Abin, Alexandre Ramagem, que Bolsonaro quer apoiar agora para prefeito do Rio de Janeiro).

Acampamentos só na natureza ou campings
Mas Flávio Dino, que deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública (Executivo) no dia 1º de fevereiro, quando passou o cargo a Ricardo Lewandowski, ministro aposentado do STF, em abril de 2023 (a vaga foi preenchida pelo ex-advogado de Lula na Lava-Jato, Cristiano Zanin), resolveu exercer por 21 dias, até 21 de fevereiro de 2024, quando toma posse no STF, na vaga que foi de Rosa Weber, aposentada em outubro, o mandato de senador pelo Maranhão. Será uma façanha tridimensional servir aos Três Poderes num intervalo de 21 dias em pleno Estado Democrático de Direito.

Se o golpe que Bolsonaro engendrou em seus quatro anos de governo, desse certo, depois que perdeu a eleição, se serviria dos Três Poderes por tempo indeterminado. Para dificultar isso, o senador Flávio Dino protocolou na Mesa do Senado, no segundo dia do mandato, na sexta-feira, 2 de fevereiro, cinco Projetos de Lei para marcar sua curta passagem no Legislativo federal.

O primeiro, e mais importante, altera a legislação do Decreto-Lei 3.437, de 1941, editado quando o Brasil estava entrando na Segunda Guerra Mundial, que proibia edificações com mais de três andares num raio de 1.320 metros dos quartéis das forças armadas. Era uma forma de evitar “espionagem” sobre os meios de combate do Brasil. Devido a esse decreto, por exemplo, durante anos não houve edificações de alto porte no entorno dos fortes do Leme e de Copacabana (Posto 6), o que só foi permitido quando os fortes foram praticamente desativados (na evolução dos mísseis balísticos, fortes estáticos ficaram obsoletos). Pois Dino incluiu na vedação do raio de 1.320 metros a instalação de acampamentos de civis para sibilar golpes aos ouvidos militares.

Outras duas iniciativas agilizam os procedimentos cautelares para “prisão preventiva e audiência de custódia”; e especificam a “destinação do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) para reconhecimento de mérito de policiais”. Espera-se que tenha um freio a premiação, com dinheiro público, de comendas a oficiais torturadores e à banda podre das polícias civil e militar, base de onde saíram muitos dos representantes da “bancada da bala”.

Feito o serviço inicial, que deverá enfrentar muitas reações (o líder da oposição, senador Rogério Marinho, do PL-RN, quer propor anistia aos golpistas de 8 de janeiro de 2023!), Flávio Dino vai pôr a toga de ministro e integrar o colegiado do Supremo Tribunal Federal, o órgão máximo do Poder Judiciário.

Haddad, o novo Sísifo?
A mitologia grega diz que Sísifo, filho do rei Éolo (o rei dos ventos) e Enarete, era considerado o mais astuto de todos os mortais. Mas, tantas ele fez, driblando duas vezes a morte, que acabou acorrentado com os tornozelos atados a uma imensa bola com a qual era desafiado a escalar um morro, mas a bola sempre voltava no pico na escalada ou caía para o outro lado.

Todo ministro da Fazenda do Brasil (sendo ou não o mais astuto e inteligente, mesmo com o recursos de equipe competente) sempre acaba amarrado, como Sísifo, não apenas a uma bola (o controle da inflação) mas a duas (incluindo o equilíbrio entre a receita e os gastos públicos).

Eleito pela maioria da sociedade que desejava uma guinada mais social nos gastos públicos, visando à camada de mais baixa renda (após Bolsonaro dar isenção de impostos de importação para Jet Sky e redução de impostos para gasolina e álcool, de uso da classe média alta), Lula indicou o mais improvável dos ministros da Fazenda, o professor Fernando Haddad, que se destacara como ótimo ministro da Educação e prefeito de São Paulo. Pois Haddad prometeu incluir o pobre no Orçamento Geral da União e o está fazendo mediante o reordenamento das verbas para programas sociais, enquanto corta privilégios fiscais dos mais ricos e também das grandes pessoas jurídicas.

A Reforma Tributária inicia um novo redesenho fiscal, com a simplificação da parafernália fiscal baseada no consumo (que funciona como tributação regressiva, punindo os mais pobres). Agora, virá a parte mais dura, como se viu nos embates do final do ano de 2023, para aprovar a equalização da tributação dos fundos exclusivos (individuais) de bilionários aos demais fundos de investimento, que recolhem impostos semestrais, e no fim da isenção aos fundos “off-shores”. O imbroglio da prorrogação (eternizada) da desoneração de encargos sociais a 17 setores de atividade mostra que Haddad há de penar como Sísifo para dobrar as reações dos privilégios cristalizados. Um levantamento da Receita Federal chegou à soma absurda de mais de R$ 500 bilhões de recursos que o Erário abre mão em 2024 pela prática de incentivos, isenções e deduções fiscais. Se o Parlamento tanto reclama de cortes de gastos, não seria melhor começar a separar o joio do trigo no nascedouro? É preciso ver se os recursos das isenções foram aplicados nos fins propostos. Isso é função à qual o Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Poder Legislativo, deveria dar sua contribuição e expertise.

Tofolli, outra pedra?
Haddad fez um esforço imenso para arrebanhar recursos que se esvaíam com isenções. Mas, duas decisões monocráticas do ministro Dias Tofolli, do STF, anulando condenações da J&F, a holding do grupo JBS-Friboi (R$ 10,5 bilhões), e outra que dá o dito pelo não dito no caso da Odebretcht, livrando, de cara, a atual Novonor de R$ 8,5 bilhões, com perdões estendidos a multas da Procuradoria Geral da República, Advocacia Geral da União e da Controladoria Geral da União, podem criar um rombo futuro de mais de R$ 25 bilhões. Esse túnel, comparado aos feitos pelos “tatuzões” em obras dos metrôs nas grandes cidades, pode ser a via de fuga de várias outras empreiteiras condenadas a multas bilionárias em crimes confessos na Lava-Jato.

E a Petrobras, hein?
Não há como não copiar um dos mais famosos motes da coluna do saudoso Zózimo Barroso do Amaral no velho JORNAL DO BRASIL. Quando queria dar em uma nota uma visão nova a um tema antigo, Zózimo punha o tema no título, com a provocação “hein?”. Pois é o que faço em relação à Petrobras.

Na reunião do G-20, em outubro de 2021, em Roma (Itália), ao ser provocado, com certa inveja, pelo presidente da Turquia, Recep Erdogan, então às voltas com a alta dos preços dos combustíveis [a Turquia é grande importadora, situação que só piorou após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro do ano seguinte], o então presidente Jair Bolsonaro, em vez de se vangloriar da Petrobras, deixou um dos poucos membros do G-20 a lhe dar atenção, perplexo com a resposta. O diálogo divulgado pelo jornalista Jamil Chade no Twitter (atual X) foi o seguinte:

Erdogan: “Brasil tem muitos recursos petrolíferos”

Bolsonaro: “Tem, tem”

Erdogan: “Petrobras”

Bolsonaro: “Petrobras é um problema. Mas estamos quebrando monopólios. Reação muito grande. Até há pouco tempo era uma empresa de partido político. Tiramos esse partido político”.

Bolsonaro não chegou a explicar que a intenção de seu governo, que estava aplicando o sistema de Paridade de Preços Internacionais (PPI, criado no governo Temer), que atrelava os preços domésticos dos combustíveis aos preços internacionais, atualizados pela taxa de câmbio, fazia parte da dieta de emagrecimento da estatal, com venda anunciada de 50% do parque de refino, visando à sua privatização, que ficou para o segundo governo. Quando os preços domésticos (seguindo o PPI) dispararam a partir de março, Bolsonaro, desesperado com os estragos em sua popularidade - Lula passou a liderar as pesquisas - trocou três presidentes da estatal em três meses. Em junho, cortou os impostos dos combustíveis, energia elétrica e comunicações até 31.12.2022. Mesmo assim, deu Lula.

Cumprindo a promessa de campanha de Lula de “abrasileirar” os preços dos derivados do petróleo, com uso mais intenso do petróleo mais leve (e menos custo) do pré-sal nas refinarias da Petrobras, cujo uso da capacidade instalada saltou de 75% no governo Bolsonaro, para mais de 94% no final de 2023, as ações da companhia, com cotações avalizadas pelo mercado, atingiram esta semana as maiores cotações e o valor de mercado histórico da Petrobras.

As ações ordinárias fecharam a sessão de sexta-feira, cotadas a R$ 42,96,e as preferenciais, a R$ 41,57. O valor de mercado da companhia chegou ao patamar de R$ 552 bilhões, o maior desde 18 de outubro de 2023, quando chegou à marca de R$ 525,099 bilhões. Para o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, o recorde de valor da companhia coroa o trabalho feito ao longo de todo o primeiro ano de nova gestão, iniciada em janeiro de 2023, para a retomada de investimentos. E acrescentou que os recordes de cotação e de valor de capitalização “demonstram também a confiança dos investidores no futuro da companhia e em sua capacidade de gerar retornos significativos.

Ou seja, a guinada de 180 graus da companhia, que saiu de um regime intermitente de emagrecimento, uma retomada de sua importância estratégica para o país, foi bem recebida pelos investidores do Brasil e do mundo, pois suas ações estão listadas (em ADRs) na Bolsa de Nova Iorque.

Os nomes aos bois
Em tempo, o PT nunca teve monopólio das diretorias da Petrobras. Um dos maiores acusados de escândalos e estouros das projeções orçamentárias da Diretoria de Abastecimento e Refino, era Paulo Roberto Costa (já falecido), foi quadro indicado pelo PP (então integrado pelo deputado Jair Bolsonaro e hoje presidido pelo último ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, senador Ciro Nogueira, do PP-PI, e partido do presidente da Câmara, Artur Lira, eleito deputado pelo PP-AL). O PMDB (atual MDB) também teve diretorias, assim como o PSDB, no governo de Fernando Henrique Cardoso.

A rigor, só nos governos militares não havia políticos nas diretorias da Petrobras. Entretanto, no governo Sarney, um dos diretores da BR Distribuidora (subsidiária integral da Petrobras privatizada por Bolsonaro), o general Albérico Barroso, que deixou passar um esquema de corrupção com duplicatas de notas fiscais (com cobranças duplas, por adulteração nas numerações, denunciadas por três bancos), segundo reportagem de Suely Caldas em “O Estado de S. Paulo”, teve a demissão travada pelo presidente. É que Sarney foi avisado a tempo por Barroso, quando prestava serviço na Ajudância de Ordens da Casa Militar do marechal Castelo Branco, de que seu nome estava incluído numa lista de cassados. Sarney integrou a ala “bossa nova” da UDN e operou com padrinhos políticos, escapando da degola.

Durante muitos anos, Sarney filiou-se à Arena e depois presidiu o PDS. Mas na hora decisiva de optar pela redemocratização do país, derrotado o candidato que apoiava contra Paulo Maluf pelo PDS, o coronel Mário Andreazza, preferiu se aliar à dissidência do PFL e se juntou a Tancredo Neves (PMDB), de quem foi vice e assumiu o governo sem que o líder mineiro fosse empossado. Por isso, muitos militares, das antigas, sempre fizeram muitas restrições a José Sarney.

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