O eclipse do Rei-Sol

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Por ADHEMAR BAHADIAN*

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O Rei-Sol está a se derreter na Times Square. Ameaçar juízes da Corte Internacional de Haia de perderem seus bens nos Estados Unidos, por terem condenados réus protegidos pelo governo americano, ultrapassa qualquer bom senso civilizatório.

Já não são apenas os juízes do Supremo Tribunal Federal a merecer puxões de orelha. Escancara-se mais do que se imagina a filosofia do “Make America Great Again” (MAGA).

Qualquer analista desprovido de um fanatismo autoritário percebe que para a América ser grande de novo, os princípios básicos do Direito Internacional devem ser abandonados e nova ordem deverá se impor em estreita servidão ao pensamento estrábico do senhor Trump.

Pior. Até mesmo os princípios jurídicos da ordem interna dos Estados Unidos estão sendo revisitados de forma autoritária, e as principais áreas das cidades americanas são ocupadas por forças federais em evidente litígio com os governadores locais.

Trata-se, à primeira vista, de medidas salutares de “lei e ordem“, mas que não resistem a uma análise primária do Direito Constitucional americano. Trump tem obviamente um plano de reorganização do mundo. E em sua obvia megalomania, esta reorganização deverá ser à imagem e semelhança de seu criador. Trump não cogita convocar uma Conferência Mundial, sob os auspícios da ONU, para deliberar sobre a reconstrução da ordem internacional. Esta visão negociada não lhe interessa.

E não lhe interessa porque reabriria o debate internacional sobre o desenvolvimento econômico menos desequilibrado. Se há uma realidade inconteste, na visão geopolítica de Trump, é a eterna liderança econômica e política dos Estados Unidos. Desta forma, a globalização e o neoliberalismo deveriam ser repensados de tal forma que os Estados Unidos seriam uma autarquia sustentada pelos aportes de investimento do mundo todo no país.

Não é por outra razão que Trump sempre anuncia que os seus acordos tarifários - vide as declarações dele sobre os acordos com o Japão e a União Europeia - são acompanhados de compromissos - reais ou fantasiosos - de transferência de indústrias para os Estados Unidos.

As declarações de Trump sobre a questão dos produtos farmacêuticos são também ilustrativas. Segundo ele, nos próximos anos as tarifas aplicadas à Suíça por exemplo seriam razoáveis nos primeiros anos e posteriormente elevadas a níveis extraordinários, a fim de que sejam os produtos farmacêuticos produzidos nos Estados Unidos.

A doutrina Trump, que muito bem se poderia denominar de imperialismo do empobrecimento geral, implica uma reviravolta na política econômica dos Estados Unidos, principalmente dos anos 80 do século passado para cá. Implica necessariamente também numa revisão das regras e das leis internacionais sejam elas exclusivamente econômicas ou políticas.

Torna-se desta forma muito claro porque os Estados Unidos de Trump, e seus ideólogos mais audazes como Steve Bannon, necessitam subverter os mecanismos eleitorais de países democráticos com vistas a torná-los mais atraentes e dóceis aos investimentos americanos, chamando o investimento europeu ou asiático como inóspito ou predador. Ou Comunista.

É uma política que não se deve considerar como tacanha ou brutal, embora não há dúvida que a brutalidade inclusive física esteja bem defendida no manual dos seguidores de Steve Bannon.

Uma política de espoliação como esta não pode prescindir da luva de ferro do controle da comunicação pública e privada. Não é de espantar portanto a ira de Trump em direção às Universidades americanas, aos Institutos de Cultura e História - Trump, outro dia, disse que a escravidão nos Estados Unidos é excessivamente mal retratada - bem como a revolta de Trump com a televisão pública (PBS) dos Estados Unidos. Quem a conheceu lamenta muito.
Em contrapartida, não deveria espantar o apoio, inclusive selvagem, de Trump às “big techs” e sua revolta contra a "teimosia“ do Supremo Tribunal Federal do Brasil em tentar submetê-las às leis brasileiras. Trump chama isto de violação do direito de expressão.

Poderia continuar a alinhavar outros exemplos de ladina estratégia política de dominação. Mas acho de importância alvar a questão do uso indevido e às vezes malicioso da religião com fins políticos. Aqui no Brasil, as recentes declarações do senhor Malafaia merecem análise detida. No Mundo, a confusão entre sionismo e semitismo já mostrou sua face na Guerra na Faixa de Gaza.

Enfim, volto ao título deste artigo, como epígrafe: Confundir a noite com um eclipse é uma questão de cultura. Ou de covardia.

*Embaixador aposentado