ARTIGOS

A Ilusão e a Servidão (8) ou A Investida Neoliberal

Por ADHEMAR BAHADIAN *
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Publicado em 27/10/2024 às 11:34

Alterado em 27/10/2024 às 11:35

Sei que é cansativo ler uma série de artigos que se intercalam pelo menos uma semana entre um e outro e hoje, ao ver que este é o oitavo, me surpreendo por já estar há dois meses repisando o mesmo assunto.

Mas, estarei mesmo repisando o mesmo assunto? Recordo que ao iniciar esta série me comprometi a dissecar as diversas camadas de uma ideologia, que, por sua vez, acolheu várias denominações ao longo dos séculos - destino manifesto aqui, neoliberalismo ali -, todas porém a serviço de uma ilusão a nos magnetizar para uma servidão.

Imagino que ao longo desses dois meses, já tenha sido possível ilustrar as forças que o negociador de um país em desenvolvimento teve que enfrentar, pelo menos desde os anos 60 do século XX , e como, por serem insidiosas, essas forças tendem a confundir e a deslocar a bússola do verdadeiro interesse nacional.

Concentrei-me como é óbvio no caso brasileiro, mas o modelo descritivo pode ser aplicado à maioria senão à totalidade dos países em desenvolvimento latino-americanos e africanos e até alguns asiáticos, em especial à Índia.

E o problema central revolveria em torno da liberdade e do desenvolvimento ou, mais especificamente, entre Democracia e Desenvolvimento Econômico dos países saídos do jugo colonial e os países em fase de aceleração do crescimento, como, no caso brasileiro, pela substituição de importações e o estabelecimento de um parque industrial.

De qualquer modo, fosse qual fosse o país, se buscava a soberania nacional sobre os seus recursos nacionais e a maximização da renda auferida com a exportação de produtos primários.

No início dos anos sessenta do século 20, começa a ruir por terra o neocolonialismo a defender que haveria países à vocação agrícola e países em que a industrialização seria de rigor.

Países como o Brasil, embora dotado de recursos naturais para se tornar uma grande potência econômica, abrigava alguns economistas renomados que defendiam a “vocação agrícola” do Brasil, finalmente desmentida pelos anos JK.

No plano internacional, a dicotomia assume ainda outros percalços pela cisão trazida pela Guerra Fria em que os polos dos Estados Unidos da América e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas funcionavam como forças magnéticas entre o Capitalismo e o Socialismo.

Neste cenário, as negociações econômicas internacionais se tornaram campo de batalha não só a favor do desenvolvimento econômico, mas também picadeiro das potências nucleares a patrulharem supostos desvios de uma ortodoxia política nem sempre justificável diante de um pleito de simples ascensão econômica.

Para exemplificar, numa frase, tudo: a crítica à desigualdade econômica poderia ser interpretada como ataque à Democracia ou, em outras palavras, a aceitação de uma subordinação ou a imposição de uma regra discriminatória no comércio internacional, como simples conformidade com as regras “usuais“ do Direito Internacional.

O negociador internacional do Brasil, nos anos entre 1964 e 1974, viveu este dilema e alguns de nossos diplomatas pagaram um alto preço com a cassação de seus direitos políticos ou aposentadoria pelo Ato Institucional 5. Antônio Houaiss, um brilhante diplomata, um grande filólogo da língua portuguesa, professor de português de jovens do já desaparecido Colégio Paulo de Frontin, foi demitido do serviço diplomático brasileiro. Seu crime: ajudar os países africanos lusófonos nas Nações Unidas a redigir discursos contra Salazar.

Jório Dauster escreveu uma bela carta “aos jovens diplomatas“ em que relata os episódios que levaram à cassação do embaixador Jaime de Azevedo Rodrigues, chefe de nossa Delegação à Primeira Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), em abril de 1964.
E por quê? Por que escrever hoje sobre essas coisas penduradas no armário fechado da Diplomacia brasileira? Porque, daqui a menos de duas semanas, os Estados Unidos da América elegem novo presidente. E Trump, se eleito, já promete, como um Átila renascido, a destruição dos que a ele não se curvem.

Trump é a volta do destino manifesto, versão Vampiro II. E dele só poderemos esperar uma hostilidade tacanha a nossa política internacional. E o primeiro alvo desta ira - podem escrever - será uma pressão autoritária sobre nossas relações com a China, nosso principal parceiro comercial.

Mais uma vez estourei o meu espaço sem relatar o abuso das regras de patentes farmacêuticas que engolimos goela abaixo em nome da felicidade geral e irrestrita dos monopólios e oligopólios internacionais .

Domingo, prometo, enfrentarei esses morcegos.

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Em tempo: a atitude do poeta e acadêmico Antonio Cícero, diante da finitude da vida e a liberdade diante de nosso próprio destino, deveria merecer uma reflexão séria de nossa inteligência médica e política.
2. Ou será que para morrer sem dor ou sem deixar a família sem dívidas, o brasileiro terá que recorrer à solidariedade alheia.

*Embaixador aposentado

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