CINEMA

Amor, preconceito e fé: ‘Paloma’, de Marcelo Gomes, compete no Festival do Rio

Filme está na mostra Première Brasil

Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 12/10/2022 às 21:15

Alterado em 12/10/2022 às 21:23

Marcelo Gomes, diretor de 'Paloma' Foto: Mujica

Roteirizado pelo diretor, por Armando Praça e por Gustavo Campos, “Paloma” é protagonizado pela atriz Kika Sena interpretando a personagem título, uma mulher transexual que trabalha como agricultora no sertão de Pernambuco.

Seu maior sonho é se casar na igreja católica com o namorado, Zé (Ridson Reis), com quem já está vivendo há algum tempo.

O padre, porém, recusa o pedido, mas nem por isso ela desistirá do sonho. Mas precisará enfrentar o preconceito e o conservadorismo para realizar seu desejo. Ela sofre violência, traição e injustiça, mas nada abala sua fé.

O roteiro partiu de uma notícia que o diretor leu num jornal sobre uma mulher trans que sonhava se casar numa igreja católica com véu e grinalda.

O filme foi exibido no Festival de Munique e em cidades como Londres (Inglaterra) e Huelva (Espanha).

Nascido em Recife, Gomes teve seus primeiros contatos com o cinema como um dos roteiristas de “Madame Satã”, de Karim Aïnouz. Em 2005, lançou seu primeiro longa-metragem, “Cinema, aspirina e urubus”, que teve enorme sucesso. Seu filme de ficção, “Joaquim”, disputou o Urso de Ouro na Berlinale 2017. Em 2019, dirigiu o documentário “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”, que ganhou os prêmios de melhor documentário e de montagem no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.

Em entrevista ao Jornal do Brasil, Gomes falou sobre o significado de apresentar “Paloma” no Festival do Rio, as razões de centrar seu trabalho sempre na dimensão humana dos personagens, e sua expectativa de que o filme contribua para eliminar situações de preconceito e discriminação.

 


JORNAL DO BRASIL – O que representa a competição de “Paloma” no Festival do Rio, após exibição em Munique?

MARCELO GOMES - A reação do público e crítica em Munique foi muito emocionante. No Rio é o começo da carreira do filme no Brasil. Tenho muitas boas lembranças de outras edições do Festival do Rio onde estive com meus filmes anteriores. É um público muito especial e uma grande vitrine para o cinema brasileiro.

 


Como aconteceu com “Joaquim” e outros filmes seus, você sempre procura centrar a história na dimensão humana do personagem. E com "Paloma", por sinal inspirado em uma história real, não é diferente. Fale, por favor, um pouco mais sobre isso.

Eu faço um cinema de personagens. Sempre foi assim e em “Paloma” não é diferente. Há mais de dez anos, li uma matéria no jornal de minha cidade, Recife, sobre uma mulher trans, agricultora no agreste de Pernambuco, que decide se casar na igreja de vestido branco, véu e grinalda, provocando, com isso, a ira de toda uma cidade. Me emocionei com aquela história. Existiam muitas camadas: falava de amor, preconceito, fé, conservadorismo, afeto. Tantos elementos tão díspares que senti que ali estava uma história singular que deveria se transformar em um filme. Principalmente num país como o Brasil, um dos países que se observa a maior quantidade de casos de violência contra a população LGBTQIA+. Segundo dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), foram 175 casos em 2020, 41 % a mais do que o ano anterior. E os casos só aumentam de ano a ano. “Paloma” é uma experiência universal. Um filme romântico sobre alguém em uma jornada de autoafirmação.

 


Seus filmes têm sempre uma grande identificação com os espectadores. Qual o segredo para conseguir essa sintonia?

É difícil explicar esse fato. Agora, o que posso dizer é que sempre gostei de filmes que me convidam a viver naquele mundo apresentado. Filmes que desejo habitar aqueles lugares. Eu convido os espectadores a não apenas ser um observador da jornada apresentada, mas habitar, viver, entrar naquele mundo. Para isso construo personagens ao mesmo tempo contraditórios, frágeis e cativantes. Personagens que gostamos da companhia, que estão à procura de encontrar um caminho melhor para suas vidas, que estão à procura de se sentirem melhor. Querem melhorar o percurso de suas vidas. Talvez por isso essa sintonia.

 


“Paloma” é um filme em prol da diversidade e contra o preconceito e discriminação. Qual contribuição espera que ele possa trazer para mudar esse quadro adverso?

Nossa personagem tem uma personalidade dócil e uma enorme força de trabalho. Em uma sociedade capitalista e que funciona de uma forma binária, o corpo de Paloma é útil para a produção de riqueza, no trabalho diário na fazenda de mamões. Agora, no momento da construção de uma subjetividade, Paloma não está nos conformes da sociedade. Hábil para trabalhar, mas inapta para sonhar. Essa é a discussão que o filme traz.

Somos infelizmente uma sociedade que se recusa a aceitar o outro com suas diferenças. Com isso promove o ódio e a violência contras as pessoas trans. Então, em resumo, é um país que entende muito pouco e lida muito mal com a questão trans. E daí a importância do filme: de conhecer e se informar melhor sobre a questão trans. Para com isso poder nos transformar em uma sociedade mais justa onde a convivência entre diferentes seja possível.

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