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Por ADHEMAR BAHADIAN

Zohran Mamdani, o novo prefeito de Nova York

A derrota de Trump não foi apenas em Nova York. Ele é o primeiro a saber disso.

Claro que ele vai explorar o fato de o vencedor das eleições para prefeito se dizer socialista, imigrante e muçulmano. No livro das apostasias elitistas, os três qualificativos são anátemas.

Mas qualquer cidadão americano, a menos que seja um fundamentalista empedernido, sabe que as eleições expuseram o cansaço e o fastio do eleitorado, principalmente dos que acreditaram na fantasia do MAGA, com os pífios resultados da gestão Trump.

Econômicas ou políticas, as promessas de Trump não se cumprem. Imobilizado, o governo deixa ao relento, dentre outros servidores federais, os controladores de voos, o que anuncia, se não for corrigido a tempo, o mais caótico dos “Thanksgiving”, feriado mais importante que o Natal nos Estados Unidos.

A vida está mais cara para a classe média e intolerável para os que dependem do auxílio-alimentação. A política de saúde pública se apequena e torna indigentes os que dependem do atendimento médico, seja para adultos ou crianças.

A política de cerceio a liberdade de pesquisa e educação nas Universidades tende a fazer do patrimônio cultural dos Estados Unidos tão ou mais problemático do que numa sociedade teocrática.

Militarmente, os problemas não são menores. Deslocam-se porta-aviões nucleares para o mar do Caribe com o pretexto de combater o tráfico de drogas, argumento que não resiste à análise mais primária sobre o problema das drogas medicamentosas nos Estados Unidos. Um prepotente ministro da Guerra demite almirantes e generais que argumentam sobre estratégia militar preconceituosa e ideológica. A possibilidade de retomada de ensaios nucleares de novos armamentos ressurge no pacote de insanidade política.

A Suprema Corte do país finalmente se debruçou sobre a fantástica armação de aumentar tarifas alfandegárias como solução para um comércio exterior protegido contra todos os acordos subscritos historicamente pelo país desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Enfim, Trump esgota seu arsenal de artimanhas e agora não tem como argumentar que a retomada da insatisfação popular ainda seja um efeito do governo Biden. Os eleitores do Partido Democrata voltaram em inédita maioria às urnas. Neste passo, as eleições legislativas de 2026 darão maioria tanto na Câmara quanto no Senado americanos ao Partido Democrata, o que inviabilizaria de vez o projeto autocrático de Trump.

Este breve resumo, se de um lado aumenta as nossas esperanças de que em breve possamos retomar um trajeto mais construtivo de desenvolvimento no Brasil, por outro prisma nos impõe a mais delicada das tarefas diplomáticas.

A mais urgente delas, como é óbvio, é a impensável possibilidade de que o eixo das Américas, tanto no México quanto na Venezuela, seja militarmente ameaçado por uma hipotética guerra ou uma cooperação bélica não solicitada no alegado combate ao tráfico de drogas.

Aqui a tarefa diplomática de muito pouco adiantará sem que os partidos políticos brasileiros, independentemente de ideologias que privilegiem, saibam distinguir a soberania nacional dos Estados de eventuais arranjos multinacionais de combate ao crime de interesse internacional.

O tema não é estranho à agenda internacional e obedece a princípios e acordos internacionais. Nesta hora, é construtiva a criação de mecanismos democráticos de conciliação e análise onde predominem o estrito respeito à Constituição brasileira e a sua interpretação, papel exclusivo do Supremo Tribunal Federal.

Certamente a reunião da CELAC a que comparece o Brasil com o espírito de obediência aos instrumentos internacionais e regionais não poderá ter outra manifestação senão a de privilegiar o direito internacional e sobretudo o consenso internacional da Carta das Nações Unidas de que somos todos subscritores.

A interpretação fora desses parâmetros tenderá exclusivamente a transpor para nosso entorno regional soluções aparentemente mais consequentes, embora sempre eivadas de desprezo para consequências tanto patrimoniais quanto humanas.

O momento, portanto, é de extrema sensibilidade. A confusão involuntária ou não entre os resultados não desejados por correntes políticas e ideológicas autoritárias e o sentimento de normalidade regida pelo Direito Internacional, a que aspiramos todos os democratas, não nos deve permitir tergiversar sobre o interesse maior da paz regional e internacional.

E o Brasil, nesta hora, não pode senão confirmar o que, pela voz de nossos maiores, como o Barão do Rio Branco, Rui Barbosa e, mais recentemente, San Tiago Dantas, deixamos escrito na história de nossa convivência internacional.

O Respeito à Lei, ao Direito e à Soberania dos Estados.

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado