ARTIGOS

Destinos: manifesto ou incerto?

Por ADHEMAR BAHADIAN

Publicado em 26/05/2024 às 09:11

Alterado em 26/05/2024 às 09:11

Bem sei que o título desta nossa conversa de hoje parece letra de samba-canção. Imagino a voz sempre amorosa de Dolores Duran cantando “destinos…” ou a de Dick Farney, nosso assinatrado dos anos 50, a comparar esses destinos com os da Tereza da Praia.

Mas, não é nada disso, embora seja forte a tentação de largar tanto tema enviudado e partir para um aconchego de são dois para lá, dois para cá. Mas, vamos à pedreira.

A semana foi farta de novidades atemorizantes, mas tão atemorizantes, que prefiro sequer mencioná-las seja por nome ou cpf. Basta recordar as manobras militares da China em torno de Taiwan em resposta ao discurso destemido e desafiante de seu novo governante.

Não é hora, meus senhores, de acordar dragões. Até porque os dragões e os ursos esta semana lançaram um comunicado conjunto que nenhum interessado nas relações internacionais pode dar-se ao luxo de se abster de ler.

Prefiro me referir aos eventos mais próximos de nós e em especial ao encontro de empresários brasileiros e americanos em São Paulo, organizado e difundido pelo Valor, jornal ecônomico. Não sei se por coincidência na mesma semana em que um portentoso porta-aviões dos Estados Unidos da América navega pelas águas do Atlantico Sul, a anunciar a nova e renascida preocupação estratégica daquela super-potência, associada às marinhas e aeronáuticas sul-americanas, dentre as quais as nossas.

Estaríamos a reviver os últimos anos da década de 40 ou os primeiros dos anos 50, quando era usual os" marines “ andarem aos pares pela praia de Copacabana durante o dia e à noite pelos bares da Praça Mauá?
Naquela época me lembro que tínhamos uma biblioteca Tomás Jefferson ali pelo posto quatro, onde, às vezes. me aboletava para folhear a “Life" da semana. Bons tempos, que se foram principalmente com a Guerra do Vietnam. Tínhamos também as edições extraordinárias do Reporter Esso, na voz retumbante de Heron Domingues. Tudo isso pareciam-me folhas de outono, até que…

Esta semana inevitavelmente me fez lembrar do “Destino Manifesto”, que marcava os Estados Unidos como farol do mundo ocidental a que todos os países do Continente Americano deveriam seguir no Projeto “ A América para os americanos” que chegou a tentar a lucidez de nosso Barão do Rio-Branco, que se havia aproximado dos Estados Unidos durante os primeiros anos de sua gestão.

Como se sabe, durou pouco a ilusão americana que se revelou inteiramente na Segunda Conferência de Paz da Haia (1907), quando Rio- Branco pretendeu “ em tudo estar de acordo com os Estados Unidos”.
Foi ali que nosso representante Ruy Barbosa votou contra três das quatro propostas americanas. O próprio Barão do Rio - Branco telegrafou a Ruy Barbosa:

“Os países da América Latina foram tratados (…)com evidente injustiça . É possível que renunciando à igualdade de tratamento (…)alguns se resignem a assinar convenções em que sejam declarados e se confessem nações de terceira, quarta ou quinta categoria. O Brasil não pode ser deste número (…) Agora que não mais podemos ocultar a nossa divergência, cumpre-nos tomar aí francamente a defesa do nosso direito e do das demais nações americanas”.

A citação acima foi retirada de “ A diplomacia na construção do Brasil” de Rubens Ricupero. Rubens dispensa apresentações pois é sabidamente um homem de Estado a se revelar também fino e profundo historiador de nossas relações diplomáticas.

Uma das mais interessantes entrevistas dada ao Valor por ocasião do encontro de empresários a que me referi acima foi exatamente de Rubens e dela pretendo recordar aqui um ou dois pontos que me parecem de extrema clareza e lucidez para entendermos não só a realidade histórica , mas também os riscos que estamos a correr nesses tempos tumultuados.

Perguntado sobre como via a relação entre o Brasil e os Estados Unidos nos governos imediatamente anteriores aos atuais, Ricupero acentua ser não uma relação de governos mais sobretudo uma relação de personagens, entre Bolsonaro e Trump. Esta frase, de forma lapidar, esclarece os equívocos que informaram a Diplomacia brasileira, mas não apenas ela, naquele tempo em que se transitou de uma diplomacia brasileira para uma diplomacia a serviço de um “destino manifesto”.
Na mesma ocasião, e no mesmo Jornal Valor, em entrevista por ele concedida, o embaixador Thomas

Shanon, ex-representante dos Estados Unidos das Américas no Brasil, perguntado, assim se pronunciou : ( uma eventual vitória de Trump) “significaria (…) anos de conflito político nos Estados Unidos. O que provavelmente enfraqueceria nossa posição internacional. Para o Brasil, seria um grande impulso para os partidos de centro-direita, que veriam isso como sinal de que um retorno ao governo seria possivel”
Finalizo, como comecei, com um samba canção, desta vez na voz ( que voz!) de Gal Costa, interpretando “Fim de Caso”. “Eu acredito que o nosso caso está na hora…."