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COISAS DA POLÍTICA

O apagão do Brasil

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Publicado em 29/08/2021 às 07:59

Alterado em 29/08/2021 às 07:59

[Bolsonaro] O discurso derradeiro Foto: Sergio Lima/AFP

E o troféu “Maria Antonieta” do ano vai para ele, o “Posto Ipiranga”, o ministro da Economia Paulo Guedes. Em palestra na 4ª feira (25), no lançamento da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, em Brasília, Guedes tentou minimizar o aumento de mais de 50% nas contas de luz atrelando a alta autorizada pelo governo com as eleições presidenciais, que só acontecem em outubro de 2022. “Se no ano passado, que era o caos, nós nos organizamos e atravessamos, por que nós vamos ter medo agora? Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos? Ou o problema agora é que está tendo uma exacerbação porque anteciparam as eleições… Tudo bem, vamos tapar o ouvido, vamos atravessar”, disse, criticando a mídia. Na primavera de 1775, as finanças francesas, em crise pelos gastos da “Guerra dos Sete Anos” com a Inglaterra (terminou em 1763), foram alvo do plano econômico do ministro das Finanças Jacques Turgot. O efeito prático da desorganização da produção no campo provocada pela guerra e, depois, pela política de ajuste das finanças, foi que faltou trigo para fazer farinha. Em reação, ocorreram motins por toda a França, que ficaram conhecidos como a “Guerra da Farinha". Quando o problema chegou aos ouvidos da esposa do Rei Luís XVI ela teria dito a famosa frase (“Se não tem pão, comam brioches”).

No Brasil, o presidente que não governa; não reúne o governo para discutir a maior das crises (a da pandemia, com todos os seus efeitos colaterais); não se inteira da situação crítica do abastecimento de energia, da inflação, que, puxada pelo câmbio, devora a capacidade dos brasileiros para comprar alimentos e incendeia os preços dos combustíveis, incluindo o GLP, do botijão de gás; prefere desviar os assuntos. Tenta culpar o Supremo Tribunal Federal, ora o Tribunal Superior Eleitoral, ora o Congresso (agora sob o controle do “Centrão” na Câmara), ou governadores pela escalada de preços que segue nas refinarias da Petrobras após pôr um general no comando da estatal. Ele já sabia disto. Mas prefere jogar para a plateia – de caminhoneiros e incautos.

Bolsonaro foge às responsabilidades inerentes ao Chefe da Nação em desfiles eleitoreiros país afora. De moto e irresponsavelmente sem máscara. E não é de hoje. Antes da covid-19 atropelar suas chances de reeleição, já tinha antecipado o debate eleitoral em 2019. Agora, diante do monumental fracasso, que será o racionamento batendo à porta, posa de vítima das circunstâncias e apela ao cidadão para desligar “um ponto de luz” porque “o país está no limite do limite”. Quem está no limite do limite é a população brasileira. Basta de bravatas. A situação ficou tão grave, porque o governo não se antecipou aos fatos. Os sintomas surgiram no 2º semestre de 2020 e nada se fez para evitar o desastre. E o melhor exemplo que o presidente poderia dar ao cidadão é seguir as leis, a começar pela lei maior, a Constituição que procura afrontar “costeando o alambrado do golpe militar” e cancelar a estapafúrdia manifestação do 7 de setembro. Não há o que celebrar no 199º aniversário da Independência do Brasil. Estamos todos de luto pela perda de quase 580 parentes e amigos, estressados pela inflação, o desemprego e a conta de luz.

Estudiosos garantem que a frase nunca foi dita completamente por Maria Antônia Josefa Joana de Habsburgo-Lorena, Rainha Consorte da França e Navarra (hoje pertencente à Espanha, na fronteira norte com a França), filha da Rainha Maria Teresa, da Áustria, e de Francisco I, do Sacro Colégio Romano-Germânico. Da família, ganhou o apelido de Antoine, sendo chamada na França, de Marie Antoinette, após o casamento com Luís Augusto, príncipe herdeiro e futuro Rei da França. Também não foi essa frase a causa da revolta que levou à queda da Bastilha. Quatro anos se passaram até o 14 de julho de 1789. Mas as finanças francesas só fizeram piorar, com os gastos agravados com a derrota na guerra da Independência dos Estados Unidos (como aliado das 13 Colônias contra a Inglaterra). A falta de comida foi o estopim para a revolta popular. Apesar da queda da Bastilha, onde eram presos os inimigos do reino, o Rei ainda se equilibrou no Poder. Em 14 de setembro de 1791, ratificou a primeira constituição francesa, feita pela Assembleia Nacional. E só foi preso, condenado e decapitado na guilhotina em 21 de janeiro de 1793, na atual Place de La Concorde, em Paris (a sede do reino era em Versailles). Já a “viúva Capeto”, como passou a ser tratada a impopular Marie Antoinette, perseguida, foi presa, julgada e executada na guilhotina em 16 de outubro de 1793.

Ninguém está aqui pregando o justiçamento de Paulo Guedes. Mas, como estudioso da história e da política econômica, ele deveria não misturar fatos com versões fantasiosas. Na mesma palestra, chegou a dizer que os R$ 600 do Auxílio Emergencial (que caiu para R$ 300 mensais a partir de setembro e agora está em R$ 250, após ser extinto de janeiro a março) serviu para “muita família comprar material de construção e ampliar as moradias” ou “até para a compra da casa própria”. Um delírio semelhante ao de sugerir fazer brioche em vez do velho e simples pão francês, se faltava o essencial: a farinha. No caso brasileiro, faltavam, e ainda faltam, o emprego e a segurança alimentar. Diante do apagão quase certo (ou choque elétrico na conta de luz), o presidente e seu ministro circulam como Maria Antonieta na Corte francesa, onde suas frivolidades criaram muitos inimigos. A diferença é que Bolsonaro faz isso nas portas dos palácios ou nas ruas, como se não houvesse amanhã ou a variante Delta ameaçando a todos.

Paulo Guedes parece inebriado pelo delírio do fracasso como o seu mentor, o presidente Jair Messias Bolsonaro. Enquanto a economia vai murchando (no mesmo dia em que disse que a “economia estava bombando”!?, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério da Economia, reduzia de 2,6% para 1,7% a previsão do crescimento da agropecuária este ano), Paulo Guedes chegou a elogiar a inflação como fonte de arrecadação! (logo ele, eterno defensor da ortodoxia em Economia). Na largada do 1º trimestre, graças à safra de soja, colhida de fevereiro a maio, o setor agrícola cresceu 5,7% com ajuste sazonal e gerou um aumento de 1,2% no Produto Interno Bruto do 1º trimestre e um princípio de euforia de crescimento nas hostes oficiais. Até meados de julho, as previsões para o PIB deste ano avançaram para 5,8% (após a queda de 4,1% em 2020). Mas os impactos das geadas de fins de julho e da seca, que já vinha desde maio, afetaram a produção de milho, café, algodão e a pecuária e estão fazendo os números de 2021 e 2022 encolher, respectivamente, para a faixa de 5% e abaixo de 2%.

Com essa revisão do PIB da agropecuária, que pesa 6% no PIB (o agro está longe de ser “tudo”) o PIB do ano vai murchar alguns décimos. Além do menor crescimento em 2022, haverá pressão na inflação. As estimativas de bancos e consultorias de economia são de que o IPCA de agosto (que mede os gastos das famílias com renda até 40 salários mínimos - R$ 44 mil) vai ficar entre 0,64% (Itaú) e 0,70% (LCA Consultores). Como a inflação em 12 meses estava em 8,99% em julho e foi de 0,24% em agosto de 2020, isso significa que a taxa acumulada em 12 meses vai saltar para 9,42% a 9,49%. Os números do PIB (bem mais fraco do 2º trimestre) serão divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na manhã de 1º de setembro. Já os dados finais da inflação de agosto - que atingirá mais de 10% no INPC, que mede despesas das famílias om renda até 5 SM - R$ 5,5 mil, e em várias cidades do país) - só serão divulgados pelo IBGE no dia 9 de setembro.

Ou seja, dois dias depois da programada arruaça do presidente da República e seus apoiadores no 7 de setembro em várias cidades do país. De preferência sem uso de máscaras, que o presidente quer que o ministro da Saúde declare não obrigatória (o Procurador Geral da República, Augusto Aras, que teve aprovada sua recondução para o cargo por mais dois anos, disse no Senado que “apesar de ser ilícito o não uso de máscara, trata-se de uma punição administrativa”, ou seja, inócua). Triste país em que, além do apagão iminente por sucessão de erros na gestão da economia e dos recursos da infraestrutura (a energia é um dos principais itens, mas o governo dispensou o horário de verão desde 2019), vemos o governo fingir que não tem culpa. Se a chuva vem faltando, a situação piorou com o desmatamento da Amazônia, que, em vez de coibir, Bolsonaro incentivou. As consequências afetam as safras agrícolas.

Bolsonaro ostenta um dos maiores fracassos mundiais na gestão da pandemia da Covid-19 (com 580 mil mortos para 213 milhões de habitantes, estamos proporcionalmente piores que os 638 mil óbitos dos Estados Unidos, para 329 milhões, ou os 258 mil mortos do México, com população de 128 milhões, e apenas à frente do pobre vizinho Peru, de 33 milhões de habitantes e 199 mil mortes pela Covid-19, que ainda tem a vacinação lenta). Maior autoridade do país, o presidente segue dando o péssimo exemplo do desprezo ao uso de máscaras e à vacinação, brandindo contra ministros do STF e do TSE.

Na economia, além de mais de 15 milhões de desempregados e cerca de 29 milhões com a capacidade de trabalho subutilizada, vivemos a vergonhosa inflação dos alimentos (que já subiram 5% até julho e 13,5% em 12 meses no “país celeiro do mundo”), porque o Ministério da Economia e o Banco Central não contiveram o dólar no ano passado e tudo foi exportado. A prova do fiasco foi a necessidade (há exatos 12 meses) de importar arroz, milho e soja em grão, para fazer óleo, que já tinha subido 100%. Agora, estamos condenados a crescer pouco diante do atraso do governo em acionar os juros para conter o dólar. E o dólar alto não impactou só os preços agrícolas. Fuzil não produz feijão. O dólar é o combustível da escalada de preços da gasolina, seguida pelo etanol e diesel. Para se ajustar à alta internacional do petróleo e do dólar a Petrobras reajustou este ano a gasolina em 52,4% nas refinarias, e em 39,2% o diesel. Mas o discurso do presidente, para iludir apoiadores às portas dos palácios e caminhoneiros, é fazer crer que a culpa dos aumentos é do ICMS cobrado pelos estados sobre o preço que a distribuidora paga na refinaria à Petrobras. O câmbio alto estimulou indústrias que usam muita energia a produzir metais, celulose e petroquímicos para exportar e faturar em dólar. Isto secou os reservatórios desde o final de 2020. A gestão relapsa do governo não percebeu que era preciso acionar termoelétricas a gás e poupar água. Poderia ter incentivado “fazendas de energia solar”, prontas a operam em seis meses. Mas seria exigir muito de um governo que não governa.

Em viés mais contorcionista, o ministro da Economia, ao comemorar a arrecadação de julho, que cresceu 35,47% sobre o mesmo período de 2020, diz que foi porque a “economia está bombando”. Ele sempre disse que a economia estava bombando quando veio a covid-19, mas as projeções o desmentem. Com muita concessão, ao ser indagado sobre o papel da inflação no aumento da inflação, quase rasgou seu passado ortodoxo e comemorou a “ajuda da inflação”. Se levarmos em conta que o diesel é o produto mais consumido no país (mais que a gasolina) e tudo se move pela energia elétrica, que já subiu 50% este ano e promete mais surpresas, além da alta de 23% no bujão de gás, está claro que o governo é um dos sócios responsáveis pela inflação. E o aumento da arrecadação vem da base deprimida do ano passado, quando bancos e grandes empresas que agora jorram lucros (como a Petrobras e a Vale) amargavam prejuízos com baixas contábeis da covid-19. Querer atribuir isso à dinâmica da economia é puro ilusionismo. Mas faz parte do jogo. Se falta o pão (a comida e o emprego), o circo tem de continuar entretendo os incautos.

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