CINEMA

O premiado Êxtase, de Moara Passoni, estreia no Brasil

Filme que trata a anorexia de forma sensível e poética é exibido a partir de 1º de dezembro em todo o país. Diretora que vem despontando na atualidade, Moara é roteirista do documentário Democracia em Vertigem e está preparando uma minissérie de ficção baseada na história real da Democracia Corintiana

Por CADERNO B
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Publicado em 27/11/2022 às 17:38

Alterado em 27/11/2022 às 19:39

Êxtase conta a história de Clara, dos 7 aos 17 anos, período em que inicia, mergulha e rompe com a anorexia divulgação

Após passar por mais de 30 festivais internacionais, entre eles o MoMA Doc’s Fortnight nos Estados Unidos, o Visions du Réel na Suíça e a competitiva oficial do CPH:DOX Awards na Dinamarca – que chamou a diretora brasileira Moara Passoni de “um dos grandes nomes do cinema da atualidade” –, o filme "Êxtase" estreia nos cinemas a partir do dia 1º de dezembro (quinta-feira).

O longa, que conta com delicadeza e sensibilidade a história de uma menina que desenvolve anorexia durante 10 anos, entra em cartaz nos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Distrito Federal e outras capitais. Antes do lançamento, em novembro, serão realizadas sessões com debates sobre o tema anorexia e saúde mental em universidades (datas e locais a serem confirmados).

Em "Êxtase", Moara realiza um projeto onírico e autobiográfico, na intersecção entre documentário e ficção. Com trilha sonora que inclui música de David Lynch e Lykke Li, o filme proporciona uma experiência imersiva na intimidade da protagonista, e revela um universo desconhecido, mas também estranhamente familiar.

O filme foi exibido em festivais de mais de 20 países, entre eles Alemanha, Chile, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Itália, Noruega e Polônia, e obteve o reconhecimento de diversos prêmios, entre os quais o do Júri da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2020.

Corroteirista e produtora associada do documentário indicado ao Oscar Democracia em Vertigem, Moara Passoni desenvolve atualmente, com a Maria Farinha Filmes, uma série de ficção baseada na história da Democracia Corintiana; está escrevendo o roteiro de seu primeiro longa-metragem de ficção inspirado pela história do Movimento Contra o Custo de Vida no Brasil dos anos 70 e prepara-se para dirigir o filme de terror e thriller psicológico Howler, escrito por Christina Lazaridi e Sydney Smith e estrelado por Alice Braga.

 

Entre o documentário e a ficção

"Êxtase" conta a história de Clara, dos 7 aos 17 anos, período em que inicia, mergulha e rompe com a anorexia. Construído como uma autoficção, o longa tem como ponto de partida a história da própria diretora, que sofreu desse transtorno em sua adolescência. “O filme é um processo de investigação do corpo e da minha memória do meu corpo”, diz Moara. No entanto, esse reencontro consigo mesma a colocou em contato com outras mulheres que viveram a anorexia, levando-a a buscar compreender a dimensão coletiva de um sofrimento aparentemente tão individual. O trabalho em colaboração com essas mulheres, que cederam seus diários e relatos para a criação do roteiro, acabou extrapolando os limites da autobiografia.

Todas as cenas do filme foram vividas por Moara ou essas mulheres, revelando uma perspectiva sobre a anorexia que é rara, senão inédita, no cinema. O espectador é trazido para a intimidade mais protegida da personagem Clara, em uma imersão em sua realidade delirante, e vai conhecer suas estratégias para anular a fome e para isolar-se cada vez mais. O filme mostra como uma vida feita de restrição, controle e tortura pode aparentar o seu contrário e ser extremamente sedutora. Até que essa prisão se rompa, Clara levará seu corpo e sua vida até o limite.

Ao optar por investigar a intimidade dessa menina com anorexia, o filme se afasta dos estereótipos. “Na nossa sociedade da imagem, a tendência é criar um espetáculo grotesco em torno dos corpos das mulheres que padecem por anorexia. Nós evitamos isso”, afirma a diretora.

 

Anorexia como um sintoma do nosso tempo

A diretora acredita que, no filme, “a anorexia se traduz como um sintoma de nosso tempo: pensar que você não precisa de nada nem ninguém para sobreviver e em que o individualismo se apresenta como solução para problemas, inclusive, coletivos.”

Num momento pós-pandemia, é possível ver o isolamento da personagem com novos olhares. E também refletir sobre a questão contemporânea dos distúrbios alimentares, que aumentaram intensamente com a pandemia. “O sofrimento dela é também um sofrimento coletivo, e muito atual. A experiência de Clara é como uma lupa que nos permite atentar para aspectos de nossa cultura que atravessam todos nós. Por exemplo, a resistência ao padrão de consumismo e acumulação, por um lado, mas também a transformação do controle e individualismo que o sistema prega em sintoma. É como se você aderisse e reproduzisse os padrões opressores de nosso mundo contemporâneo em seu próprio corpo”, afirma Moara.

 

Festivais e projeção internacional

O filme ganhou projeção internacional, tendo sido nomeado para o CPH:DOX Awards, o Festival Internacional de Documentários de Copenhague, um dos principais do mundo em seu gênero, ganhou o Prêmio de Inovação Daniel Langlois no Festival du Cinema Nouveau de Montreal, no Canadá, – onde também foi nomeado para o Louve D’Or; ganhou Prêmio de Melhor Filme – Youngsters 16 + Award – no Lucas International Film Festival, da Alemanha, o Prêmio do Júri da ABRACCINE na 44a Mostra Internacional de São Paulo, Prêmio de Melhor Filme Dirigido por Mulher e Prêmio do Júri Jovem no Cinema Jove na Espanha, o Pudu Award da Competitiva de Cinema Jovem do FIC Valdivia no Chile e Prêmio de Melhor Filme em Língua Portuguesa de Toda a Programação do Porto/Post/Doc. Por conta do filme, enquanto morava em Nova Iorque, Moara foi escolhida como uma das 25 New Faces do Cinema Independente Americano pela Filmmaker Magazine. O filme também passou pelo MoMA Doc’s Fortnight nos EUA, no La Semana del Documental no Doc Montevideo no Uruguai, Visions du Réel na Suíça, no Tromso International Film Festival na Noruega, no Millenium Docs Against Gravity na Polônia entre outros.

 

Imprensa internacional

A imprensa internacional exaltou o filme. A edição britânica do Screen Daily afirmou que o longa é “sublime” e “inquietantemente inovador” e que há “uma forte voz filosófica feminista e uma visão estética única que merecem atenção”. A jornalista Jessica Kiang, da Variety/The Playlist, afirma: “Um ensaio dolorosamente pessoal e desconcertante sobre anorexia torna-se uma interrogação profunda das relações entre corpo e mente, a memória e o mundo, contado a partir da perspectiva necessariamente estreita—porém complexa e necessária—de um sofredor”. Segundo a revista italiana de cinema Indie Eye, o filme traz uma “linguagem nova e revolucionária” e uma “uma fusão vital entre documentário e ficção”. A revista americana Filmmaker Magazine o chamou de “magnífico” e “uma história de amadurecimento espantosamente surpreendente”, a revista italiana Cinematographe “poderoso" e “corajoso”.

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