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Pag. 34 - Maria Lucia Dahl

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O reencontro com a bailarina Todo o seu cabelo louro está preso num coque, e deslizo meus dedos por suas pernas brancas até as sapatilhas cor de vinho S ubo a ladeira procurando a casa do meu amigo, e encontro o tempo perdido numa bailarina de porcelana que faz uma reverência num antiquário de Petrópolis. Sigo seus passos numa coreografia regressiva até a sala de visitas da casa de minha mãe.

Entro na sala escura e acendo a luz do lustre de cristal que reflete o arco-íris nos vidros das janelas.

Mamãe está sentada no sofá de palhinha, e me oferece chá com madalenas. Sinto seu perfume suave na gola do pegnoir de cetim.

D i ck e D i a n a l a t e m n o j a rd i m .

M a m ã e p õ e a ç ú c a r n a m in h a x í c a ra . Fi c o o l h a n d o o s m i l h a re s d e g r ã o z i n h o s p o u s a n d o n o f u n d o d a l o uç a a z u l , e m ex o o s c o m a c ol h e r i n h a d e p ra t a fa z e nd o o s d a n ç a r a o s o m d e u m l eve t i l i n t a r.

D e d e n t ro d a v i t r i n e d o ura d a , u m a b a i l a r i n a d e p o rc e l a n a s e e s m e ra nu m p l i é .

Pe ç o a m a m ã e p a ra t o c á l a c o m a s m ã o s . E l a ab re a p o rt a d a v i t r i n e , q u e ra n g e d eva g a r, m e e n t re g a a b a i l ar i n a e mu i t a re s p o n s ab i l id a d e .

– É p re c i s o t o d o o c u i d ad o. Q u eb ra à t o a . Po r q u a lq u e r d e s c u i d o, q u a l q u e r d e s l i z e . E nu n c a m a i s s e r á a m e s m a d e p o i s d a p r i m e ira re s t a u ra ç ã o.

S e g u ro a b a i l a r i n a p e l a c i n t u ra f i n a e s i g o c o m o s d e d o s a s p re g a s d e s u a s a i a d e f i l ó .

S e u s b ra ç o s ab e r t o s a g rad e c e m o s a p l a u s o s , e s u a b o c a c o r d e ro s a s o r r i a o s o m d a s p a l m a s d e u m a e t e r n a p l a t e i a .

To d o o s e u c ab e l o l o u ro e s t á p re s o nu m c o q u e , e d e s l i z o m e u s d e d o s p o r s u a s p e r n a s b ra n c a s a t é a s s a p a t i l h a s c o r d e v i n h o.

C o l o c o a b a i l a r i n a n a m es i n h a d e v i d ro. To m o o m e u ch á c o m m a d a l e n a s .

Mamãe toca uma valsa de Chopin. A bailarina agradece. Mamãe se levanta do piano. Vai se arrumar pra receber visitas. Pega a bailarina e recoloca-a na prateleira de vidro, fechando a porta da vitrine que range devagar.

E n t ro n o a n t i q u á r i o d e Pe t r ó p o l i s .

Uma senhora de olhos azuis se queixa de dores na coluna, enquanto se abaixa pra retirar da vitrine uma bailarina de porcelana. Seguro-a nas mãos.

– Cuidado – me diz a senho ra de olhos azuis. – Quebra à toa. Por qualquer descuido, qualquer deslize.

– J á s o f re u mu i t a s re s t a ura ç õ e s ? – M u i t a s . M a s a i n d a s e e q u i l i b ra mu i t o b e m n a p o n t a d e s u a s s a p a t i l h a s c o r d e v i n h o.

S e g u ro a b a i l a r i n a p e l a c i n t u ra f i n a e s i g o c o m o s d e d o s a s p re g a s d e s u a s a i a d e f i l ó .

Pago um preço alto pela bailarina.

A s e n h o ra d e o l h o s a z u i s a c o m o d a a nu m a c a i x a d e p a p e l ã o e s c r i t o o n d e s e l ê “ f r á g i l ” .

Entro na casa do meu amigo, sentindo ainda o gosto de chá com madalenas.

Levo comigo a caixa com a bailarina. Meu amigo abre a caixa e tira a boneca do meio dos papéis de seda.

A bailarina agradece.

– É tão bonita! – diz meu amigo, segurando a bailarina pela cintura fina, e seguindo com os dedos as pregas de sua saia de filó.

– É p re c i s o mu i t o c u i d ad o. Q u eb ra à t o a . Po r q u a lq u e r d e s c u i d o, q u a l q u e r d e s l i z e .

Meu amigo toca os seus cabelos louros presos num coque e desliza seus dedos por suas pernas brancas até as sapatilhas cor de vinho.

– O n d e é q u e vo c ê a e nc o n t ro u ? – Reencontrei-a num antiquário de Petrópolis.

– Custou muito caro? – Uma viagem de muitos anos. Um balé improvisado cheio de evoluções.

Meu amigo coloca a bailarina em cima da televisão com muito cuidado.

A bailarina agradece.

A o s p o u c o s , vo u re t o rn a n d o d a v i a g e m , s u b s t it u i n d o o p i a n o d e C h o p i n p e l o C D d o A r n a l d o A n t un e s , e t ro c a n d o p o r v i n h o b ra n c o o g o s t o d e ch á c o m m a d a l e n a s .

Vou adormecendo nos braços do meu amigo, enquanto, livre das vitrines, a bailarina agradece.