CINEMA

Silvio Tendler lança 'Chico Mário, a Melodia da Liberdade' no CineBrasilTV

O diretor conversou com o JORNAL DO BRASIL

Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 04/05/2022 às 14:44

Alterado em 04/05/2022 às 17:14

Precursor do financiamento coletivo e da música independente, Chico Mário transitou por toda a riqueza dos sons brasileiros, do erudito ao choro Foto: divulgação Caliban

O filme estreia no próximo sábado (7) como título do mês do canal que privilegia a produção independente e se propõe a provocar reflexões sobre as transformações culturais brasileiras.

O documentário lembra a carreira de Francisco Mário de Souza (1948-1988), o talentoso músico que há muito merecia ser redescoberto e reconhecido. Em nove anos, o compositor e violonista – irmão caçula do sociólogo e ativista Betinho e do jornalista e escritor Henfil – produziu material para oito discos autorais.

Precursor do financiamento coletivo e da música independente, o artista transitou por toda a riqueza dos sons brasileiros, do erudito ao choro. O filme conta com a produção de Ana Rosa Tendler e a participação do compositor Lenine, da atriz Bárbara Paz, da Orquestra de Ouro Preto e de violonistas mineiros.

O talentoso cineasta realizou um primoroso trabalho de resgate do artista, mostrando como, do samba ao clássico, ele sintetizou suas influências nas próprias canções. No filme há várias performances solo de Mário e outras de guitarristas mineiros que ele influenciou.

A apresentação da orquestra de Ouro Preto, tocando sinfônicas de suas canções, é mais um ponto alto do filme revelando, nesse belo cenário, o quão rico foi o trabalho de Chico Mário.

Tendler consegue expressar uma perfeita conexão cinematográfica através da forma inovadora como inclui no filme as imagens de família e de arquivo e que, em última análise, representam mais uma demonstração do talento e legado deixado pelo músico.

Embora considerado por seus pares como um dos mais talentosos do seu tempo, Mário não teve o devido reconhecimento em vida. Essa é mais uma razão que, em boa hora, o filme de Tendler chega para documentar sua trajetória.

O JORNAL DO BRASIL conversou com Tendler quando ele deu mais detalhes da vida, da carreira e do legado de Chico Mário.

 

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Silvio Tendler, diretor de 'Chico Mario, A Melodia da Liberdade' (Foto: Foto: Xeno Veloso/divulgação)

 


JORNAL DO BRASIL - Qual foi a maior motivação para realizar “Chico Mário, a Melodia da Liberdade”, sobre a trajetória de um dos maiores músicos do seu tempo e ainda não totalmente reconhecido?

SILVIO TENDLER - No início dos anos 1980, eu era muito amigo do Betinho e, em um dos encontros que tive com ele, ele me deu um disco do Chico Mário. Levei pra casa e nunca ouvi, e fiquei com aquilo em casa… “Escuta a música do meu irmão!” O Chico Mário não era uma pessoa conhecida, não tinha uma grande penetração de mídia, então me equivoquei barbaramente nesse momento e não prestei atenção. E depois fui ouvindo ecos, coisas que falavam dele…E um dia um amigo me procurou, Felipe Radicetti, e fez a ponte com o filho do Chico Mário. Aí ele me propôs de fazermos o filme. Falei “vamos conversar”. E ele me deu o mesmo disco que eu tinha ganho há mais de 20 anos. Aí vi a besteira que tinha feito e a culpa que eu carregava. Resolvi então, a partir desse momento, dar uma virada e fazer o resgate desse músico tão importante na música brasileira e tão desconhecido por puro preconceito, inclusive meu.

 

Por que você acha que ele, com tanto talento, não teve o devido reconhecimento? E ainda mais, com a proximidade de irmãos tão ilustres como o sociólogo Betinho e o escritor Henfil?

Não sei. Eu te conto que o Betinho era um grande propagador do Chico Mário, mas acho que a gente vivia um momento muito difícil nessa coisa de mídia, e a questão do sucesso e do fracasso é questão de oportunidade. Não posso dizer por que o Chico Mário não foi um cara que viralizou na música brasileira, mas posso te dizer que ele sempre andou em muito boas companhias e com ações muito revolucionárias. Ele foi o primeiro cara a criar o crowdfund, fazer uma vaquinha para fazer um disco. Ele fazia uma pré-venda. Desse disco que falei, ele fez uma vaquinha, gravou, e retribuiu às pessoas que tinham dado dinheiro nessa vaquinha dando um exemplar do disco. E ele fez a cabeça… de muitos conjuntos de música, muita gente o respeitava , têm alguns outros depoimentos no filme. O Antônio Adolfo, por exemplo, era um entusiasta dele. O pessoal do Cláudio Nucci, David Tygel… também gostavam muito dele, tinham uma proximidade com ele. Ele gravou apresentações com Wagner Tiso… Então, na verdade, a gente está considerando uma não popularização como fracasso, mas isso também é uma maneira de olhar. Se você olhar a obra dele imorredoura, o disco dele é muito importante, é muito lindo. Vai ter vida longa. Então, na verdade, o que eu quis fazer através desse filme foi viralizar essa vida, para que as pessoas ouçam e vejam esse músico, esse talento até aqui desconhecido.

 


Além das apresentações solo de Mário e de guitarristas mineiros, o filme apresenta brilhantemente a Orquestra de Ouro Preto tocando orquestrações sinfônicas das canções dele. E, além desse, traz muitos pontos altos. Foi difícil o trabalho de pesquisa para conseguir resultado tão grandioso?

Contei com a parceria fundamental do Marcos Souza, filho do Chico Mário, que foi quem veio conversar comigo para propor o filme. E depois entrou a Karina Souza, irmã do Marcos, que também tem uma participação importante no filme. Toda a família deu muito apoio, ajudou muito, abriram o baú da família, literalmente. Eles têm um baú guardado com as coisas fundamentais do Chico, desde os cadernos de escola, fotografias de infância, até as últimas obras. Eles abriram esse baú, e a memória, a realização do filme, foi uma questão de organização. O Marcos, muito ávido em divulgar o trabalho do pai, criou todas as facilidades. Ele que contatou os violonistas que participaram do concurso Chico Mário, que tocaram no filme. Ele que fez a ponte, organizou a apresentação da Orquestra Sinfônica de Ouro Preto. Ele organizou com a irmã a apresentação desse mesmo espetáculo em Belo Horizonte. Então esse filme teria sido impossível sem a participação da família. E, graças a Deus, a família não só colaborou, como gostou muito de poder fazer esse resgate da memória dele, deu todo apoio e gosta muito do filme. A pesquisa não foi nada complicada. Ao contrário, foi muito prazerosa.

 

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