Festival de Cannes começa nessa terça

‘Firebrand’, de Karim Aïnouz, concorre à Palma de Ouro

Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO

Karim Aïnouz – diretor de "Firebrand", que concorre à Palma de Ouro em Cannes

Como já divulgado, Aïnouz está de volta ao evento francês, desta vez concorrendo ao principal prêmio do festival com seu novo filme “Firebrand”.

Em 2019, ele foi o vencedor da mostra Un Certain Regard com “A vida invisível”; em 2011, disputou o Queer Palm, com “O abismo prateado”; e em 2002, concorreu com “Madame Satã” também na mostra Un Certain Regard.

Estrelado por Jude Law e Alicia Vikander, “Firebrand” conta a história do casamento entre o rei inglês Henry VIII e sua sexta e última noiva Catherine Parr.

“Firebrand” concorrerá com 19 títulos dirigidos por nomes consagrados: entre outros Nanni Moretti (“Abrighter tomorrow”), Aki Kaurismaki (“Fallen leaves”), Hirokazu Kore-eda (“Monster”), e o veterano Marco Bellocchio, de 83 anos, com “Rapito”

O festival, que acontece entre 16 e 27 de maio, terá como presidente do júri, o sueco Ruben Ostlund, que ganhou a Palma de Ouro, ano passado, com “Triângulo da tristeza”, e em 2017, com “The Square”.

Além de “Firebrand”, o Brasil estará presente em outras competições do festival: o longa-metragem “A flor do buriti”, dirigido pelo português João Salaviza e pela brasileira Renée Nader Messora participa da mostra Un Certain Regard. O diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho fará uma exibição especial, fora de competição, do seu novo filme “Retratos fantasmas”.

A representação brasileira inclui ainda “Levante”, de Lillah Hallach, com sessão agendada na Semana da Crítica, e “Nelson Pereira dos Santos – Uma vida de cinema”, de Aída Marques e Ivelise Ferreira, que será exibido em Cannes Classics.

Aïnouz – cearense radicado em Berlim – conversou com o JORNAL DO BRASIL sobre o significado de voltar a Cannes, desta vez disputando um dos prêmios mais cobiçados do mundo, e sobre sua expectativa com essa participação.

 

Jornal do Brasil - Como está vendo essa volta a Cannes depois de tanto sucesso no evento, como aconteceu com “A vida invisível”, “Abismo prateado”, “Madame Satã”?

Karim Aïnouz - Pra mim é tão importante esse momento, e não é nem sobre a Palma. Eles viram 2.000 filmes e selecionaram 21. Isso pra mim é um negócio tão incrível, tão impressionante. O reconhecimento de um trabalho no festival mais importante do mundo. Pensar que de 2.000 a gente está em 1%. Isso é tão bom, dá até vontade de continuar fazendo filme.

Assim, se tiver Palma, se não tiver Palma – haverá sempre muitas Palmas. Dessa forma, não estou pensando muito nisso. Estou celebrando a alegria de poder estar participando de uma seleção tão potente, com realizadores e realizadoras tão incríveis – dos quais sou um grande fã. E teve também uma coisa tão curiosa nessa seleção. Fui assistente do Todd Raynes muitos anos. De repente, quando nós fomos anunciados na seleção, ele foi a primeira pessoa a me parabenizar. Então, isso pra mim é mais emocionante que qualquer prêmio. É um reconhecimento. Tem 30 anos que estou fazendo cinema, 20 anos que estou fazendo longas-metragens. Enfim, estou muito feliz.


Poderia falar um pouco mais de “Firebrand” – a motivação para realizá-lo, o cerne do filme?

“Firebrand” vem de um desejo de fazer uma aventura nova. Ele é meu 10º longa. Eu já fiz filme experimental, de ficção, documentário... Já fiz filme no Brasil, na Alemanha. E sempre tinha esse desejo desde muitos anos, tinha essa fantasia de fazer um filme de época inglês. Isso desde que li Emily Bronte, desde que vi um filme da Andrea Arnaud, fiquei com esse desejo de adaptar uma história clássica, de época.... Isso sempre me tentou muito.

O Firebrand vem primeiro desse desejo. Mas, mais do que tudo, vem da vontade de retratar um personagem que é muito parecido com outros personagens que eu já fiz. Tem um pouco de Eurídice em “A vida invisível”, tem um pouco de Madame Satã, tem um pouco de Hermila no “Céu de Suely”...

Mas no “Firebrand” é uma mulher que não só sobreviveu, mas que mudou a história de um país de maneira muito significativa, mas que nunca foi vista, nunca foi celebrada. Foi muito pouco celebrada no cinema.

Daí, quando a produtora me procurou e me apresentou a biografia dela, eu fiquei encantado. Lembrou até um pouco minha mãe. Ela era uma pessoa muito obstinada, muito trabalhadora, que sempre acreditou muito na educação, na formação. Ela era professora, pesquisadora e me estimulou a ser um homem como eu sou. Um homem que estudou muito, que tem curiosidade sobre o mundo.

E foi assim que a Catherine Parr (esposa do rei Henrique VIII e rainha consorte do Reino da Inglaterra) bateu pra mim antes de qualquer coisa. É um personagem que me pareceu muito familiar, mas em outro ecossistema que é o século XVI, que é uma rainha.

Outra coisa que me estimulou foi pensar que eu podia fazer um filme que é uma espécie de fábula, porque a história pode ser inventada. Apesar de ser um filme para o qual eu fiz muita pesquisa, ele é uma espécie de fábula de terror, é quase assim. É a história de uma mulher que sobrevive a um homem, a um tirano (parece que é um tema do passado, mas estamos vendo muito isso no presente).

É isso, foi muito estimulante fazer esse filme.


Como está sua expectativa para a receptividade do público em Cannes?

Tem sempre aquela expectativa. As minhas experiência em Cannes têm sido sempre muito calorosas, com muitos minutos de aplausos. Eu nunca espero isso, mas tem acontecido.

Na sessão de estreia de “Madame Satã” eu fiquei muito surpreso. Antes eu estava pensando “Será que vão gostar desse filme”? Mas ali estão pessoas que têm uma paixão pelo cinema. Embora a maior parte seja de profissionais, são pessoas que têm uma paixão gigante pelo cinema. Elas apreciam o cinema de uma forma muito apaixonada.

Assim, eu espero que a receptividade seja quente, caliente, animada. Que as pessoas gostem do filme e se apaixonem pelo filme. Isso é um pouco da razão de ser do que a gente faz. Assim, espero que a gente consiga não só mudar mas tocar os corações.