CINEMA

Irã veta a liberdade de dupla concorrente ao Urso de Ouro e faz de ‘My Favourite Cake’ um filme proibido

Por RODRIGO FONSECA, de Berlim
[email protected]

Publicado em 17/02/2024 às 09:28

Alterado em 17/02/2024 às 09:28

Cena de 'My Favourite Cake' Foto: divulgação

Nas três vezes em que o Irã ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim, os vencedores desafiaram tabus morais de seu país, começando por “A Separação”, de Asghar Farhadi, em 2011, abrindo estrada para que essa produção conquistasse o Oscar. Os dois outros, “Táxi Teerã”, de Jafar Panahi (2015), e “Não Há Mal Algum”, de Mohammad Rasoulof (2020), foram dirigidos por cineastas condenados pelo regime político iraniano. Essa mesa situação abate o longa-metragem que se tornou o xodó da briga pelo Urso em 2024: a love story outonal “My Favourite Cake”. A dupla de cineastas responsável por essa dramédia romântica protagonizada por um casal de idosos foi proibida por seus governantes de viajar e conferir in loco sua estreia mundial e receber loas da crítica e do público. Na manhã desta sexta-feira, uma foto de Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha (de “O Perdão”) foi exposta na bancada da sala de entrevistas da Berlinale Palast para indicar a ausência daqueles artistas. Eles são acusados de desafiar os códigos morais iranianos em relação ao uso de hijab, uma espécie de touca (com aspecto de véu), que cobre a cabeça feminina de forma bem justa. Uma sequência tensa do filme mostra um ataque da chamada “guarda da moral” da polícia do Irã contra adolescentes que ousavam mostrar suas madeixas. Uma menina que tingiu a franja é detida com bestialidade por um policial militar nesse trecho do longa.
“Decidimos ultrapassar as restrições legais e pintar um retrato real das mulheres iranianas”, disseram os realizadores numa carta lida diante da imprensa pela atriz e jornalista Lily Farhadpour, que protagoniza “My Favourite Cake” ao lado de Esmaeel Mehrabi.

A interdição da presença de Maryam e Behtash foi recebida pela direção do Festival de Berlim como um atentado à liberdade de expressão e um retrocesso em relação ao tratamento das mulheres. Contudo seu elenco dispara com favoritismo ao prêmio de Melhor Interpretação.

Numa atuação impecável, Lily vive Mahin, que perdeu o marido há cerca de três décadas, criou (bem) a filha e hoje vive sozinha, aos 70 anos. Seu contemporâneo, o chofer de táxi Faramarz (papel de Esmaeel) também lida com a solidão em seu dia a dia. Porém, durante uma noite, num encontro casual, eles vão provar do gostinho do benquerer.

A Berlinale segue até o dia 25. Na véspera, dia 24, o júri presidido pela atriz Lupita Nyong’o anuncia os ganhadores... e decide o futuro de “My Favourite Cake”.