ARTIGOS

Melancolia

Por ADHEMAR BAHADIAN
[email protected]

Publicado em 30/06/2024 às 10:03

Alterado em 30/06/2024 às 10:07

Domingo passado recomendei a leitura do artigo do cientista político Marcos Nobre, publicado na revista “Piauí” deste mês. Falarei já dele.

Antes, devo avisar que um meteoro de largas proporções passou esta tarde de sexta-feira a 66 milhões de quilômetros da terra, distância considerada próxima em termos cósmicos.

Avisam os cientistas que em sua próxima volta, lá pelos anos 2090, o mesmo meteoro, com 800 quilômetros de comprimento, passará a 27 milhões de quilômetros deste planeta.

Não se sabe se, e quando, se chocará com a Terra.

Acho essas notícias puro humorismo cósmico, como se já não tivéssemos suficientes mísseis nucleares a varar as noites deste planeta com muito mais risco de nos evaporar do universo.

Ontem, nos Estados Unidos, por exemplo, foi ao ar um míssil desgovernado, de codinome Trump, que finalmente pareceu acordar aquele país para o risco que corremos todos ,caso o referido politicótico assuma a direção da segunda maior potência nuclear do planeta. (Dizem as más-línguas que a Rússia tem uma tecnologia nuclear mais devastadora do que a dos Estados Unidos da América.)

Em boa hora, embora já quase tardia, os grandes jornais como o “New York Times”, o “Wall Street Journal” e o britânico e renomado “The Economist”, com editoriais respeitosos mas incisivos, pedem a retirada do candidato Biden e a união de forças democráticas - uma frente ampla - para evitar a catástrofe de um novo mandato Trump.

Finalmente, a grande imprensa americana não usa subterfúgios para classificar Trump como um mentiroso contumaz de que se deve livrar a política americana em defesa do que ainda resta dos princípios democráticos e de respeito às leis constitutivas do Estado de Direito.

Marcos Nobre em seu artigo na revista “Piauí” já nos havia chamado a atenção para os riscos de um novo mandato Trump identificando o politicótico com uma direita extremada capaz de tudo para se manter no poder com uma das mais poderosas autarquias autoritárias. De tudo, entenda-se, inclusive, a guerra localizada ou total.

O primeiro ponto a reter do artigo de Marcos Nobre é o diagnóstico que ele nos propõe sobre a geopolítica mundial em que o neoliberalismo e a globalização, embora tenham mostrado insuficiências óbvias, jamais permitirão um retorno ao capitalismo nos moldes de uma social-democracia como tivemos em boa parte do século XX.

Nobre assinala que possivelmente se buscará um novo espírito de Bretton Woods como no pós-segunda guerra mundial quando se estabeleceram as regras das finanças e do comércio internacional. Sempre, não esqueçamos, sob a égide da moeda e do destino manifesto do hegemon.

Acresce Marcos Nobre que o movimento via um novo Bretton Woods, implicaria numa recomposição do Consenso de Washington, recomposição esta que se caracterizaria por uma “cara de pau” e um "cavalo de pau" ideológicos, formulação esplêndida que merece registro em todo e qualquer “aide-memoire”.

Posteriormente, Nobre nos adverte sobre a importância de entrarmos em negociação com uma direita dita progressista, talvez mais viável, digo eu, na hipótese de uma derrota de Trump nas próximas eleições.

Como ainda registra Nobre, a disjuntiva para um país como o Brasil, nesta hora em que se recria um neoliberalismo revisitado, é o tipo de opção, regressiva ou progressiva, que se logre negociar. A hipótese negociadora, no quadro de predominância da extrema direita, será amaríssima para um país como o Brasil, em que muito provavelmente, se regrediria a um estágio pré-industrialização, superado, aos trancos e barrancos, pelo processo de substituição de importações, hoje esgotado.

Nesta hipótese, a negociação se resumiria a impor um papel de corte colonial, em que o Brasil seria docemente constrangido a reassumir as funções de um país provedor de minerais estratégicos para tecnologias hoje em desenvolvimento, como o lítio e o nióbio.

A importância do artigo de Marcos Nobre se torna transparente com o símile sobre o meteorito que se aproxima da terra a passos preocupantes. Nobre nos desvia de observações sobre as quais temos pouco ou nada a ganhar, como a agenda hiperpolarizada de costumes e crenças. E o neo-fascismo politico, sempre de exaltação de um lado e exclusão de outro. Típico bipolarismo de feitio esquizofrênico, que cindiu o planeta no século XX, com a arrogância dos totalitarismos de esquerda ou de direita.

Nobre acentua a importância de uma agenda internacional com fulcro nos temas de sobrevivência do planeta, inclusive nas mudanças climáticas, e a importância de se evitar uma geopolítica centrada num novo comércio internacional de “países amigos”ou “like minded” o que, no caso brasileiro, seria fatal dada a nossa pauta exportadora. E na qual a primeira vítima será o agro-negócio. Lamento.

O artigo de Nobre mereceria mais, aqui apenas arranhei a crosta de uma pepita de ouro.

" Bon Dimanche”. Hoje, é dia de olhar a França.



XXXXX

 

EM TEMPO: Deixou-nos órfãos de mais um bom companheiro a partida do embaixador Luiz Henrique Pereira da Fonseca. Amigo de longa data, desde os anos setenta, quando ambos trabalhamos juntos na Missão do Brasil em Genebra, Luiz Henrique e Solange sempre foram amigos com quem o papo era sempre alegre e construtivo. Inteligente, simpático, Luiz Henrique fará imensa falta nesses tempos bicudos que estamos a viver.

2. Este artigo já estava escrito quando li o artigo deste sábado, em “O Globo”, de Thomas Friedman, cuja leitura recomendo. Espero que os Estados Unidos da América façam alguma coisa nas linhas sugeridas pelo autor. A hora é de grandeza. Será que o povo americano a compreenderá?

3. Parte do Congresso brasileiro, com suas estapafúrdias propostas sobre regressão de direitos fundamentais garantidos pela Constituição, sonha em mudá-la. As próximas eleições talvez mostrem que a maioria popular deseja é mudar o Congresso. Uma boa sinalização poderá já estar a caminho nas eleições municipais.

4. Tocante, com a marca de um estadista, as visitas de Lula a FHC e a José Sarney.

Deixe seu comentário