‘Propriedade’, de Daniel Bandeira, foi selecionado para o Festival de Berlim
‘A felicidade é enorme, quase tão grande quanto a responsabilidade’, diz o cineasta
“Propriedade”, que concorre ao prêmio de audiência, será exibido na prestigiada Panorama, a mais importante paralela do festival, que acontece de 16 a 26 de fevereiro.
O ótimo elenco inclui Malu Galli, Zuleika Ferreira, Tavinho Teixeira, Samuel Santos, entre outros.
O filme é um thriller sobre as extremas disparidades entre classes sociais no Brasil. Para se proteger de uma revolta dos trabalhadores da fazenda de sua família, uma mulher se tranca em seu próprio carro blindado.
Bandeira começou no audiovisual junto com seu grupo Símio Filmes, em 2001. Desde então, é diretor, roteirista e montador de filmes de diversos diretores do Recife. “Propriedade” é seu segundo longa e foi o título de encerramento, em janeiro último, da Mostra de Tiradentes.
Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, o diretor falou sobre o significado dessa seleção, sua expectativa quanto aos resultados, e sobre novos projetos.
JORNAL DO BRASIL: O que representa a seleção para a Panorama, uma das mostras mais importantes de um evento com o porte da Berlinale?
DANIEL BANDEIRA: A felicidade é enorme - quase tão grande quanto a responsabilidade. Esta seleção representa o reconhecimento do nosso trabalho a nível mundial, mas também gera oportunidades para o filme e para os próximos projetos. Mas o que torna essa seleção realmente especial é integrar uma delegação brasileira potente, num momento em que o país se afasta de vez de sua posição de "pária voluntário" e busca retomar seu lugar e sua voz no mundo. Sobreviver aos últimos anos e fazer parte desse momento político e histórico é mais que um privilégio.
Quais resultados espera para o filme, sua carreira, enfim, para o cinema brasileiro?
Nas minhas melhores expectativas, sempre desejo que "Propriedade" tenha um efeito ressonante, coletivo. Espero que suas discussões sobre trabalho, posse e dívidas históricas ecoem no Brasil e no mundo; que ele reforce o impacto da safra de '22 do cinema pernambucano, resistente à pandemia e ao desmonte do cinema pela gestão Bolsonaro; que ele promova o cinema de gênero brasileiro, um segmento de apelo popular que pode contribuir mais para o retorno do público aos cinemas. Creio que fazer parte de um ambiente de produção pujante e diverso é o melhor meio de viabilizar meus próximos projetos pessoais.
Há muitas razões que motivam a realização de um filme, mas qual a principal para ter feito “Propriedade”?
Curiosidade mórbida. Acho que é seguro dizer que vivemos sob uma forte tensão causada pela desigualdade social. Mas até que ponto nosso "pacto de civilidade" pode ser tensionado? Qual o nosso limite de tolerância a ela? O que é preciso para que uma revolta enfim aconteça? Em que ponto nossos medos cotidianos nos levam à barbárie? Nos converte naquilo que tememos? Assim, "Propriedade" evoluiu de um mero exercício formal para uma espécie de laboratório no qual eu procurava dar forma a essas minhas inquietações.
A plateia da Panorama também é muito especial, com público interessado em arte, inovação, criatividade, enfim, tudo que seu filme tem. Como está sua expectativa para a receptividade dessa plateia?
Quem faz um filme propõe um jogo, um mecanismo. E é estimulante ver esse mecanismo em ação, sendo experimentado, reconfigurado e recomposto por quem o assiste. Espero que todo o público do "Propriedade" se aproprie desse jogo - mas de um público multicultural como o da Berlinale, espero também a disposição em reconhecer, em nossa narrativa tão marcada pela colonialidade, as tensões que a desigualdade social e o racismo provocam em suas próprias realidades.
Já tem algum novo projeto em mente?
Tenho uma gaveta cheia deles! No momento, me divido entre uma ficção científica de alta velocidade nas estradas do sertão do futuro e uma história de caçada na Belle Époque brasileira. Navego entre projetos sempre muito distintos, mas costumo me orientar pelo apreço ao cinema de gênero e às tensões sociais que fazem da nossa história um barril de pólvora sempre prestes a explodir. Vários realizadores já partilham desse interesse, assim espero que a presença do "Propriedade" na Berlinale contribua para que esse movimento chegue aos cinemas.