Manifestos destino e destinos

Por ADHEMAR BAHADIAN

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Ao que parece estamos voltando em marcha acelerada aos tempos e ódios da Idade Média.


O Destino Manifesto dos Estados Unidos se transformou no MAGA de Trump, e a guerra na Faixa de Gaza é a evidência mais clara de que o ódio ao povo palestino substituiu o comunismo que durante anos foi a “bête noire” do mundo ocidental.

Muito longe de nos aproximarmos da “Paz Perpétua” de Kant nos dirigimos a passos largos a uma devastação seja pela guerra nuclear seja pela indiferença aos nossos reiterados ataques ao meio ambiente.

O destino manifesto americano, por mais pretensioso e dogmático que tenha sido jamais nomeado, a virulência do MAGA, cúpula inegável do supremacismo branco para fazer ressurgir preconceitos raciais e religiosos dogmáticos, intolerantes e injustos.

A razão contra o islamismo, transformada em inimigo público primordial desde os ataques terroristas às torres gêmeas, nos leva às guerras religiosas da Idade Média. O Massacre de Gaza, a par de sua virulência militar, não esconde o cisma religioso.

Inegável reconhecer que tanto o neoliberalismo quanto o globalismo aumentaram os abismos colossais entre pobres e ricos, mas, muito mais graves, tornaram muito mais insuficientes os mecanismos de proteção social.

Pior ainda: o MAGA arriscou do mapa as regras de Direito Internacional incorporadas na Carta de São Francisco, fez da ONU um elefante branco e ferido às margens do East River.

O Destino Manifesto dos Estados Unidos se tornou o desatino indigesto de Trump que tornou as regras do comércio internacional uma espécie de “ganhos quem pode” aumentando tarifas sem levar em conta a “cláusula de nação mais favorecida” sem tocar nas regras leoninas de propriedade industrial. Enfim, uma espécie de regras só aceitáveis quando benéficas ou poderosas.

A defesa da expressão livre se tornou o código sagrado das “big-techs” que dela se vale para controlar a opinião pública e formar um conglomerado midiático sem controle das leis aplicáveis aos órgãos nacionais.

Desta forma, a livre opinião é, na realidade, censurada e controlada pelas leis e costumes dos Estados Unidos, onde de qualquer forma abundam a censura e o constrangimento sempre que há alguma forma de opinião desabonadora ao presidente em exercício.

A utilização de processos judiciais de valores astronômicos (vide a ação contra o “New York Times”) tende a sufocar a imprensa livre.

Desatinada também a pressão financeira sobre as Universidades que se recusaram a seguir uma política educacional de cabresto, como as vigentes nos regimes autoritários.

Constrange-se igualmente a política de saúde pública, inclusive a vacinação de crianças, com o reaparecimento de doenças já extintas como o sarampo.

Os exemplos poderiam ser multiplicados ora com fundamentos religiosos ou puramente retrógrados. Um bom exemplo é o constrangimento causado às mulheres e o direito ao aborto.

A defesa do capitalismo predatório extermina igualmente os sindicatos com argumentos claramente facciosos.

A ingerência nos assuntos de soberania nacional de países amigos é frequente e abusiva, tornando a própria geografia física dos países suscetível de ser invadida em nome do abastecimento de recursos naturais pelo hegemônico.

A ONU é vista especialmente por cortes financeiros e pelos órgãos de controle interno ou pelo serviço público de excelência reformado por meio de demissões sem justa causa.

A autonomia dos governos estaduais foi invadida por forças policiais nacionais sem prévia consulta aos governadores e o mapa da distribuição eleitoral nacional remexida de tal forma que a vitória da oposição seja cada vez mais difícil.

A insegurança de estrangeiros, mesmo daqueles contratados legitimamente por empresas americanas, aumenta a cada dia, e a monetização dos vistos de trabalho é objeto de oscilações imprevistas e abusivas.

O combate ao narcotráfico se confunde com quase intervenções militares em águas territoriais. Tudo está sob ameaça, mesmo os tratados internacionais legitimamente negociados e aprovados.

Neste passo, repito, a guerra sem limites e de extermínio se torna mais do que uma possibilidade.

A diplomacia de países como o Brasil se move em terreno extremamente movido a impor cautela constante.

Lamentável que nesta hora específica do Congresso Nacional possa considerar viável a importação deste desarranjo político como invejável e passível de ser imitado no Brasil.

Mais do que nunca a consciência nacional impõe escolhas sensatas e a manifestação mais contundente em 2026.

O Brasil não é mais o mesmo e pode ficar infinitamente pior.

As consequências que até hoje estamos sofrendo nos ensinam que não mais temos o direito de brincar com projetos de ditadores que nos confundem a todos com promessas de um Brasil subserviente.

Precisamos ser, antes de mais nada, brasileiros. E abrindo o olho diante de um renascimento bastardo do neocolonialismo dogmático.

*Embaixador aposentado