ARTIGOS

Os 65 anos da Casa de las Américas e seu prêmio literário

Por RICARDO A FERNANDES

Publicado em 10/05/2024 às 13:13

Alterado em 10/05/2024 às 13:13

O mês de abril marcou os 65 anos da Casa de las Américas, uma das mais importantes instituições culturais da América Latina. Fundada em 1959 pela camponesa, guerrilheira e intelectual Haydee Santamaría, a Casa teve o início das comemorações do seu aniversário marcado por um evento realizado no imponente salão Che Guevara, no terceiro piso do edifício onde fica a sede, em Havana. Os principais veículos de imprensa cubanos cobriram a cerimônia.

Merece destaque o fato de que as celebrações se seguiram a um dos mais antigos prêmios literários latino-americanos. Criada quatro meses depois do início da Revolução Cubana com o objetivo de estabelecer vínculos entre escritores e artistas da América Latina e Caribe, a instituição tem no Prêmio Literário Casa de las Américas um dos seus símbolos mais representativos.

As palavras inaugurais do prêmio couberam a Arturo Árias, escritor guatemalteco laureado em 1979 e 1981 e presidente do júri. Em frente à Árvore da Vida, escultura feita pelo artista mexicano Alfonso Soteno, com seis metros de altura e mais de duas toneladas, Árias destacou a importância de avaliar obras literárias não apenas por sua qualidade artística, mas que considerem também a luta dos povos pela preservação de sua cultura: “Devemos ter esses gestos em conta ao analisar as obras no seu duplo registro: como realização artística e como perspectiva descolonizadora para confrontar criticamente o mundo eurocêntrico.”

A frase é atual. Ameaças à cultura e à liberdade são uma constante para os cubanos, acostumados com o embargo imposto pelos Estados Unidos. A situação de momento, entretanto, é uma das mais graves enfrentadas pelos caribenhos nas últimas décadas. Não bastasse a epidemia de covid e a recente passagem do furacão Ian, uma das últimas ações tomadas por Donald Trump foi a aplicação de 243 medidas que estrangularam ainda mais a economia do país insular. Uma delas impede a qualquer embarcação aportar no país norte-americano nos seis meses subsequentes à passagem por Cuba. Tudo controlado por satélites. E tudo, certamente, será registrado em futuras obras literárias.

Quem sabe a sereia coroada, no centro da Árvore da Vida, conhecedora dos mares e dos caminhos das embarcações, sirva de inspiração aos habitantes da ilha para superar mais esse desafio, preservando a cultura e liberdade não apenas dos cubanos, mas de todos os países da América Latina. Isso inclui o Brasil.

Este ano, tive a satisfação de fazer parte do corpo de jurados, como representante da União Brasileira de Escritores. Na biblioteca da Casa, pude ter acesso a dezenas de milhares de exemplares de literatura de cordel, além de traduções de autores como Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade, entre muitos outros. No discurso de encerramento, Jorge Fornet, diretor do centro de pesquisas literárias e estudioso de Machado de Assis, destacou a importância de intelectuais como Paulo Freire e Darcy Ribeiro para a construção e preservação do acervo cultural da instituição.

Em 2025, assim como em 2023, haverá uma categoria para autores brasileiros. Será a chance de fazer parte da exclusiva lista de vencedores, que na 64ª edição premiou os livros Buenos Aires, fin de otoño, de Guillermo Adrián Paniaga (Argentina), na categoria novela; La piel de la tierra, de Marina Jurberg (Argentina), como melhor peça de teatro; Hace tiempo que caminas. El testimonio andino de la violencia política em el Perú, de Betina Sandra Campuzano (Argentina), foi a obra vencedora na categoria Ensayo de tema artístico-literário e como melhor obra para crianças e jovens o livro escolhido foi El latido de los días, de Mario Carrasco Teja (México).

No livro Hay que defender la vida, sobre Haydee Santamaría, falecida em 1980, os autores Jayme Gómez Triana e Ana Níria Albi Díaz citam a importância das ideias da fundadora da Casa de las Américas para a promoção da cultura e da solidariedade a causas progressistas em todo mundo. Em Cuba, no Brasil e nos Estados Unidos, onde estudantes da Universidade de Columbia são reprimidos por defender a vida e a liberdade de um povo.

Escritor, publicitário e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE). Autor do romance “Através”.