CINEMA

‘Sinfonia de um homem comum’ selecionado para o IDFA

‘Estava mais que na hora de contar essa história reveladora’, diz o conceituado cineasta José Joffily sobre a indicação de seu filme para o principal festival de documentários do mundo, em Amsterdã

Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 08/11/2022 às 14:43

Alterado em 08/11/2022 às 14:43

José Joffily, diretor de 'Sinfonia de um homem comum' Foto: Zéca Guimarães

O Festival Internacional de Documentários de Amsterdã (IDFA), que acontece entre essa quarta (9) e 20 de novembro, e está em sua 35ª edição, selecionou “Sinfonia de um homem comum” para competir na mostra Frontlight.

O filme de Joffily é sobre o diplomata José Mauricio Bustani, primeiro diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), que tentou impedir a invasão ao Iraque pelos Estados Unidos.

O documentário traz inúmeros depoimentos. Entre outros, de Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Celso Amorim, Richard Boucher e John Holmes.

O IDFA é o terceiro festival do qual “Sinfonia de um homem comum” participa este ano. O filme integrou a programação da 27ª edição do “É Tudo Verdade” e do Hot Docs, no Canadá.

Joffily é diretor de filmes de sucesso como “A maldição do Sanpaku” (1991), “Quem matou Pixote”? (1996), “O chamado de Deus” (2001), e “Dois perdidos numa noite suja” (2002). Seus filmes já participaram de vários festivais internacionais como Havana, Berlim, Rotterdam, Guadalajara, entre outros.

Seus últimos dois projetos são os documentários “Caminho de volta” (2015), sobre dois imigrantes brasileiros querendo voltar para sua terra natal, e “Soldado estrangeiro” (2020), que faz o caminho inverso, abordando a história de brasileiros que desejam sair do País.

Joffily embarcou para a Holanda para sua participação no IDFA. A estreia nacional do filme foi adiada e está prevista para o início de 2023.

Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, o cineasta falou sobre o significado de “Sinfonia de um homem comum” ter sido selecionado para o festival holandês, a principal motivação que o levou a fazer o filme, o critério que norteou a seleção dos depoentes, e se tinha a expectativa do sucesso que o filme está tendo.

 


JORNAL DO BRASIL - O que significa para o filme e pra você a seleção de “Sinfonia de um homem comum” para o IDFA, o maior festival de documentários do mundo?

JOSÉ JOFFILY - Há 22 anos, “O chamado de Deus” foi convidado para o IDFA. Foi importantíssimo ter ido a Amsterdã e lá encontrar dezenas de realizadores. Acho que a experiência me enriqueceu muito e a admiração pelos documentários que assisti naquela ocasião se mantém até hoje. Mas participar agora com “Sinfonia de um homem comum”, já com alguma experiência no gênero, é ainda mais forte. Ser assistido por colegas de todo o planeta nesse encontro será estimulante. As conversas serão certamente melhores. Não conseguirei ver tantos filmes como vi há 22 anos, mas saberei saboreá-los melhor.

 


Qual foi a principal motivação que o levou a realizar o filme?

O Bustani é meu amigo de longa data. Assim que, em 2002, demitido da OPAQ por artimanhas dos Estados Unidos, voltou para o Brasil, veio à minha casa e me fez o relato. Mas, em seguida, o Iraque foi invadido e destruído. Ao longo dos anos o relato do amigo foi sendo consolidado e a violência e ameaças que Bustani e sua família tinham sofrido ganhavam mais significados. De início, considerei fazer um filme de ficção, mas, conversando com a Isabel Joffily, a produtora, entendemos que o orçamento estava fora do nosso alcance. A opção de um documentário seria mais viável, além do que poderia começar a filmar antes mesmo de ter os recursos suficientes. O fato é que estava mais que na hora de contar essa história reveladora dos bastidores das organizações multilaterais. Mas mesmo para um documentário a captação de recursos é um longo caminho, e a seleção de depoimentos e arquivos foram se avolumando, o que prolongou a execução do projeto.
Tem histórias que são assim, elas vão capturando você de alguma forma, até que, quando você vê, está numa estrada sem retorno. Tem pouco tempo que concluímos, e a história ainda está quente e muito presente no meu cotidiano. Penso em voltar ao tema com um filme de ficção.

 


O tema é altamente instigante e tem muitos entornos. Além disso, a escolha das pessoas que deram depoimentos é perfeita. Qual o critério que norteou a seleção desses depoentes?

Para nós então que, apesar dos pesares, ainda conhecemos os Estados Unidos com a imagem de bom xerife, a revelação desses bastidores foi chocante. Pode parecer ingenuidade, mas a revelação gradual de que a destruição do Iraque foi conduzida, entre outros incentivadores, por empresas americanas interessadas no espólio, foi acachapante.
A escolha dos entrevistados foi se dando na medida em que nós, eu e os roteiristas David Meyer, Pedro Rossi e Jordana Berg, responsável pela edição, fomos nos embrenhando por aquele cipoal de informações.
Claro que as dezenas de visitas que fizemos ao Bustani e ao seu arquivo também foram fundamentais para construir uma narrativa que fosse compreensível e chocasse tanto os espectadores quanto perturbou a nós.
Na construção do filme, a viagem que fizemos a Londres e Amsterdã trouxe também novidades. Uma das mais surpreendentes foi o encontro com Bob Rigg, antigo colaborador da OPAQ e do Bustani. Neozelandês, ex-funcionário da OPAQ e testemunha dos fatos quando Bustani foi demitido, deu um depoimento pessoal da maior importância. Meses depois morreria na cidade em que nasceu na Nova Zelândia. O filme é dedicado a ele.

 


Quando realizou “Sinfonia de um homem comum” você tinha a expectativa de todo esse sucesso, tantos convites para festivais nacionais e internacionais, enfim, essa ótima receptividade que o filme teve e vem tendo?

A verdade é que quando mergulhamos num projeto desses, o único foco é avançar. Toda a energia possível era colocada no embate diário com os materiais de arquivo que nos ajudariam a construir com clareza uma história tão espantosa. Como os arquivos eram caros e bem além de nosso orçamento, muitas vezes fiquei absorvido diretamente nas negociações com as fontes. Junto com o pesquisador Antonio Venâncio e Leticia Barbosa travamos longas batalhas para garantir cada arquivo. Todos eram imprescindíveis. O processo todo foi bem desgastante e parte dele se deu ao longo da pandemia. Não tinha a expectativa dos convites que tivemos, mas quando o Festival É tudo verdade nos acolheu com entusiasmo, fiquei mais otimista. Claro que tudo que queremos é audiência. Não é um filme para multidões, mas sem dúvidas é um filme para discussões. E documentário tem essa qualidade inerente, você mergulha com sua intuição e poucas informações e finaliza sabendo muito mais do que antes. Hoje, acho que seria capaz até de discutir o papel dos países hegemônicos nas organizações multilaterais.

 

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