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Governo Lula negocia pacote bilionário com municípios na Marcha dos Prefeitos

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Por 'POLÍTICA JB com Agência Estado
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Publicado em 24/05/2024 às 07:27

Alterado em 24/05/2024 às 07:27

Presidente Lula durante a abertura da 25ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, no Centro Internacional de Convenções do Brasil Foto: Ricardo Stuckert / PR

Daniel Weterman - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negociou um pacote com impacto estimado - entre ações efetivas e promessas - de cerca de R$ 900 bilhões para municípios durante a Marcha dos Prefeitos, em Brasília, nesta semana. As medidas beneficiam as prefeituras em ano eleitoral e também servem como um aceno ao Congresso Nacional - mas, por outro lado, incluem ações que diminuem o controle sobre o dinheiro público.

O pacote do governo inclui desoneração da folha salarial das prefeituras em 2024, renegociação das dívidas previdenciárias dos municípios, extensão da reforma da Previdência para as cidades, pagamento de emendas parlamentares e um novo modelo de repasse de verbas para obras de até R$ 1,5 milhão, mais rápido e com menos controle (leia mais abaixo).

O impacto de R$ 900 bilhões, um cálculo feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), ao qual o Estadão teve acesso, soma os repasses diretos, o alívio nas contas e também o potencial da economia para os municípios em medidas que ainda dependem de aprovação. Ou seja, reúne transferências efetivas e promessas para o futuro, que podem nunca ser efetivadas.

O presidente Lula usou seu próprio discurso na marcha para anunciar as medidas, entre elas a manutenção da desoneração da folha salarial dos municípios em 2024, na terça-feira, 1º. As propostas estavam no radar do governo federal anteriormente e algumas já estavam em execução, mas o governo aproveitou a marcha para criar um clima positivo com os gestores municipais. “Não tem país rico com cidade pobre”, disse o presidente durante o anúncio.

A desoneração da folha faz com que os municípios paguem um alíquota menor, de 8% em vez de 20%, sobre os salários dos servidores, e havia sido vetada pelo chefe do Executivo federal. A economia é de R$ 12 bilhões para os cofres municipais, de acordo com a CNM. Para os próximos anos, porém, o governo propõe uma reoneração gradual, cujos detalhes ainda serão negociados em projeto no Congresso.

Lula também anunciou novos prazos e condições para o pagamento dos precatórios (dívidas judiciais dos municípios), que terão limite de acordo com a arrecadação das prefeituras e com o estoque dos débitos. Segundo a instituição que representa os prefeitos, a medida permite que um volume de R$ 196 bilhões em precatórios passe por novas condições de pagamento. Não é um perdão das dívidas, mas uma forma de pagamento mais benéfica para os municípios.

Outra promessa foi renegociar a dívida dos municípios com os regimes de previdência, mexendo no parcelamento e nos juros cobrados. O impacto com a redução de multas e juros com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é de R$ 86,2 bilhões, de acordo com a confederação. As dívidas com o Regime Geral e com os regimes próprios municipais que poderão ter parcelamento especial somam R$ 312 bilhões.

O governo federal também sinalizou apoio à ampliação da reforma da Previdência, aprovada em 2019 pelo Congresso, para os municípios. A proposta aprovada em 2019 mudou as regras de aposentadorias para trabalhadores em geral e servidores públicos federais, mas não mexeu com os benefícios dos funcionários estaduais e municipais.

Prefeitos avaliam que aprovar reformas por conta própria geram um desgaste maior nas cidades, e por isso querem uma extensão da reforma para os municípios. A aprovação depende de uma nova votação no Congresso Nacional, que a CNM defende, que atacaria as cidades com regimes próprios de Previdência. O texto chegou a ser aprovado pelo Senado em uma PEC paralela, mas está parado. De acordo com a instituição, a medida reduziria em R$ 308,5 bilhões o déficit previdenciário das prefeituras - que totaliza hoje R$ 1,1 trilhão.

Outra promessa de apoio é para a aprovação do projeto que permite que a União, os Estados e municípios vendam para o setor privado as contas que têm a receber (a chamada securitização). Com isso, por exemplo, um município que está cobrando uma empresa por um imposto não pago há anos poderá vender esse crédito no mercado. Quem comprar paga um valor para a prefeitura e passa a ter o direito de cobrar quem está devendo. Para os três níveis de governo, o impacto é de R$ 180 bilhões, mas ainda não há estimativa de quanto será repassado aos municípios, nem quais serão contemplados.

Haddad diz que governo simpatiza com medidas para ‘contornar constrangimento’ com municípios

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o governo “simpatiza” com essas medidas, após o atrito gerado pela decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender a desoneração da folha salarial para empresas e municípios a pedido do governo.

“Nós vamos buscar uma alternativa junto ao Congresso para contornar esse constrangimento, que é momentâneo, porque o que nós vamos fazer é muito mais do que está aprovado até aqui”, afirmou Haddad em entrevista ao canal institucional da CNM.

O governo também anunciou o pagamento de R$ 6 bilhões em emendas de bancada até esta sexta-feira, 24, e um repasse do Ministério da Saúde de R$ 4,3 bilhões para equipes de saúde em todos os municípios do Brasil. Fora esse anúncio, o governo pagou R$ 1,2 bilhão em emendas na segunda-feira, 20, valor recorde para um único dia no ano.

Governo vai repassar dinheiro antes do início de obras e sem análise de projetos

O governo Lula adotou um novo modelo de envio de dinheiro a Estados e municípios para realização de obras e compras de equipamentos, também anunciado durante a Marcha dos Prefeitos. O formato envolve o pagamento de recursos em parcela única, de uma só vez, antes do início das obras e sem análise prévia dos projetos apresentados pelas prefeituras e governos estaduais. Hoje, o repasse é gradual e depende do andamento do projeto.

Conforme o Estadão revelou, a proposta foi aprovada pelo Congresso para acelerar o envio de verbas a redutos eleitorais, mas foi vetada pelo presidente Lula e contrariou a Controladoria-Geral da União (CGU). De acordo com a CGU e com especialistas em contas públicas, o modelo diminui o controle sobre o dinheiro público e aumenta o risco de desvios.

No dia 9 de maio, o Congresso derrubou o veto à proposta que permitia o início das obras sem análise de projetos, com apoio do próprio governo. Outro item, que prevê a parcela única, deve ser analisado na próxima semana e também ser aprovado. A medida é apoiada pelo presidente da Caixa, banco controlado pelo PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira, e impacta diretamente as emendas parlamentares que passam pela instituição.

Durante a marcha, o governo publicou um decreto e duas portarias que permitem o funcionamento do novo modelo. Os municípios precisarão cumprir uma série de exigências para aumentar o acompanhamento das obras e a fiscalização do dinheiro, como assegurar a qualidade técnica dos projetos, registrar todo o andamento da obra na internet, em plataforma do governo federal, e ainda colocar uma placa no local com o QR Code do aplicativo para que o cidadão tenha informações sobre a execução e possa mandar elogios, reclamações e denúncias.

A essência do modelo, porém, foi mantida conforme o interesse dos prefeitos e dos parlamentares: dinheiro na conta de uma só vez e sem análise prévia dos projetos (etapa que só será feita depois que a obra estiver pronta). O modelo vale para contratos assinados pela União com Estados e municípios com valor de até R$ 1,5 milhão, que representam 90% do total e tem potencial de mexer com R$ 5 bilhões por ano. “Vocês percebem que a ideia aqui é facilitar a vida das prefeituras pequenas em fazer acordo de até R$ 1,5 milhão”, disse Lula.