CADERNOB
Relato impressionante sobre a agenda oculta da Europa
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 29/07/2021 às 07:55
Alterado em 29/07/2021 às 07:55
“Jogo do Poder” (Adults in the Room”), do diretor Costa Gavras - que retrata a crise econômica e política de 2015 na Grécia - será lançado nos cinemas brasileiros dia 12 de agosto.
O filme é um relato impressionante sobre a agenda oculta da Europa e o que realmente ocorre em seus corredores de poder. A trama expõe as razões para a crise da Grécia, quando foi travada uma das mais espetaculares e controversas batalhas de sua história política. A verdade era quase inteiramente desconhecida, principalmente porque grande parte do que acontece na União Europeia é a portas fechadas.
Costa Gavras, nascido na Grécia e radicado na França, voltou ao seu país para realizar o filme, que é o primeiro sobre sua terra natal desde “Z”, de 1969.
O roteiro, também assinado por ele, parte do livro de memórias do ex-ministro das Finanças Yanis Varoufakis, “Adultos na Sala: Minha Batalha Contra o Establishment”; Yanis é personagem central no filme.
Costa Gavras contou que teve a assessoria do próprio Varoufakis, a quem mostrou o roteiro durante diversas fases da produção. A colaboração do político foi fundamental para compreender questões técnicas e econômicas que, muitas vezes, são difíceis para quem não é da área.
O ótimo elenco inclui Christos Loulis (Yannis Varoufakis), Alexandros Bourdoumis (Aléxis Tsípras, Primeiro-Ministro) e Ulrich Tukur (Wolfgang). A produção é de Alexandre Gavras e Michèle Ray-Gavras, mulher e produtora do cineasta.
Sempre centrando sua obra em temas políticos, o diretor tem uma carreira que inclui filmes cultuados, como “Estado de Sítio” (1972) e “Missing: O Desaparecido” (1982), que lhe deu a Palma de Ouro e o Oscar de roteiro adaptado.
Por sinal, ninguém mais indicado que ele para retratar essa grande crise que assolou a Grécia em meados da década passada.
“Jogo do Poder” estreou fora de competição no Festival de Veneza de 2019, no qual o cineasta merecidamente recebeu o “Prêmio Jaeger-Le Coultre Glory” pelo conjunto da obra.
Em entrevista exclusiva para o JORNAL DO BRASIL, Costa Gavras falou sobre a motivação para adaptar o livro de Varoufakis, a posição da Europa diante da crise grega e os resultados que espera com o filme.
JORNAL DO BRASIL: Por que você se interessou em adaptar o livro de Yanis Varoufakis?
COSTA GAVRAS: O livro de Varoufakis trouxe uma imagem e uma verdade que seria impossível encontrar em outro lugar sobre os debates do Eurogrupo, um órgão muito importante da União Europeia. Teria sido impossível encontrar esta verdade entre os oradores e participantes deste grupo, cujas decisões foram, e ainda são, essenciais para a economia dos países que fazem parte da União Europeia.
Varoufakis tinha registrado esses debates - e deu-me uma cópia - que me permitiram utilizar verdadeiros diálogos, comportamentos e decisões desta assembleia que, aliás, não conservou nem publicou quaisquer atas dessas reuniões.
A outra qualidade relativa ao livro de Varoufakis - que li, conforme foi escrito, capítulo por capítulo - é que nenhum dos participantes dessas reuniões o negou ou o processou por difamação, calúnia ou mentira.
O retrato de Varoufakis sobre o que ocorreu está aberto a interpretações. Mas o filme também tenta mostrar que a Europa não foi solidária e foi indiferente à crise grega?
O tema do filme não é o retrato de Varoufakis. Mas através dele e das suas ações, como ministro do governo grego e excelente economista, o filme permitiu-me apresentar uma União Europeia a, em uma só voz e em geral, enfrentar a crise grega com um cinismo e uma incompetência imperdoáveis. O país e o povo grego, em decadência econômica, foram convidados a pagar sem demora uma dívida impossível de quitar.
Não era a União com que sonhávamos na Europa; era uma Europa com o único objetivo de economia, rentabilidade, longe da cultura, do humanismo e da igualdade para todos.
E onde as decisões estavam sujeitas à aprovação de um único país, a Alemanha.
O personagem Varoufakis explica muito bem no filme - como no livro - a inépcia dos representantes da "troika" da Europa.
Tudo isso ainda afeta o cotidiano dos gregos, um povo que sobrevive heroicamente. E “Jogo do Poder” mostra verdadeiramente o que aconteceu. Você acha que o filme pode contribuir para mudar essa situação adversa?
“Com o filme foi importante mostrar que o desemprego na Grécia foi de 28%, que 400 mil jovens licenciados, formados por instituições gregas, deixaram o país em busca de trabalho em outro lugar. E mostrar também que a União Europeia não pode continuar assim. Não acho que com um filme nós possamos mudar o mundo ou a União Europeia. Mas podemos testemunhar e fazer talvez as pessoas pensarem e debaterem. Já seria um grande sucesso. E principalmente quando o filme expõe fatos, pessoas, situações reais. Que é o caso de “Adults in the Room”.
O LEMA
Logo após ter feito “Z” em 1969, um dos seus filmes mais políticos e que o projetou internacionalmente, Costa Gavras repetiu, em inúmeras entrevistas, o lema que seguiria em sua carreira de 28 títulos, que inclui clássicos como “A Confissão” e “Estado de Sítio”.
“Eu fiz ‘Z’ primeiro porque eu nasci na Grécia, e segundo porque eu senti que deveria fazer alguma coisa. Algumas pessoas assinam petições, outras vão para as ruas, eu procuro fazer algo como um cineasta.”
O diretor, de 88 anos, é pai dos também cineastas Romain Gavras e Julie Gavras, esta autora, entre outros, do ótimo “A Culpa é do Fidel”, que fez enorme sucesso em Sundance 2006.
Costa Gavras foi presidente do júri da competitiva oficial da 58ª edição do Festival de Berlim, que deu o Urso de Ouro para “Tropa de Elite”, do brasileiro José Padilha, em 2008.