Por Coisas da Política

COISAS DA POLÍTICA

O troca-troca de comandos

Cabe prestar atenção na movimentação militar e no aliciamento de policiais para resistir as revezes eleitorais à la Trump

Publicado em 10/04/2022 às 08:35

Alterado em 10/04/2022 às 08:35

A quantidade de concorrentes militares em 2022 é maior que a de 2018 Foto: Ansa

Os prazos da Justiça Eleitoral levaram a um troca-troca generalizado de partidos e na cúpula do governo de Jair Bolsonaro. Para reforçar seu cacife em estados com grande número de eleitores, 11 ministros deixaram o Executivo para tentar vagas de governador (São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul, três dos cinco maiores colégios eleitorais), e outros vão lutar por assentos no Senado e na Câmara dos Deputados. A mudança se estendeu a importantes órgãos da administração federal, bem como às agências reguladoras. Nestas, como os mandatos têm prazo definido, indicações aprovadas na Câmara ou no Senado, só poderão ser removidas no próximo governo, em 2024 ou além. A menos que se promova atropelamentos de ritos como na Petrobras, na qual, com menos de metade do prazo de dois anos de mandato, o general Joaquim Silva e Luna será apeado. Trazido de Itaipu Binacional para substituir a presidência de Roberto Castello Branco, que não teve indicação de recondução ao cargo (em abril de 2021) porque em fevereiro, ao repassar ao consumidor brasileiro aumentos que vinham da alta dupla do dólar e do petróleo e combustíveis desde o início da vacinação, em dezembro de 2020, Castello Branco irritou Bolsonaro e filhos, porque a escalada dos preços da gasolina coincidiu com a ascensão de Lula nas pesquisas, que assumiria a liderança a partir de maio de 2021. Em 11 de março, ao aprovar aumento de 24,9% para o diesel, 18,08% para a gasolina e 16% para o GLP (o gás de botijão usado na maioria dos lares brasileiros), Silva e Luna caiu nas desgraças de Bolsonaro.

Os números recordes da inflação de março (alta de 1,62%, levando a taxa em 12 meses a 11,30%, sob impulso dos aumentos dos combustíveis, segundo divulgou o IBGE na 6ª feira), ainda não se refletiram nas pesquisas eleitorais. Mas o governo, antes mesmo de mudar o comando da Petrobras, forçou redução de 5,58% no preço do GLP nas refinarias. O gás pode baixar. Mas com os alimentos em disparada, e a alta do diesel, que influi nos fretes do transporte de hortifrutigranjeiros, a sensação de inflação continuará fervendo nas panelas e a taxa em 12 meses pode romper os 12% em abril, apesar da redução antecipada das tarifas de energia elétrica para 16 de abril. Outras medidas administrativas estão sendo usadas abertamente a favor de Bolsonaro, como os créditos do BB a caminhoneiros, aceno de redução da tabela do Imposto de Renda e reajuste a policiais federais, funcionários da Receita e do Banco Central, fora as benesses da Caixa Econômica Federal

A falta de cuidado nas trocas no comando do Conselho de Administração da Petrobras (o presidente da Diretoria Executiva tem de fazer parte do CA e atender os princípios de conformidade do Comitê de Pessoas (Cope) da companhia aberta sob controle da União), levou ao veto dos dois nomes indicados pelo governo: o do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, para a presidência do Conselho, e do consultor de empresas de energia, Adriano Pires para a presidência executiva. Para não adiar a AGO que deve homologar as mudanças no Conselho e na Diretoria, marcada para o próximo dia 13 de abril. Optou-se por uma solução caseira, de dois nomes que já tinham passado pelo crivo do Cope: Márcio Webber está sendo indicado para o comando do Conselho, na vaga do contra almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira. Já para a presidência da empresa foi indicado José Mauro Ferreira Coelho, que foi secretário executivo de petróleo e gás do Ministério de Minas e Energia, em 2020 e 2021 e, desde 2020 comandava o Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A (PPSA). Resta saber que coelhos na cartola esses executivos vão tirar para segurar os reajustes. Já que Bolsonaro se entendeu tão bem com Vladimir Putin, que tal combinar com o déspota russo trégua ou armistício com a Ucrânia? Além de baixar o preço de combustíveis e fertilizantes, a Petrobras poderia evitar o calote na venda de suas fábricas de nitrogenados para a russa Acron, um dos temas acertados na viagem de Bolsonaro a Moscou na 1ª quinzena de fevereiro, quando chegou a dizer que evitara a guerra.

 

As mexidas no Exército

Mas na esteira da indicação do general Walter Braga Neto, que comandava o Ministério da Defesa desde meados do ano passado, como vice na chapa de Jair Bolsonaro, a substituição do ministro da Defesa provocou um remanejamento geral na principal força armada do país, o Exército. Bolsonaro já tinha forte influência sobre os comandos da Marinha e da Aeronáutica, com oficiais alinhados à pregação política do presidente da República, comandante em chefe das forças armadas, pela volta do poder militar à cena política e a nostalgia pelos tempos da ditadura militar. Antes de sair, Braga Neto definiu na ordem do dia em 31 de março (um de seus últimos atos na pasta) o golpe militar de 1964 como um movimento que "fortaleceu a democracia" e foi "um marco histórico da evolução da política brasileira".

Com o maior contingente entre as três armas, a pasta da Defesa coube ao general de exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. No comando da tropa, Paulo Sérgio evitava a politização nas hostes do Exército e teve papel importante para impedir que Jair Bolsonaro desse um passo em falso com a tentativa de golpe militar no 7 de setembro de 2021. A falta de apoio popular (o comparecimento em Brasília, apesar da convocação de apoiadores de todo o Planalto Central ficou a 20/25% do esperado), tirou o ímpeto do presidente da República, após a dura reação do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que pediu a proteção do Exército para o prédio e os ministros do STF. Pois o indicado para substituir o general Paulo Sérgio no comando do Exército foi o general de exército Marco Antônio Freire Gomes. Completamente alinhado a Jair Bolsonaro, ele promoveu remanejamento em todos os altos comandos administrativos da força. Quem servia no comando do III Exército (a maior guarnição do país) foi para outras funções e assim por diante. Comandos do Leste, Nordeste e Norte foram trocados.

Diluiu-se o poder de comando que o general Paulo Sérgio, como Ministro da Defesa, tinha sobre os antigos comandantes de divisões e áreas administrativas do exército brasileiro. O controle passou ao general de exército Marco Antônio Freire Gomes. Na hierarquia da força, o general com uma estrela é o de brigada; segue-se o com duas estrelas; e o com três estrelas é o de exército (a quarta estrela cabia a marechais e só valia em tempos de guerra). Um dos primeiros atos de Freire, na semana que passou, foi trocar uma peça importante no 7 de setembro de 2021. O Comando Militar do Planalto saiu das mãos do general de divisão Rui Yutaka Matsuda e passou às do também general de divisão Gustavo Henrique Dutra de Menezes.

Nos tempos da ditadura, as movimentações nos comandos militares eram atentamente acompanhadas pelos jornais. No JORNAL DO BRASIL, com a virtual hibernação da política, a editoria tinha o jocoso apelido de Pedame (Política e demais assuntos militares e eclesiásticos, pois a igreja católica tinha voz respeitada pelos militares de outrora). Hoje, com o governo envolvido com pastores evangélicos dos mais variados matizes e apetites, e disparando ataques às urnas eletrônicas e ao Tribunal Superior Eleitoral, cabe novamente prestar atenção na movimentação militar e no aliciamento dos policiais militares nos estados como uma “brigada bolsonarista”, já armada pelos CACs) para resistir a eventuais revezes eleitorais, à la Trump. Por isso, merece atenção o convite feito pelo comandante do exército, general Freire Gomes ao presidente do Supremo, Luiz Fux, para assistir à solenidade do Dia do Exército, em 19 de abril. A democracia brasileira pede entendimentos.

 

Aborto, questão delicada

O Brasil é um país de 214,451 milhões de habitantes, segundo o IBGE. As mulheres estão em maioria de 52,4% e, por sua função basilar na formação das famílias, deveriam estar no centro das preocupações das políticas públicas. Não estão, porque a representatividade feminina na Câmara dos Deputados e no Senado Federal é muito reduzida. A representação política é dominada pelo machismo e tanto o debate como o avanço nas leis de proteção às mulheres são travados por preconceitos retrógrados, com destaque para os de gênero e de fundo religioso. Veja-se a questão do aborto. Em vários países, inclusive em vizinhos da América do Sul, o Estado ampara as mulheres, sobretudo as menores, vítimas de gravidez precoce para a interrupção da gestação. No Brasil o aborto induzido foi considerado crime, em 1984, com penas previstas de 1 a 3 anos de detenção para a gestante, e de um a quatro anos de reclusão para o médico ou qualquer outra pessoa que realize em outra pessoa o procedimento de retirada do feto. Só em três situações específicas definidas por lei, o aborto pode ser autorizado pela Justiça: para salvar a vida da mulher; quando a gestação é resultante de um estupro; ou se o feto for anencefálico (situação muito presente quando as mães tiveram surtos de Chikungunya, que atrofia o desenvolvimento dos cérebros dos bebês). Nesses casos, o SUS pode ser acionado para fornecer gratuitamente o procedimento de aborto. A permissão não significa uma exceção ao ato criminoso, mas sim uma escusa absolutória, que exige a anuência prévia da Justiça.

Em 1989, no 2º turno da campanha eleitoral, quando o crescimento da candidatura Lula (PT) ameaçava a liderança de Fernando Collor de Mello (PTN), os assessores de Collor, temendo a atuação dos padres das comunidades eclesiais de base, que eram francamente pró-Lula, lançaram no horário eleitoral o depoimento de uma ex-namorada de Lula, no qual Mirian Cordeiro acusava o ex-companheiro de ter lhe sugerido fazer um aborto. Ela recusou e teve a filha Lurian. O fato era do pleno conhecimento da mulher de Lula, Marisa Letícia, mas foi usado porque como a questão do aborto era delicada - tanto para católicos como para outras profissões de fé - e a eleição seria numa segunda-feira, tolheria a possível catequese dos padres das CEBs durante o fim de semana na véspera da votação. Foi isso que pesou na reta final. E não a menção feita por Collor de que “não tinha um aparelho 3 em 1 em casa” - Lula também não tinha, mas dera de presente a uma amante durante a Constituinte, conforme indiscrição feita pelo então deputado Bernardo Cabral, que era uma companhia eventual de noitadas de Lula em Brasília (a fofoca ajudou a abalar a relação de Lula com a mulher Maria Letícia na reta final da eleição). Versões não confirmadas dizem que fotos da pasta que Collor ameaçava abrir no 2º debate (no qual Lula se saiu pior que no 1º encontro e que os petistas valorizam a derrota pela edição do Jornal Nacional da TV Globo) seriam usadas caso Lula estivesse ganhando o debate contra Collor.

O fato é que, 33 anos depois, o homem dá a volta à órbita da Terra pela SpaceX e retorna ao chão em poucas horas, mas a questão do aborto segue como tabu no Brasil. Por isso sempre serve como uma válvula de escape (desculpem o trocadilho eventual) quando o presidente Jair Bolsonaro está acuado por denúncias de grossa corrupção no Ministério da Educação, e pela disparada da inflação. No começo de seu governo, já pensando na reeleição, Jair Bolsonaro abusava de se envolver em debates tolos e diversionistas. Não perdia a oportunidade de atravessar a rua para pisar numa casca de banana esquecida na calçada do outro lado. Já que o Carnaval (adiado de março) está próximo, vale lembrar o famoso “twitter” do “golden shower”. Como o filho 02, Carlos Bolsonaro, tem acesso direto aos perfis do pai, até hoje há dúvidas sobre o autor real da postagem (e de muitas outras). Só que, desta vez quem ajudou a Bolsonaro sair do corner foi o próprio Lula que pisou em várias cascas de banana em debate com sindicalistas da CUT e sociólogas semana passada.

 

A explosão da covid na China

Há pouco mais de um mês, a China, país onde surgiu o novo coronavírus no final de 2019, daí ter sido batizado de Covid-19, enfrenta o maior surto de Covid desde 2020. Com a maior população do mundo, o maior exportador na cadeia mundial de manufaturados e maior importador de alimentos e matérias primas (petróleo, gás, minérios e semimanufaturados), o que ocorrer na terra de Xi Jinping terá reflexos em toda economia mundial, incluindo o Brasil, que já sofre com os percalços da guerra da Rússia na Ucrânia. Oficialmente, o país de 1.400 milhões de habitantes tem controlado o alastramento do vírus e suas variantes. Seja por rígidas medidas de isolamento mantidas pelo regime chinês ou pelo forte avanço da vacinação (segundo os dados oficiais, reconhecidos pela OMS, foram aplicadas 3.386 milhões de doses, o que garantiu a imunização de 93,4% da população com duas doses - 96% receberam ao menos uma dose). Por isso, houve apenas 5 mil mortes oficiais por Covid-19. Dá para acreditar? Eu não assino embaixo.

Hong Kong, região administrativa especial no Sul do país, reincorporada à China em 1997, que manteve um mínimo de autonomia, tem apenas 7,5 milhões de habitantes acostumados a circular pelo mundo e a receber visitantes. Assim, se expôs muito mais às variantes e registra quase o dobro de mortes (9 mil). As novas variantes da ômicron vieram provavelmente de fora e, apesar dos rígidos controles nos deslocamentos internos, parece ter-se espalhado pelo país. Desde então, mais de 20 das 31 províncias chinesas registraram infecções locais, mas Xangai e Jilin são os epicentros. Como a ômicron é mais contagiosa, as autoridades reforçaram a estratégia de tolerância zero contra o coronavírus, impondo bloqueios em todo o país, incluindo a cidade de Xangai, no centro do território, com quase 27 milhões de habitantes. Jilin, que faz fronteira com a Coreia do Norte, própria à Coreia do Sul, é outra importante província com 27 milhões de habitantes. Dá para imaginar parar totalmente a circulação na Grande São Paulo por uma semana a dez dias? É o que as autoridades chinesas estão fazendo em Xangai.

Parece exagero? O “Institute for Health Metrics an Evaluation”, de Seattle, Estado de Washington, que faz clivagem das mortes por Covid nas principais nações e as mais acuradas projeções (foi o IHME que apontou as subnotificações de mortes no Peru, em 2020, que fez o governo reconhecer o erro e mais que dobrar o número de vítimas, que hoje estão em 212 mil (muito para uma população de 33 milhões de habitantes), fez cálculos estarrecedores para a evolução do surto de Covid-19 na China. Para o IHME as mortes efetivas por Covid-19 na China chegam a 10 mil pessoas. É mais que o dobro do reportado pelas autoridades. Mas até 1º de agosto, em pleno verão, as mortes causadas pelo surto atual são estimadas entre 120 mil e 170 mil pessoas. Se as autoridades não tiverem êxito nas duras medidas de “lockdown”, as mortes podem passar de meio milhão. Para um país de 1,4 bilhão de habitantes, parece pouco. Mas, o país de origem do vírus poderia causar mais estragos na já prejudicada cadeia mundial de suprimentos, agravando as pressões internacionais sobre a inflação. A liderança nas mortes continuaria com os Estados Unidos, hoje com 983 mil mortes (e só 62,3% da população totalmente vacinada). A Rússia de Putin, que oficialmente teria 372 mil mortes (766 mil, nos cálculos do IHME) poderia chegar em agosto com 771 mil mortos. Superaria os 675 mil óbitos estimados para o Brasil, hoje com 662 mil mortes, e os 520 mil previstos para a Índia.

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