CINEMA
‘Fogaréu’, primeiro longa-metragem de Flávia Neves, tem estreia mundial no Festival de Berlim
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 15/02/2022 às 14:07
Alterado em 15/02/2022 às 14:10
Flávia Neves, diretora de 'Fogaréu', selecionado para a mostra Panorama do Festival de Berlim/2022 Foto: Thomas Sparfel
O filme é um dos destaques na Mostra Panorama, da Berlinale. O evento começou na última quinta-feira (10).
Produzido por Vânia Catani, “Fogaréu” - que tem roteiro baseado na história pessoal da diretora - segue Fernanda (Bárbara Colen) que, após anos de ausência, retorna à fazenda do seu tio em Goiás, no oeste do Brasil, e descobre a dolorosa verdade sobre sua origem.
Em entrevista exclusiva ao JORNAL DO BRASIL, a cineasta expressou o significado de estrear “Fogaréu” no Festival, e revelou detalhes do seu envolvimento com a história do filme.
JORNAL DO BRASIL - Qual o significado da estreia de “Fogaréu” na Berlinale, considerado um dos festivais mais importantes do mundo?
FLÁVIA NEVES - A visibilidade que o filme terá num evento dessa magnitude é muito importante para que ele tenha mais chances de chegar a um público maior e mais diverso. O filme de autor já tem uma limitação grande para chegar ao público, com um circuito muito restrito. Os festivais acabam sendo janelas necessárias para que ele se destaque no meio de uma imensa quantidade de filmes que são feitos por ano. Ainda mais importante num momento como o que estamos vivendo agora, sem previsão de chegar ao cinema, com uma quantidade enorme de títulos que estão se acumulando para estrear. É muito difícil fazer um filme e ele ficar parado, esperando. Estou imensamente feliz em vê-lo nascer no melhor lugar e para um público tão especial como o do Festival de Berlim.
Qual a principal motivação e que mais a influenciou para contar essa história em “Fogaréu”?
Eu nasci em Goiânia, Goiás. Quando fui estudar na UFF (Universidade Federal Fluminense), em Niterói, um professor que havia morado em Goiânia me contou uma história de adoção de pessoas para exploração. Eu não conhecia essa realidade, mas fui pesquisar e descobri que, durante 100 anos, existiu na histórica cidade de Goiás, antiga capital do estado, um tipo de exploração de pessoas diversas neurologicamente (que têm uma configuração neurológica diferente do que a sociedade considera o padrão) denominadas “bobas” e que, embora em processo de desaparecimento, ainda moram na comunidade até hoje. Essas pessoas, oriundas de regiões vizinhas ou das próprias famílias do lugar, eram adotadas e criadas para prestar toda sorte de serviços domésticos. Essa história me perturbou durante anos, até que eu decidi fazer um filme sobre ela e realizá-lo com essas pessoas sobreviventes, muitas delas centenárias.
Inicialmente, o roteiro não tinha o caráter pessoal, mas ao longo do processo de desenvolvimento fui entendendo que minha perturbação tinha a ver com uma memória familiar recalcada. Minha mãe foi uma dessas pessoas “adotadas” para ser uma criada. Quando minha avó morreu, minha mãe tinha nove anos, meu avô entrou em depressão e não conseguiu criar os oito filhos. Minha mãe ficou passando de casa em casa fazendo pequenos serviços domésticos até chegar, com 12 anos, na casa da família do prefeito, onde trabalhava pela comida e o teto. Precisei de um tempo para encarar esse processo dolorido e me colocar de maneira tão pessoal no filme. Mas entendi que só tinha sentido se fosse a partir dessa perspectiva.
A Panorama é a paralela mais prestigiada do Festival de Berlim, com espectadores bastante interessados, inclusive porque votam no prêmio de audiência da mostra. Qual sua expectativa com esse público e também posteriormente com os demais espectadores quando o filme entrar no circuito?
Espero que ele impressione o público de Berlim assim como impressionou a Comissão de Seleção do Festival. A expectativa é que o filme emocione e fique na memória das pessoas por longo tempo.