CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Katalin Karikó: a cientista que salvou milhões da covid-19

As descobertas da cientista ajudaram a produzir vacinas rapidamente contra a covid-19. Seu trabalho será usado também para criar vacinas para outras doenças, como o câncer de pâncreas

Por Fabio de Amorim
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Publicado em 05/06/2023 às 20:50

Alterado em 06/06/2023 às 20:07

A cientista Katalin Karikó desenvolveu trabalho com RNA mensageiro, que facilitou a produção de vacinas para a covid-19 e outras doenças Foto: Katalin Karikó/arquivo pessoal

Katalin Karikó é bióloga molecular e, desde 2020, é uma celebridade no meio científico. Nesta terça-feira, 30, o El País publicou uma entrevista com ela. A cientista de 68 anos contou que suas ideias sempre foram ignoradas, mas nunca desistiu, por isso está feliz com o reconhecimento recente que recebe. O público brasileiro não conhece os feitos de Karikó e não sabe que sua pesquisa salvou milhões de vidas na luta contra a covid-19, ou que sua pesquisa já está servindo para criar vacinas para outras doenças, como o câncer.

Katalin Karikó emigrou da Hungria para os EUA no final dos anos 70 com marido, dois filhos e 1200 dólares. Mais de quatro décadas depois, recebeu mais de 100 prêmios a partir de 2020 e é uma das mais influentes cientistas do mundo. Duas das melhores universidades – as americanas Princeton e Harvard – a homenagearam como doutora honoris causa. Tudo isso por causa de suas descobertas sobre RNA mensageiro.

A técnica revolucionária de Karikó
Katalin Karikó passou décadas sem conseguir dinheiro para suas pesquisas. A comunidade científica não levava a sério seu trabalho sobre tratamentos baseados na molécula do RNA (que é uma molécula formada a partir do nosso DNA).

O RNA tem três classes e aquela que nos interessa é chamada de mensageiro. O coronavírus tem uma proteína chamada spike. A proteína foi escolhida porque é ela que permite que o novo coronavírus entre nas nossas células.

O RNA mensageiro desta proteína, então, aparece para a célula e pede para que produza anticorpos. Em seguida, este pedaço de RNA é colocado numa proteção de gordura e é, finalmente, injetado no corpo humano como vacina. O resto depende do organismo humano.

O mais importante: esta técnica é a mais moderna e a que permite produzir vacinas rapidamente. A rapidez de produção até provocou polêmicas e desconfianças em relação à eficácia das vacinas. Surgiram movimentos contra a vacinação.

Em agosto de 2020 o Datafolha chegou a revelar – antes de existir vacina contra covid-19 – que 9% dos brasileiros não iriam se vacinar. Nos EUA e Reino Unido esses números eram maiores: 16% dos britânicos e um terço dos americanos não queriam se imunizar.

Os ataques contra uma vacina que ainda não havia sido criada aconteceram rapidamente. No Brasil, surgiram campanhas que vinham de todos os setores da sociedade, inclusive do próprio governo federal do ex-presidente Jair Bolsonaro. A técnica revolucionária de Katalin Karikó ajudou a acelerar o processo de produção de vacinas. Ao surgir a pandemia, os financiamentos ficaram concentrados neste tipo de pesquisa. Foi assim que a cientista húngara virou celebridade.

Karikó: uso das células do próprio doente para criar a cura
Antes do sucesso acontecer, os cientistas achavam loucura, diziam que seu método não funcionaria. Karikó e sua equipe provaram que funcionava. Isso ocorreu nos anos 90, mas, mesmo assim, não conseguiram financiamento para desenvolver as vacinas em escala industrial.

Logo depois, a Universidade da Pensilvania (EUA), onde ela trabalhava, queria dinheiro rápido e vendeu as patentes de suas descobertas. Mas, a partir de 2010, o dinheiro começou a entrar pelas empresas Moderna e Astrazeneca.

Em 2013, a BioNTech contratou Karikó, que hoje é vice-presidente. As empresas que compraram as ideias da cientista passaram a trabalhar em vacinas contra a gripe, mas veio a pandemia e mudou o curso das pesquisas. As milhões de vidas salvas mostraram que valia investir em seu trabalho. Por isso, as pesquisas com RNA mensageiro vão continuar.

Segundo Karikó, as vacinas de RNA mensageiro têm aplicações que vão além de combater vírus e também podem ter aplicações contra bactérias. Karikó revelou que a gripe será o próximo alvo. Depois, buscarão vacinas contra o vírus sincicial respiratório (VSR), o VIH e o Epstein-Barr (que poderia ser a causa da esclerose múltipla).

Também há pesquisas de vacinas contra herpes zóster. É bom lembrar que as vacinas baseadas no RNA mensageiro costumam ser baratas. Ou seja, uma vacina baseada no método de Karikó pode derrubar o preço de uma vacina que já exista.

A empresa da cientista, a BioNTech, já mostra resultados positivos da vacina de RNA contra o câncer de pâncreas. Mas a própria Karikó diz que é irresponsável anunciar previsões de quando uma vacina seria possível no mercado.

Por fim, afirma que não devemos criar falsas esperanças para quem tem a doença, pois não há como saber datas exatas para obtenção de resultados, já que o câncer, em si, é uma doença extremamente complexa.

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