ARTIGOS

Quem cuida de quem cuida?

É urgente a criação da Frente Parlamentar em Defesa de uma Política Nacional do Cuidado

Por TALÍRIA PETRONE

Publicado em 13/06/2024 às 11:18

Alterado em 13/06/2024 às 11:18

O cuidado tem cara, sexo, cor e idade. Quem cuida, em geral, são mulheres, majoritariamente negras. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo, as mulheres realizam 76,2% do trabalho de cuidados não remunerado, dedicando 3,2 vezes mais tempo a essas tarefas do que os homens. Em 2023, no Brasil, 2,5 milhões de mulheres não trabalharam para cuidar de parentes ou das tarefas domésticas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados são claros e mostram que o tema precisa estar no centro da discussão política.

Todo mundo precisa de cuidado ao longo da vida. Nascemos bebês, envelhecemos e ficamos doentes. O direito ao cuidado precisa ser compreendido como direito humano. Por isso, temos que cuidar de quem cuida, valorizar as profissões do cuidado e refletir sobre a oferta do cuidado não remunerado. O investimento na América Latina em serviços de licenciamento e cuidados demonstra, por exemplo, um potencial significativo para a criação de empregos. Os cálculos da OIT estimam a geração de 25,8 milhões de empregos diretos e indiretos, em sua maioria formais e destinados às mulheres.

No Brasil, os quase quatro séculos de escravidão, o patriarcado e o racismo colocaram a mulher no lugar do cuidado. E as mulheres pretas têm a maior taxa de realização de afazeres domésticos (92,7%). Isso evidencia que o racismo estrutura todas as relações sociais brasileiras e o trabalho de cuidado, infelizmente, ainda é visto como lugar de servidão. Temos que estruturar uma rede de políticas públicas para enfrentar a sobrecarga das mulheres.

Em 22 de maio deste ano — mês que se comemora o dia das mães e também o 13 de maio (que aboliu a escravatura, mas não pôs fim ao racismo) — conseguimos avançar significativamente com a aprovação do PL das Mães Cientistas (Projeto de Lei 1741/2022) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado e no Comitê de Educação. O PL, de minha autoria, vai virar lei e garantir a prorrogação do prazo de defesa de dissertação de mestrado e tese de doutorado para mães, em virtude de nascimento ou adoção de filhos.

Temos muitos outros projetos. Sou vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e estou confiante que vamos avançar mais. Em abril deste ano, protocolamos a Proposta de Emenda à Constituição nº 14 (PEC 14/2024), que inclui os cuidados como direito social no artigo 6º da Constituição Federal. Agora, estamos lutando, em Brasília, para instituir uma Frente Parlamentar em Defesa de uma Política Nacional do Cuidado.

Cuidado é papel do poder público em todas as esferas governamentais. Na minha cidade, Niterói — que tem 481.749 habitantes —, por exemplo, cerca de 17,23% da população é idosa. É o terceiro município — considerando apenas cidades com mais de 100 mil habitantes — com maior porcentagem de população acima de 60 anos do país. No âmbito nacional, dados divulgados em outubro de 2023 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio do Censo Demográfico 2022, revelaram que o Brasil tem mais de 32,1 milhões de pessoas idosas, totalizando 15,8% do total da população brasileira. Sendo 51,5% mulheres e 48,5% homens. E, geralmente, cuidadores são majoritariamente mulheres. Então, quem cuida de quem cuida?

É necessário darmos visibilidade ao cuidado e progredirmos em termos de legislação. Em Niterói, queremos avançar na ampliação de uma rede de cuidado que permita a circulação na cidade.Precisamos de cozinhas solidárias, creche integral, acessibilidade e inclusão para PcDs. A política do cuidado, além de promover o progresso em direção à igualdade de gênero, permite a consolidação do desenvolvimento econômico e socialmente sustentável. A iniciativa é fundamental para o avanço da nossa democracia.

Talíria Petrone é deputada federal (PSOL/RJ), coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) do Clima da Frente Parlamentar Ambientalista e vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher

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