CAIO BUCKER

Quase uma retrospectiva

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Por CAIO BUCKER

Publicado em 30/12/2021 às 08:27

Alterado em 30/12/2021 às 08:27

Caio Bucker JB

Chegamos à última coluna do ano. Um ano tão peculiar, um tanto quanto angustiante e apreensivo. Um dois mil e vinte um que parece mais uma continuação de dois mil e vinte. Porém, um ano que nos proporcionou mais esperança, fortaleceu nossa fé e a certeza de que o mundo não acabaria aqui. Pelo menos ao meu ver. Eu pensei em fazer uma retrospectiva, mas desisti. Acho retrospectivas chatas, e um pouco melancólicas. Vale fazer uma reflexão geral de tudo que aconteceu, sim. Mas que seja então de uma forma leve. A pandemia continuou firme e forte com variantes, mas tivemos a vacinação, e sim, a vacinação salva vidas, diminui a taxa de transmissão e reduz os danos. A ciência sabe o que está fazendo, e a terra não é plana. Infelizmente, foi mais um ano que seguimos com o governo genocida, inimigo de tudo e de todos. Inimigo da arte, da cultura, da educação, e até da vida. Mas também foi um ano em que este mesmo governo genocida e sua corja se demonstraram ainda mais - se é que isso era possível - a ponto de seus apoiadores entrarem em parafuso e se questionarem do próprio voto carregado de raiva e rancor. Um ano de vexames nacionais e internacionais, situações tão bizarras que só poderiam acontecer nessas épocas estranhas que vivemos. Um pensamento retrógrado e tão conservador que beira o fascismo. Nada progressista, nada humano, nada que nos faça crescer. Mas esse pesadelo está acabando, tenhamos fé.

 

 

Macaque in the trees
Charge de Zé Dassilva (Foto: reprodução)

 

Se for lembrar rapidamente alguns fatos marcantes, prefiro relembrar as coisas boas. Tá, não tivemos Carnaval, péssimo para o turismo e para a economia, e também para os foliões que começam a produzir suas fantasias meses antes. Mas foi necessário. Mas ainda sim temos motivos para comemorar. Começaria dizendo que tivemos uma mulher negra como a primeira pessoa do país a tomar a vacina contra a covid. O ex-policial que assassinou George Floyd foi condenado. A super lua rosa apareceu, para alguns. O fenômeno Juliette venceu o BBB, e concordo com o que disse meu amigo Ícaro Silva, pois eu acho esse programa uma bosta, embora entenda seu lugar no entretenimento brasileiro. Nas Olimpíadas de Tóquio, houve emoção e algumas vitórias pra gente destacar, como da nossa jovem Fadinha e da Rebeca Andrade. O Oscar finalmente teve uma premiação um pouco mais democrática e plural, com vitórias de Chloé Zhao à frente de Nomadland, Daniel Kaluuya como melhor ator por Judas e o Messias Negro, e os filmes A Voz Suprema do Blues, Minari e Dois Estranhos em destaque na noite do tapete vermelho. Na política, tivemos um programa de humor chamado CPI da Covid, o inquérito das fakes news, as manifestações em tempos de máscara, muitas rachadinhas da familícia, muitos pedidos de impeachment, e finalmente, a anulação dos processos de Lula.

No Rio de Janeiro, algumas alegrias. Além de chutar o governador também fascista que gosta de mirar na cabecinha e atirar, conseguimos tirar o bispo do poder e dar lugar ao Prefeito que mais ama a cidade, nosso querido Dudu. Com ele, um time de Secretários de tirar o chapéu, como Marcus Faustini, incansável batalhador pela Cultura da cidade que pegou o abacaxi de teatros e salas destruídas, vem virando o jogo e ainda possibilitou editais para fomentar a produção artística da cidade. Tivemos o desfrute de alegrias e conquistas, sim! Começamos o ano com a Lei Aldir Blanc salvando boa parte da classe e gerando entretenimento para o público saudoso das salas lotadas. As simples lives que ocupavam as telas no ano passado deram lugar a produções engajadas. A coisa toda voltou a funcionar, antes operando por aparelhos, e agora, mesmo em passos lentos, no processo de um retorno presencial. Até hoje me arrepio ao lembrar da emoção que foi entrar no Circo Voador para assistir meu professor Jards Macalé no mês passado. Foi a primeira vez naquele palco sagrado depois de tanto tempo sem sair assim. Também foi um ano de perdas, muitas perdas. As mortes não cessaram por conta do maldito vírus, e artistas tão importantes também se foram. Paulo Gustavo, Tarcísio Meira, Agnaldo Timóteo e Genival Lacerda, sempre eternos.

Neste mesmo ano, reabrimos o templo sagrado da cultura carioca, nossa La Fiorentina. Fechada por conta da pandemia, deu a volta por cima, se tornou patrimônio da cidade e hoje voltou a ser o que era: um lugar de encontros, de comemorações e de histórias. Aliás, falando em histórias, soube hoje que Luís Carlos Miele esteve lá um dia antes de morrer. Nara Leão deixou sua assinatura na coluna do restaurante meses antes de morrer também. Aí fico pensando: o que será que eu gostaria de fazer se eu soubesse que ia morrer? Onde eu gostaria de estar, e fazendo o que? Provavelmente tomando um chopp na Fiora, e comendo o Gnocchi ao Gorgonzola, prato que peço há muitos anos. Também gostaria de estar com pessoas amadas e queridas, família e amigos. Mas como lá é um lugar de encontros, isso já está implícito. Tive a honra de assumir com outros parceiros a gestão do lugar, e desde Agosto venho recebendo pessoas incríveis, de todas as tribos. Porque a diversidade é o que somos, e o que deveríamos sempre ser. Dentre tantas funções, muito me felicita por estar em uma delas, antes pertencente ao eterno Djalma, o rabugento mais querido da classe. E o lance todo era esse: promover encontros e escrever mais capítulos de uma história.

Este ano também retornei ao jornalismo, comecei a publicar minhas loucuras, e principalmente, entrei para o time do Jornal do Brasil, que sempre foi meu jornal favorito, por sua linguagem direta, sua pegada democrática e seu engajamento para com a verdade. Como disse num texto anterior, aqui já escrevi sobre mestres que admiro e me inspiram, como Aldir Blanc, Tom Zé, Elza Soares, Cida Moreira e Jards Macalé. Falei da dicotomia sobre ser Lado B ou Lado A, questionando quando me dizem que sou “um pouco alternativo”. Como diz minha amiga Cida: alternativo a que? E a quem? Fui ridicularizado - e caguei baldes para isso - por me posicionar. Sim, me posicionar diante deste pandemônio que vivemos com um presidente tão podre. Aliás, o atorzinho de Malhação que virou Secretário deveria ler meus textos para se atualizar um pouco da cultura brasileira, porque disso ele não sabe de nada. E também tive aqui como o lugar de concretizar pensamentos, e como diria Deleuze, transformando o caos em criação. Agradeço a todas e todos que nos acompanham aqui semanalmente, e desejo um 2022 de muito amor, saúde e prosperidade. Axé!

 

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