CADERNOB
O crítico e pesquisador Carlos Alberto Mattos lança o site-livro ‘Cinema Contra o Golpe’
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 27/08/2022 às 11:52
Alterado em 27/08/2022 às 11:52
O crítico de cinema Carlos Alberto de Mattos Foto: Zeca Guimarães
Uma sessão do Senado Federal, em 31 de agosto de 2016, concluía o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, consolidando o que entrou para a história como um golpe de natureza parlamentar, jurídica e midiática, pela ausência de crime de responsabilidade que o justificasse.
O site-livro organizado por Mattos reúne 90 textos de vários autores sobre 44 filmes que registraram, analisaram, criticaram, denunciaram ou contestaram o que se passava no país desde as manifestações de junho de 2013.
Há produções de várias regiões do país e também algumas oriundas do exterior. Todos os 44 títulos se posicionam contra o autoritarismo e o fascismo.
A cada filme há de um a quatro textos de autores diferentes, entre críticos, jornalistas, pensadores e ativistas. Tal como os filmes, os textos também variam do simples comentário à discussão crítica e ao engajamento mais explícito.
Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, Mattos revelou a principal motivação para escrever o livro, destacou o papel do cinema na realização da obra, os critérios de seleção dos filmes e sua expectativa com os resultados.
JORNAL DO BRASIL - Há sempre muitas motivações para fazer alguma coisa. E no caso deste site-livro algumas são óbvias. Mas há sempre uma que dá o impulso final. Houve essa mais forte que resultou na realização da obra?
CARLOS ALBERTO MATTOS - Desde 2013, eu venho observando uma repolitização do documentário brasileiro. Com o avanço do processo político no rumo da extrema-direita, a resposta dos documentários passou a ser uma das mais fortes no âmbito da sociedade civil. Eu tentei colocar esse projeto numa editora com vistas a um livro impresso. Como não houve resposta, resolvi adotar o modelo do site-livro, que já havia adotado no anterior "Paisagens do Fim" (https://www.paisagensdofim.com/). O impulso final foi dado mesmo pela qualidade de alguns desses filmes e pelo volume de títulos disponíveis nos últimos nove anos.
Está claro que o papel do cinema foi fundamental. Sabemos que além de arte e entretenimento, ele tem muitas outras funções, inclusive de guardião da memória. Fale um pouco mais sobre isso.
Esse trabalho visa justamente criar uma memória desse momento do documentário político brasileiro recente. Nós tivemos três grandes momentos desse tipo de cinema. Na época do Cinema Novo, quando cineastas como Olney São Paulo, Leon Hirszman, Geraldo Sarno, Joaquim Pedro de Andrade e Vladimir Carvalho atuaram nas brechas da censura para denunciar as desigualdades sociais e fustigar a ditadura. O segundo veio nos começos da redemocratização, com os filmes sobre as greves dos metalúrgicos e, um pouco mais adiante, os sucessos de Silvio Tendler e a efeméride Cabra Marcado para Morrer. O terceiro momento se deu justamente a partir dos protestos de 2013. Eu senti que era a hora de reunir as reflexões sobre essa produção para que se tivesse uma dimensão do seu tamanho e importância, além de criar essa memória para o futuro.
O livro reúne 90 textos de vários autores sobre 44 filmes que registraram o que se passava no Brasil. Quais foram os principais critérios que nortearam essa seleção?
O principal critério é que fossem filmes críticos e não alinhados com a extrema-direita. Não levei em conta critérios de qualidade ou forma de linguagem. Há documentários de todo tipo: simples observações, levantamentos jornalísticos, filmes de intervenção direta, etc. Levei em conta também o fato de se referirem ao período 2013-2018. Por isso não incluí filmes igualmente importantes de crítica ao governo atual caso eles não se reportassem aos fatos anteriores que conduziram o país ao abismo em que hoje se encontra.
Qual sua expectativa com o público e contribuição para mudar esse quadro?
Minhas expectativas em relação ao país não são das mais otimistas. Acho que o bolsonarismo está fazendo muito mal ao Brasil, e não é por curto prazo. É claro que depositamos muitas esperanças nas próximas eleições, mas o trabalho de reconstrução do país será longo e árduo. A arte e muito especialmente o cinema podem ajudar muito nesse processo. É o que esperamos. Quanto ao site-livro, se ele modestamente puder contribuir em alguma medida, ficarei muito feliz.