CINEMA

‘Carvão’, de Carolina Markowicz, está na programação do Festival de San Sebastian

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Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 13/09/2022 às 15:13

Maeve Jinkings em 'Carvão' Foto: Pandora filmes

Primeiro longa-metragem da premiada curta-metragista paulista Carolina Markowicz, “Carvão”, é protagonizado por Maeve Jinkings e traz ainda no elenco César Bordón, Jean Costa, Camila Márdila, Romulo Braga, Pedro Wagner e Aline Marta.

A história segue Irene (Jinkings) que, com seu marido, tem uma pequena carvoaria no quintal de casa.

A família recebe uma proposta que pode ser rentável, mas também perigosa: hospedar um desconhecido em sua casa, numa pequena cidade do interior onde moram. Antes mesmo da chegada dele, no entanto, arranjos precisarão ser feitos e a vida da família começa a se transformar, nem sempre para melhor.

O filme foi rodado em Joanópolis, interior de São Paulo, uma cidade próxima à qual a diretora cresceu e que está muito presente na trama.

“Carvão”, que foi selecionado em San Sebastian para a Mostra Horizontes Latinos, fará sua estreia nacional na Première Brasil do Festival do Rio (06 a 16 de outubro).

Em entrevista ao Jornal do Brasil, ela relatou como surgiu a ideia de realizar um filme ligado a esse ambiente rural e retrógado, sua expectativa com os espectadores e como o cinema pode contribuir para mudar aspectos tão arraigados na mente das pessoas.

 

Jornal do Brasil - O ambiente rural que você descreve tão bem no filme é de fato ainda muito moldado pelo viés inconsciente das pessoas, de uma forma que as que ali reside, nem percebem mais. O que motivou você a realizar um filme tão ligado a esse ambiente?

Carolina Markowicz - Cresci no interior. Vivi em Bragança Paulista dos meus 9 aos 17 anos. Todo esse ambiente onde você se sente ainda mais obrigado a performar um papel social específico me fez muito curiosa sobre o que se é e o que se deve ser. E o porquê dessa dinâmica. Apesar disso já fazer mais de 20 anos, acho que muito tem a ver com o cenário político atual, que por sua vez influencia as futuras gerações. É um ciclo.
Muitos dos personagens no filme são moldados em memórias de minha adolescência. A própria cabeleireira Kim, que interpreta ela mesma, foi minha cabeleireira em Bragança. Sempre achei interessante as idiossincrasias do interior e como o conservadorismo consegue galgar raízes de modo tão contundente nesse ambiente.

 

A proximidade de Joanópolis com a cidade que você nasceu teve muita influência na escolha da locação do filme?

Acho que influenciou, sim. Eu cresci indo para Joanópolis e sempre achei a cidadezinha fascinante. Até hoje acho. É muito interessante e contraditória a sensação de liberdade que se tem ao viver no interior: todo mundo é "conhecido", portanto, por supostamente ser menos perigoso, você tem mais liberdade desde cedo para ir e vir; ao mesmo tempo, você nunca é tão vigiado, em termos de se moldar a padrões e expectativas. Eu cresci com essa sensação, mesmo não sendo em uma cidade tão pequena, e sempre fiquei me imaginando numa cidade ainda menor, como Joanópolis, a poucos quilômetros de onde eu vivia.

 


A exemplo de outros filmes de sua obra, “Carvão” está seguindo o mesmo caminho em festivais internacionais e com espectadores de várias culturas. Qual sua expectativa com essa plateia?

O longa-metragem propicia uma interação diferente, uma vez que há outros tipos de possibilidades de exibição um tanto mais abrangentes. Estou já muito honrada com a carreira de “Carvão”, com as estreias na competição de Toronto e San Sebastian, e ansiosa para o que virá. Eu gostaria que essas mesmas reflexões que o filme me propiciou ao realizá-lo pudessem suscitar algo em quem o assiste. O ciclo da violência em que estamos inseridos, o costume ao absurdo, as narrativas religiosas que retroalimentam interesses próprios, enfim, essas questões que me atravessam.

 

Você acha que o cinema - com filmes como o seu e outros semelhantes - pode contribuir para minorar tantos aspectos preconceituosos e ainda tão arraigados na mente das pessoas?

Acredito que sim. Acho que o cinema tem o poder de provocar, de fazer pensar, de cutucar. Por vários tons distintos, dependendo sempre da voz autoral. E isso é bonito, poder enxergar um ponto de vista, um horizonte específico por um olhar. Uma questão por uma ótica. Eu me identifico mais com um tom um pouco, digamos, estranho e com um humor ácido para abordar assuntos que me instigam, interessam e incomodam. É assim que vejo o mundo.

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