POLÍTICA

Histórico! Parlamentar tem mandato cassado por racismo pela primeira vez no Brasil

'É coisa de preto, né?', disse o agora ex-vereador paulista Camilo Cristófaro em uma reunião virtual da Câmara de São Paulo

Por Gabriel Mansur
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Publicado em 19/09/2023 às 20:09

Alterado em 19/09/2023 às 22:21

Vereador Camilo Cristófaro (Avante) Afonso Braga/Câmara Municipal de São Paulo

Pela primeira vez na história, a Câmara Municipal de São Paulo cassou o mandato de um vereador por racismo. Trata-se de Camilo Cristófaro (Avante), que foi destituído do cargo, nesta terça-feira (19), de forma unânime (47 votos pela cassação e cinco abstenções), por quebra de decoro. Cristófaro foi denunciado em maio de 2022 pela vereadora Luana Alves (PSOL) por uma fala racista. Quem assume a vaga é o Dr. Adriano Santos (PSB).

A Câmara paulista é formada por 55 vereadores. Nem Cristófaro e nem a vereadora Luana Alves (PSOL), que representa a acusação, votaram no julgamento. Uma outra vereadora, Ely Teruel (Podemos), não compareceu à sessão.

A votação, conduzida por Milton Leite (União), presidente da Casa, aconteceu quase um ano e cinco meses depois do episódio, registrado em maio de 2022. Na ocasião, Cristófaro participava de uma sessão da CPI dos Aplicativos de forma remota, quando foi ouvido dizendo: “É coisa de preto”.

O vereador Marlon Luz (MDB) foi o relator do caso e deu parecer favorável à cassação do mandato do parlamentar à Corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo por avaliar que houve quebra de decoro. Luana, em sua fala no momento destinado à acusação, afirmou:

"Eu, que estava presente [à sessão em que o áudio vazou], nunca vou esquecer da expressão de todos os presentes naquela sessão que se sentiram violentados pela fala. Foi um desrespeito profundo a todos os que estavam presentes e a toda a população negra de São Paulo".

Entenda o caso

O caso de racismo ocorreu durante o depoimento de Claudia Woods, ex-CEO da Uber, e Thiago Henrique Lima, sócio da empresa de motofrete THL, em audiência pública na Câmara dos Vereadores. Cristófaro, que participava da sessão remotamente, esqueceu seu microfone aberto e disse: “varrendo com água na calçada… é coisa de preto, né?”.

O sistema de som captou a fala. Imediatamente o presidente da sessão, Adilson Amadeu (União), pediu que os microfones fossem desligados e, em seguida, suspendeu a sessão. Veja abaixo:

Em sua defesa, o vereador afirmou que falava de higienização de carros. Depois mudou a versão e admitiu a fala racista, mas disse que brincava com um amigo.

Versões

Na época em que o áudio vazou, o vereador do Avante tinha dado duas versões sobre a frase. Na primeira delas, ao justificar a fala para os colegas, o parlamentar afirmou em vídeo que se referia a “carros pretos que são f... e não é fácil para cuidar da pintura”.

"São 11h20 da manhã e estou fazendo uma gravação aqui. Estou dizendo exatamente que esses carros pretos dão trabalho. Que os carros pretos são f... Estou dizendo aqui que carro preto não é fácil para cuidar da pintura. Então, se a vereadora Luana olhou pro outro lado, 70% das pessoas que me acompanham, vereadora, são negros. Então, a senhora não vem com conversa. Olha só, estão lavando aqui. Estou dizendo que carro preto dá trabalho, que carro preto é f... dão mais trabalho para polir”, disse Cristófaro (veja vídeo abaixo).

Mais tarde, naquele mesmo dia 3 de maio de 2022, ao participar do Colégio de Líderes da Câmara com outros parlamentares, ele deu uma nova versão, dizendo que estava conversando com um colega negro, de nome Anderson Chuchu, a quem ele consideraria como um irmão.

“Eu ia gravar um programa que não foi gravado lá no meu galpão de carros. Eu estava com o Chuchu, que é o chefe de gabinete da Sub do Ipiranga, e é negro. Eu comentei com ele, que estava lá. Inclusive no domingo nós fizemos uma limpeza e, quando eu cheguei, eu falei: ‘Isso aí é coisa de preto, né?’ Falei pro [Anderson] Chuchu, como irmão, porque ele é meu irmão”, afirmou o vereador.

O parlamentar pediu desculpas pelo caso ao colegas de Câmara e disse que se tratava de uma “brincadeira” com o amigo.

“Se eu errei, é porque eu tenho essa intimidade com ele, porque ele me chama de carequinha, ele me chama de ‘veínho’. Nós temos essa intimidade. Ele é um irmão meu. (...) Se alguém se sentiu ofendido, e deve se sentir, eu peço desculpas por um contexto que eu fiz com ele e que ele faz comigo”, completou.

Absolvição na Justiça

Em virtude da fala vazada na Câmara, Camilo chegou a ser processado na Justiça pelo crime de racismo pelo Ministério Público , a pedido da vereadora Luana Alves (PSOL) - também autora do requerimento na Corregedoria que levou ao pedido de cassação do vereador.

Em 13 de julho, a Justiça de São Paulo absolveu o parlamentar. Na decisão, o juiz Fábio Aguiar Munhoz Soares afirmou que "era necessário que ficasse devidamente comprovada nos autos não somente sua fala, mas também a consciência e a vontade de discriminar, pois não fosse assim e bastaria que se recortassem falas de seus contextos para que possível fosse a condenação de quem quer que fosse".

O juiz ainda disse que "a fala do acusado, como se demonstrou de forma exaustiva pelas testemunhas ouvidas em juízo, foi extraída de um contexto de brincadeira, de pilhéria, mas nunca de um contexto de segregação, de discriminação ou coisa que o valha".

O Ministério Público de SP recorreu da decisão, e o processo contra o vereador está em análise na segunda instância.

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