“É claro que existe, aqui no Rio, essa política ‘para inglês ver’, mas percebi que essa gente que não quer sair do buraco existe também” S empre converso um pouco com um dos mendigos que ficam nas escadarias da Igreja de São João Batista. Fico impressionada por que vejo muita gente querendo ajudá-lo, inclusive eu, que já tentei de todos os modos levá-lo pra um asilo como já tinha levado, antes, um senhor de 72 anos que dormia em cima de um caminhão. Mas este concordou, e levei-o de carro até um subúrbio do Rio, um lugar com camas dentro de quartos limpos e comida. Este senhor me chamou quando estava morrendo, para se despedir, mas eu estava doente, no hospital, e não pude vê-lo, o que me deixou muito triste. Eu fiquei boa, graças a Deus, mas ele se foi e deve ter achado que eu não quis me despedir dele.
Até hoje, rezo pela alma daquele senhor negro, alto e de uma gentileza que fazia com que, em contrapartida, eu gerasse a minha própria na sua direção.
Mas nem todo mundo é assim.
Sobre esse outro mendigo da igreja, já me disseram até que ele teve apartamento na Rua Real Grandeza, em Botafogo, e trocou tudo por cachaça, o que gerou cada vez mais bebida, deixando-o caído na rua.
Sempre converso com ele, que às vezes vem falar comigo, todo contente, contando que algum dentista da rua, com pena da sua falta de dentes lhe fez um serviço perfeito na boca, parecendo coisa de rico. Mas esses dentes não duraram mais de um mês até ele voltar a ser aquele mendigo de sempre, barbudo, imundo e banguela como antes. Acho que é uma necessidade que algumas pessoas têm: a de se sentirem à margem da vida.
Acho a educação no Brasil lamentável, mas vejo também que existem pessoas que querem viver à margem do mundo, mesmo que tenham direito à ela. Outras senhoras também lhe ofereceram médicos, hospitais, mas ele fica lá um dia e volta para a sua vida escolhida Então, ontem, ele veio me contar que chegou um camburão, parou na porta da igreja e levou todos os mendigos para um abrigo, segundo ele, a duas horas daqui. Lá chegando, desovaram todos eles e foram embora imediatamente. Assim que saíram, um homem botou os pobres para fora e fechou as portas sem nem ao menos um café para eles tomarem, trancando a porta em seguida, o que fez com que os pedintes, de mendigo. É um problema psíquico ou de outra encarnação. Uma vez, roubaram o seu cachorro querido pelo qual ele dava a sua vida. Chorou tanto que a rua inteira passou a procurar o seu cão adorado, e eu até coloquei para ele uma notícia no jornal, mas o cão não apareceu, e ele ficou mais deprimido ainda. segundo o mendigo da igreja, andassem o equivalente à praia de Copacabana a pé até chegarem a um lugar com vida, onde todos tomaram um trem e voltaram para os seus lugares de sempre.
É claro que existe, aqui no Rio, essa política “pra inglês ver”, que finge cuidar das pessoas, construir casas, escolas, dar ensino, moradia ao cidadão, a maioria um fingimento, obras sem estrutura, sem o mais básico dos saneamentos, casinhas pintadas por fora, caindo morro abaixo no primeiro temporal.
Não estou dizendo que o governo Lula deixou de dar atenção a esse povo sofrido, melhorando a sua vida e dedicando-lhes grande parte de suas intenções, fazendo até com que o aluno de colégio público passasse na prova difícil do Colégio Pedro II, onde vários alunos de colégios caros tentam anos seguidos e não passam. É claro que o Brasil evoluiu bastante nos anos Lula, embora seja só um começo e ainda falte a continuidade de muitas propostas.
Mas percebi, também, que esse tipo de gente que não quer sair do buraco existe também, gastando a sua vida em cracks, cachaça e fazendo das escadas da igreja o seu ideal de habitação. Sei que é muito difícil chegar sem um tostão do Nordeste, por exemplo, sem conhecer ninguém, e ser macho o bastante pra correr atrás de emprego e vencer na vida fazendo muita força. Mas cheguei à conclusão de que existe esse outro tipo de pessoa que só quer se dar mal, e até largam empregos na televisão onde ganham bastante para deixarem de ser alguém, atraídos pela nostalgia do anonimato, do hábito de se dar mal.
Fui com um amigo visitar o NA e fiquei impressionada com a vontade de dar certo da maioria, e me deparei também com pessoas limpas, chorando muito por terem voltado ao vício e abandonado os amigos e a família de novo.
Como é difícil a vida, como temos de ser maduros sabendo ao certo o que queremos e lutando todos os dias para que consigamos vencer!