CAIO BUCKER

Volta aos palcos. E às aulas!

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Por CAIO BUCKER

Publicado em 25/11/2021 às 09:15

Alterado em 25/11/2021 às 09:15

Caio Bucker JB

Sexta-feira fui ao meu primeiro show desde o início da pandemia. Sim, fiquei emocionado, feliz, um misto de emoções e sensações que nem consigo explicar. E sim, tomei todos os cuidados que o momento ainda exige. Durante esse tempo, tinha assistido a lives e poucos shows presenciais, pockets, isolado de tudo e de todos, com público tão reduzido que quase não fazia calor. Mas sexta foi diferente. Quando cheguei no Circo Voador, o meu palco favorito no Rio de Janeiro, parei por um instante e pensei: “Estamos de volta.” Que alívio! Entrei, comprei uma cervejinha de lei e curti a chuva que caía. Antes seria motivo de reclamação para muitos, do tipo “ah, pena que está chovendo”. Mas naquela sexta, não. Foi motivo de alegria, como uma bênção para lavar a alma de todos nós, órfãos dos palcos, da arte presencial, do calor humano e do olho no olho. E foi realmente uma bênção. Sempre é, a meu ver. Encontrei amigos e mestres, conversamos, rimos, mas ainda perguntando “posso te dar um abraço?”. Além desse contexto todo, o detalhe principal: o show era do professor. Do grande Jards Macalé.

 

Macaque in the trees
Jards Macalé em show no Circo Voador (Foto: Foto: Andrea Nestrea)

 

Ele subiu ao palco e nos agraciou com duas horas de música, poesia e muita vida. Muita energia. Que energia! O bis aconteceu duas vezes, e poderia ter acontecido vinte. Ninguém queria que acabasse. Nem ele. Foi épico! Encontrei um amigo no dia seguinte, que também estava lá, e quando me viu, soltou: “Foi um dos melhores shows da minha vida! Ou eu estou ficando louco? Foi sim!”. E foi mesmo. Pela emoção que foi estar num grande show presencialmente e ver o público cantando feliz com sorriso nos olhos. Pela emoção de voltar ao Circo Voador cheio depois de um hiato sem fim. E principalmente, pela emoção que sempre é ver Macalé num palco, uma extensão de sua casa, à vontade com seu violão e seu trio. O show era do aclamado álbum “Besta Fera”, que foi indicado ao Grammy Latino 2019 na categoria “Melhor Álbum de Música Popular Brasileira”. O professor já se apresentou no Circo 28 vezes, entre shows solo e participações. O repertório, além deste disco incrível, contou com clássicos da carreira, como “Soluços”, “Vapor Barato” e “Negra Melodia”. Foram duas horas de pedrada em cima de pedrada, com seu estilo único e ousado. Como eu agradeço por isso!

Queria escrever da alegria em ver o retorno à vida social, mas antes, não poderia deixar de expor minha admiração ao grande mestre, e agradecê-lo em texto pelo momento proporcionado. Jards Macalé é carioca e meu conterrâneo da Tijuca. Sempre estudou música, e sua habilidade com o violão deixava-o capaz de acompanhar qualquer um, do clássico ao pop. Com uns 20 discos lançados, entre trabalhos solos e participações, tem parcerias incríveis com diversos nomes, como Capinam, Waly Salomão, Naná Vasconcelos e Itamar Assumpção. O apelido “Macalé”, que depois tornou-se nome artístico, veio em alusão a um dos jogadores do Botafogo, considerado o pior do time na época. Multimídia, além de cantor e compositor, é ator e produtor musical. Íntimo do cinema, participou da composição das trilhas sonoras de filmes como “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade; “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, de Glauber Rocha; e “Se Segura, Malandro!”, de Hugo Carvana. Seu lado ator foi visto também nas telonas, como no filme “Tenda dos Milagres”, de Nelson Pereira dos Santos. Militante pela democracia e pela cultura, foi um dos organizadores de uma manifestação artística indispensável durante a Ditadura Militar, no MAM, onde aconteceu “O Banquete dos Mendigos”, show em celebração aos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que contou com o apoio da ONU. O escritor e pesquisador Fred Coelho fez um ensaio biográfico de 500 páginas em “Jards Macalé - Eu Só Faço o que Quero”, pela Numa Editora. Como bem colocou o site Carta Capital, “a vida do biografado é indissociável do momento em que a música brasileira ganha maturidade e ar moderno”.

Acho necessário exaltar quem nos inspira. E mais do que isso: exaltar quem é importante para nossa cultura, para nossa formação enquanto artistas e cidadãos. Quem tem história para contar. Ainda mais num momento quase pós-pandêmico, onde começamos a ter sinais de melhoras. Shows voltando, peças em cartaz, exposições rolando, eventos ao ar livre com a lotação reduzida esgotada, e muitos planos para um futuro próximo. Que alegria ver o povo feliz de novo com a vida social, com os encontros, com a geração de empregos e a possibilidade de movimentar a economia novamente. Movimentar com arte, com entretenimento, com pensamento. A pandemia parou com praticamente tudo, menos com o pensamento. As ideias estavam ali, nos acompanhando dia e noite, noite e dia. Agora é hora de começar a executá-las. Espero que o público se faça presente, comprando ingressos, incentivando os jovens artistas, valorizando quem está dando a cara a tapa, pois com sede e fome de se divertir eu sei que estão. Estamos. Alegria de instagram dura pouco, é ilusão. A vida está aí, e com cuidado, vamos viver. E sentir para reexistir. Se eu tenho algum sentimento sobre este momento, é a esperança em ver as coisas voltando. Ainda estou digerindo o que vi na última sexta com o professor Macalé. Foi uma catarse esperada por muito tempo. Espero que todos possam ter essa sensação, porque é muito bom voltar aos palcos. E às aulas que a vida e os mestres nos dão.

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