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Jair Rodrigues, o gênio imprevisível

Documentário 'Deixa que digam’, de Rubens Rewald, sobre a trajetória do músico, estreia quinta feira (27) nos cinemas.

Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 22/04/2023 às 11:34

Alterado em 22/04/2023 às 11:34

Jair Rodrigues (2º a partir da esquerda) no júri do programa de Flávio Cavalcanti. Flavio criou o primeiro júri da televisão brasileira. Na foto, também, José Messias (2º a partir da direita) (arquivo JB) [email protected]

 Estreia quinta-feira (27) nos cinemas o documentário ‘Jair Rodrigues: Deixa que digam’, de Rubens Rewald, sobre a trajetória do músico. O filme traz imagens de arquivo e várias entrevistas, entre outras, com Raul Gil, Roberta Miranda, Hermeto Pascoal, Armando Pittigliani. Os filhos do cantor, Luciana Melo e Jair Oliveira, seu irmão, Jairo Rodrigues, e sua esposa, Claudine Rodrigues, também dão depoimentos.

Há momentos marcantes de Jair como apresentador do programa Fino da Bossa, a interpretação da música Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, e sua postura em meio à ditadura militar quando dava a parecer não se posicionar sobre política e não falar sobre racismo.

O roteiro, escrito por Rodolfo C. Moreno e pelo diretor, também aborda o lado pessoal do cantor, em imagens ao lado dos filhos Jairzinho, enquanto compunham juntos e em shows com a participação de Luciana Mello.

Rewald, detentor de oito créditos de direção no currículo e vários prêmios, é também professor da Eca/Usp na área de dramaturgia audiovisual e autor dos livros ‘Caos/Dramaturgia’, pela editora Perspectiva e ‘A dança do fantástico’, pela editora Patuá. Entre 2011 e 2015, foi presidente da Associação Paulista de Cineastas (Apaci).

Em conversa por e-mail com o JORNAL DO BRASIL, ele falou sobre a motivação para fazer o documentário, os critérios para selecionar os entrevistados, e sobre sua carreira.

 

Macaque in the trees
Rubens Rewald, diretor de 'Jair Rodrigues: Deixa que digam' (Foto: Foto: Rita Foglia Rewald)

 

JORNAL DO BRASIL: O que o levou ao desejo de retratar Jair Rodrigues nas telas?

RUBENS REWALD: Trabalhei com o Jair no filme “Super nada”, que escrevi e dirigi. Quando o convidei para interpretar o papel de um velho comediante, não tinha muita esperança que ele aceitasse, afinal ele era uma estrela da música brasileira e eu estava apenas em meu segundo filme, uma produção de baixo orçamento. Mas Jair, como todos os gênios, é imprevisível, e adorou o desafio. Trabalhar com Jair foi uma experiência maravilhosa, ele iluminava o set de filmagem com sua alegria e carisma. E, claro, ganhou vários prêmios como melhor ator. Criamos uma grande amizade e um dia ele chegou pra mim e disparou: "e aí, meu diretorzinho (assim me chamava), quando vamos fazer o filme do Jair Rodrigues?" A pergunta assim, de chofre, me pegou de surpresa, ao que respondi: "Pô, Jair, demorou!!!". Ficamos muito felizes com essa perspectiva e combinamos um encontro em breve para começar a discutir o projeto. Mas duas semanas depois veio o inesperado: a morte de Jair. Fiquei desolado, muito triste, e engavetei o projeto. Só muitos meses depois, pensei melhor e achei que deveria levar a ideia adiante, afinal foi o próprio Jair que me propôs, é como se devesse isso a ele. Falei com os familiares, que me apoiaram, e assim tirei a ideia da gaveta e o filme foi aos poucos nascendo.

 

A seleção dos entrevistados tem realmente tudo a ver. Qual foi o critério que guiou você para isso?

Desde o início dividimos os entrevistados em três grupos: pessoas próximas a Jair (amigos e familiares), com uma visão mais íntima dele; historiadores e jornalistas, com uma visão mais crítica e distanciada; músicos e artistas que trabalharam e conviveram com ele, com uma visão mais artística e profissional. Queríamos construir realmente um retrato tridimensional do Jair, com vários ângulos possíveis. Fora que o Jair teve uma longa carreira, marcada por muitas fases diferentes e em cada uma dessas fases, diferentes personagens circulavam ao seu redor, num espectro superamplo, que vai da sertaneja Roberta Miranda ao rapper Rappin' Hood, tal a versatilidade do Jair. Então, de fato, conseguimos um casting muito variado e interessante de entrevistados.

 

Jair costuma provocar opiniões contraditórias. Mas a abordagem escolhida por você deixou isso um pouco de lado e se apoiou muito – como você mesmo diz – no conflito da narrativa tendo em mente o retratado. Poderia falar um pouco mais sobre isso?

Como roteirista, vou sempre buscar o conflito nos filmes. É o que diz a cartilha, independente do filme ser uma ficção ou um documentário. Tem que ter um conflito, rs.rs.rs. Eu e Rodolfo Moreno, que escreveu o roteiro comigo, buscávamos encontrar uma região mais de sombra no Jair. Como se a alegria e irreverência do cantor fosse uma máscara social que na verdade encobrisse uma personalidade mais triste e melancólica ou mesmo perturbada. Em todas as entrevistas, buscávamos esse ponto, tentando arrancar dos entrevistados lembranças de momentos tristes ou soturnos de Jair, e fracassamos completamente nessa busca. O homem era feliz mesmo, o tempo todo, um otimismo, uma alegria transbordante, quase uma utopia existencial. Então aceitamos o fato, largamos essa premissa da máscara e usamos o próprio Jair como o modelo da narrativa. Busquei fazer um filme que tivesse a energia do Jair. Um filme vibrante, cheio de alternativas narrativas, isto é, que contasse a história do Jair de diferentes maneiras (entrevistas com ele, entrevistas na TV, entrevistas falando dele, Jairzinho interpretando o pai). Ou seja, uma estrutura narrativa viva, em movimento, irrequieta, assim como era Jair. E, claro, com muita música! Jair era a própria musicalidade, ele contava e cantava, quase num mesmo movimento. Por isso, decidi que todos os entrevistados deveriam cantar alguma música, mesmo os que não fossem músicos. Isso criou situações ótimas, como o nosso saudoso crítico Zuza Homem de Mello cantando Disparada, numa cena antológica.

 

Sua carreira artística / profissional é multifacetada, com atuação em várias áreas. Tem alguma preferida, aquela que o coração bate mais forte?

Sou um pouco Jair também, rs.rs, não consigo ficar parado. Levo paralelamente a carreira de cineasta com a de professor universitário. Dou aula de roteiro e direção de atores na Eca / Usp e pior, sou também chefe de departamento, algo como um síndico do departamento. Também trabalho com teatro e dança. Acho que uma atividade alimenta a outra. Quando faço um filme, aprendo sempre algo novo e assim me torno um professor melhor. Nas aulas, há uma transmissão de conhecimento muito forte e nas duas direções, sempre aprendo muito com os meus alunos e isso me faz um cineasta melhor. Portanto, creio que é muito saudável circular por diferentes atividades, ganhando novos saberes e experiências em uma área e contrabandeando para a outra, num trânsito incessante. Agora, se tiver realmente que escolher uma, onde o coração bate mais forte, acho que é a dramaturgia, o roteiro. Adoro escrever. É quando me sinto mais pleno, onde tenho mais prazer. Adoraria em algum momento parar tudo e só escrever. Mas enfim, a vida chama, as contas chamam, rs.rs.rs, então vou fazendo tudo ao mesmo tempo agora. E tá tudo certo.

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