Operação 'Enxuga Gelo'
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28 de outubro, terça-feira, será lembrado como um dia sombrio, manchado de sangue. Nessa data, nos Complexos da Penha e do Alemão, aconteceu a chamada Operação Contenção, a ação policial mais letal do Brasil, deixando um rastro de 121 mortos.
Não houve, na história do Rio de Janeiro, chacina alguma praticada, nem por grupo de extermínio, ou por grupos armados, tão letal quanto essa.
Se olharmos para operações similares que já aconteceram na cidade, como a do Jacarezinho, em 2021, que deixou 28 mortos, veremos que o padrão e o resultado são sempre os mesmos.
Falta planejamento, mata-se inocentes – efeito colateral, diz a polícia –, interrompe-se unidades básicas de saúde, escolas são impedidas de funcionar e os moradores de ir ou voltar do trabalho, gerando impacto social enorme. Uma aposta irracional, que só ceifa vidas humanas.
No dia seguinte, a sensação é de que tudo continua igual. No caso da Penha e do Alemão, por exemplo, a polícia e o Estado sequer providenciaram a remoção dos corpos, que foram resgatados da mata por moradores no dia seguinte.
Não faz sentido insistir nesse tipo de operação. O fato é que, nos momentos subsequentes à matança, a vida retorna ao seu cotidiano, com a atuação ostensiva e opressiva de facções criminosas impondo suas regras próprias. Presença policial nas comunidades? Nenhuma. Ocupação de território? Zero. Estado buscando suprir as necessidades básicas, em áreas historicamente abandonadas, com projetos de educação, cultura, esporte e formação profissional? Nada. Por isso temos a impressão de “enxugar gelo”.
No governo Cláudio Castro (PL), a violência policial aumentou. Não é para menos: ele foi vice-governador de Wilson Witzel (alguém lembra dele?), que se elegeu com o discurso do “tiro na cabecinha” de bandidos.
Explorando ao máximo o tema da (in)segurança, principal preocupação dos brasileiros, segundo as pesquisas, Castro disse aos jornais que a operação foi um “sucesso” e que as únicas vítimas teriam sido os quatro policiais mortos.
Dessa vez, no entanto, as declarações vieram acompanhadas de uma pegada eleitoreira.
O governador classificou as facções criminosas de “narcoterroristas” – termo juridicamente inexistente no direito brasileiro – se apropriando da expressão usada pelos EUA há tempos, e que o governo Trump verbaliza agora para justificar os ataques a embarcações no Caribe e no Pacífico – fechando o cerco sobre a Venezuela e a Colômbia.
O ápice da exploração política foi um encontro, na última quinta-feira (30), dois dias após a chacina. Cláudio Castro reuniu, no Rio, quatro governadores para atacar o governo Lula e a PEC da Segurança.
Com a subida de Lula nas pesquisas e com Bolsonaro fora da corrida sucessória, o tema da Segurança passou a ser a boia de salvação eleitoral da extrema direita.
O caos que se instalou no Rio, na terça, fez barulho, chamou atenção e atrapalhou a rotina de todo mundo. Com ação espetaculosa, semelhante à Swat, o governo sinalizou à sociedade que estava fazendo o seu serviço.
Só que é um desserviço. Brutal, sanguinário e assassino. Essa é a marca de Cláudio Castro.
Chico Alencar é deputado federal pelo Psol do Rio de Janeiro. Este artigo foi publicado originalmente na Revista Fórum.