Ministro Benedito Gonçalves vota pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro; seis ministros ainda votam

Relator considerou ex-presidente culpado por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação

Por GABRIEL MANSUR

Benedito Gonçalves, o relator, votou contra o recurso do ex-presidente

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retomou, nesta terça-feira (27), o julgamento que pode levar à inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por oito anos. A sessão começou com a leitura do voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, que durou mais de três horas.

Em um discurso sustentado por 382 páginas, Gonçalves votou pela cassação dos direitos políticos de Bolsonaro. Benedito considerou o ex-capitão culpado por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação no âmbito da reunião com embaixadores realizada em julho do ano passado, no Palácio da Alvorada, para questionar a lisura das urnas eletrônicas. No entanto, isentou o candidato a vice na chapa, o general Walter Braga Netto como inocente no caso. 

Antes de entrar no mérito da questão, o relator rejeitou o argumento da defesa do ex-presidente de que a inclusão da minuta do golpe na ação deveria ser anulada. "Apesar de posterior a abertura da ação, a minuta tem relação com a causa, defendeu Benedito Gonçalves". Ele lembrou que a inclusão da minuta já havia tido o aval do TSE em fevereiro.

Ele também afirmou que a liberdade de expressão deve ser respeitada, mas "não há como negar que a palavra de uma pessoa também pode causar danos à democracia". Ele destacou a migração das campanhas para as redes sociais e que o "novo cenário possibilitou novas formas de abuso do poder midiático e político".

"Não é possível fechar os olhos para os efeitos de discursos antidemocráticos. Já assinalamos que fatos inverídicos justificam direitos de respostas, nas campanhas eleitorais. Da mesma maneira, a divulgação de notícias falsas é capaz de vulnerar bens políticos e eleitorais", disse o relator, que incluiu, no seu voto, dados que dimensionam a "gravidade" dos discursos contra democracia.

'Reunião com Fachin foi diferente', diz Gonçalves

Benedito Gonçalves recusou o argumento da defesa de Jair Bolsonaro de que o ex-presidente do TSE, ministro Edson Fachin, teria participado de reunião semelhante ao encontro pelo qual o ex-presidente da República é alvo de processo na Justiça Eleitoral.

O relator argumentou que o encontro do TSE já era previsto no processo eleitoral como forma de transmitir transparência para missões estrangeiras, enquanto que a reunião de Bolsonaro no Alvorada teve como objetivo dar uma resposta ao encontro do TSE e colocar em dúvida o processo eleitoral brasileiro.

Abuso de poder político

Ao resumir a reunião de Jair Bolsonaro com os embaixadores, Benedito também afirmou que o evento foi organizado em poucos dias e que a "estrutura e serviço do Executivo foram rapidamente mobilizados para viabilizar a reunião'. Quase uma centena de convites foram disparados para chefes diplomáticos, lembrou o relator da ação.

"Os representantes assistiram por mais de uma hora uma apresentação mesclando elogios ao governo, relatos de um inquérito a ataque hacker, críticas a atuação de servidores públicos, ilações a respeito de ministros do TSE, exaltação às Forças Armadas e defesa de proposta de voto impresso. O improvável fio condutor de todos esses tópicos foi a afirmação que houve manipulação de votos em 2018 e que era iminente o risco em 2022.

Forças Armadas como papel central

Gonçalves alegou que as "Forças Armadas passaram a ocupar papel central na estratégia de confrontar o TSE no âmbito da normatividade de coordenação (das eleições)". O ministro destacou a quantidade de vezes que o Exército foi citado no discurso para os embaixadores.

“No discurso, (Bolsonaro) mencionou Forças Armadas por 18 vezes, com percepção superdimensionada do convite para integrar os testes das urnas. Já a palavra democracia apareceu apenas quatro vezes e em nenhuma com valor associado à realidade do processo eleitoral. O clima não passava despercebido pela comunidade internacional”.

Vantagem eleitoral

Segundo o voto de Benedito Gonçalves, a transmissão da reunião de Jair Bolsonaro com embaixadores, sobre ataques às urnas eletrônicas, garantiu vantagem eleitoral triplamente indevida à chapa.

“A transmissão da TV Brasil fez com que a mensagem se alastrasse rapidamente e produziu mais engajamento. O evento ocorreu quase um mês antes do início da propaganda eleitoral, momento no qual já era notícia a pré-candidatura do investigado, e possibilitou a projeção midiática de temas que foram explorados na campanha”.

'Conspiracionismo'

A prática de 'conspiracionismo, vitimização e falas intrusivas' foi explorada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para difundir dúvidas sobre o processo eleitoral de 2022, apontou Benedito Gonçalves.

Segundo o ministro do TSE, relator da ação, Bolsonaro "hiperdimensionou o convite às Forças Armadas para a comissão de transparência, utilizando-o para defender que Forças Armadas tomassem precedência em temas eleitorais técnicos".

Julgamento continua na quinta

Após o posicionamento do relator, os demais ministros votam na seguinte sequência: Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e o presidente do Tribunal, Alexandre de Moraes. O TSE já reservou a terceira sessão para esta quinta-feira (29).

Caso algum ministro faça um pedido de vista para suspender o julgamento, o prazo para devolução do processo é de 30 dias, renovável por mais 30. Com o recesso de julho nos tribunais superiores, o prazo subirá para 90 dias.

Na quinta-feira (22), no primeiro dia do julgamento, o TSE ouviu os argumentos apresentados pelos advogados do partido que protocolou a ação, a defesa de Bolsonaro e a acusação do Ministério Público Eleitoral (MPE).