ARTIGOS

As ressacas estão chegando

Por ADHEMAR BAHADIAN

Publicado em 18/08/2024 às 10:34

Alterado em 18/08/2024 às 10:34

A nova Geni é a política externa do governo. Com tanta coisa acontecendo de bom e de ruim internamente, a política externa merece respeito e admiração.

Espanta a tendência de certos comentaristas a forma futebolística como tratam os temas mais espinhosos e complexos de nossa inserção nos diversos cenários do teatro internacional, preocupante e em visível fase de reacomodação de placas tectônicas. Inclusive aqui em nossas próprias fronteiras.

Outro dia li um comentarista a pontificar que Lula estaria a tratar a Argentina de forma emocional porque Milei o teria agredido. A frase deixava entender que por esta razão nossas relações com nosso vizinho mais importante estava ao sabor de egos e vaidades.

Nada mais fora de proporção. Basta ver o auxílio que o Brasil vem prestando à Argentina. O último deles ao aceitar ocupar-se dos assuntos diplomáticos e consulares dela após a expulsão do embaixador argentino da Venezuela.

Idêntico primarismo estamos a ver nas críticas que nos são feitas em relação ao mundo ocidental - leia-se Estados Unidos da América - não só nas questões relacionadas com a Venezuela, mas também com as guerras da Ucrânia e de Gaza.

Há quem acredite que o relacionamento do Brasil com a China e com a Rússia se pautaria por inclinações ideológicas de assessores do presidente quando não do próprio chefe de Estado.

Aqui o primarismo da crítica levaria a qualquer aluno do mais elementar curso de relações internacionais a espantar-se com a audácia do argumento.

Ainda outro dia, o mais credenciado analista do período dos governos militares no Brasil - Elio Gaspari - nos lembrava as dificuldades do presidente Geisel em restabelecer relações diplomáticas com a China, hoje nosso maior parceiro comercial.

Geisel teve que vencer resistências obstrucionistas até mesmo de generais de Exército contrários ao movimento diplomático. Geisel teria dito que talvez nosso destino seria ser uma colônia dos Estados Unidos da América se não nos relacionássemos soberanamente com a China. Ganhou a parada, mas teve que sufocar o golpe armado contra ele pelos que o consideravam esquerdista.

Aliás, desde os primeiros momentos do governo do marechal Castelo Branco corria a interessante mais equivocada doutrina de que nossas relações diplomáticas deveriam estar identificadas com os postulados da Doutrina de Segurança Nacional dos Estados Unidos.

Sofremos não poucos revezes com esta identificação acrítica com os interesses militares e econômicos externos daquele grande país, com quem acreditávamos ter uma relação especial, digna de nos granjear um “Plano Marshall”, como o concedido à Europa ocidental imediatamente pós-Segunda Guerra Mundial.
Aqui, o leitor poderia imaginar que recordarei a política dos Estados Unidos da América nas regiões deste hemisfério onde o Departamento de Estado não deixava de assimilar os projetos de grupos americanos - como a United Fruit - aos interesses do Estado.

Acho mais eloquente e instrutivo recordar as difíceis relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a França logo após o fim da Segunda Guerra até pelo menos a morte de De Gaulle, política em 1968 e física pouco depois.

Sobre este pouco conhecido episódio das diplomacias americana e francesa, sugiro a leitura do livro “L’ami american” de Eric Branca, (Perrin 2017). Assim como, num plano mais amplo da política externa dos Estados Unidos, recomendo “a política externa norte-americana e seus teóricos” de Perry Anderson (Boitempo 2015).

Após essas leituras, será muito mais compreensível o tabuleiro do poder internacional político sempre interligado ao poder econômico. E mais evidente ainda será confirmar que o neoliberalismo que nos influenciou nos últimos cinquenta anos abre agora as comportas das imensas ressacas que estamos a viver.

Finalmente, a compreensão clara dessas forças nos permitirá ver que delas não há apenas uma resultante, mas várias, que se apresentam diante do diplomata a serviço de seu país. E nenhuma delas deixará de ter um colorido ideológico, nem sempre a se conformar com o bem comum.

Importa, como exercício prático do que acima se disse, confrontar as propostas dos candidatos Trump e Harris e ver como se impõe, para um melhor destino deste século XX, que Kamala vença as eleições. O que não significa dizer que com aquelas propostas devamos concordar em tudo. Muito ao contrário.

Mereceria agora passarmos a ver os impactos do neoliberalismo na ideologia do chamado comércio livre, apregoado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) que dentre outros desvios trouxe para os consumidores do mundo todo intoleráveis, abusivas e vampirescas regulações na área de acesso a medicamentos e vacinas, ambições responsáveis por grande parte do morticínio causado pela COVID e sua sequelas.

Crua e francamente, meu amigo, com seu voto você não só defende a Democracia. Você protege as próprias tripas.

 

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EM TEMPO: seria tão bom, tão saudável, tão alentador se nas próximas eleições além dos prefeitos e vereadores, a gente pudesse mudar o Congresso e suas emendas secretas, ocultas e tal.

2. E agora, que a gente tem que se preocupar tanto com o presidente da Câmara alta e da Câmara baixa, não seria o caso de votarmos nos eventuais candidatos em eleições abertas ao eleitorado, sem obrigatoriedade de voto?

3. E já que estamos falando nisso, não deveria ser plausível, já que imitamos tanto os Estados Unidos, que os mandatos dos deputados federais fossem de dois anos? Não se permitindo mais de três mandatos sucessivos?

4. Finalmente, não deveria ser obrigatório que em cada reeleição, os deputados fossem obrigados a publicar suas emendas parlamentares e seus votos em matéria de direitos e deveres constitucionais?

5. E, para terminar, não deveria ser público, como nos Estados Unidos da América, que os deputados estaduais e federais, assim como os senadores, apresentassem suas vinculações, simpatias e investimentos com interesses privados (“lobbies”) que se beneficiam de leis e regulamentos, inclusive tratados internacionais submetidos ao aval do Congresso?

6. É uma garantia da Democracia e sobretudo do Constitucionalismo brasileiro ter um Supremo Tribunal Federal atento a suas atribuições.

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado

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