ARTIGOS

Ainda o Brasil do Bem

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 14/04/2024 às 09:27

Alterado em 14/04/2024 às 09:27

Meu artigo da semana passada levou alguns de meus leitores a me agraciarem com o epíteto de "ingênuo”. Não me ofende a suposta ironia. Desde os meus 18 anos de idade, quando me formei no Colégio São Jose - ainda por cima orador da turma - guardo a advertência de Sócrates, que nossa turma escolheu como lema de nossa formatura: “Sei que não sei nada“.

Tenho o maior respeito pela divergência de ideias e se há algo que me tira do prumo é o totalitarismo ideológico, onde não há espaço para a entrelinha do diálogo ou até da discrepância.

Pareceu ingênuo que eu tivesse a ousadia de buscar, nestes tempos tumultuados em que vivemos, um lado bom do Brasil e até insinuasse nossa fortuna como país e nação capaz de participarmos de forma crescente e sempre determinada na construção de um mundo melhor e mais solidário.

Certamente outros mais bem versados do que eu no estudo das relações econômicas internacionais poderão explicar de forma mais detalhada o que resumidamente exporei a seguir.

De qualquer forma, não hesitarei em recomendar os livros de Celso Furtado, Carlos Lessa, Antonio Castro, Mario Henrique Simonsen (Macroeconomia), José Fiori, Andre Lara Resende no Brasil, e Stieglitz, Acemoglu e Hobsbawm, fora do Brasil, como os primeiros nomes que me veem à mente como semeadores das percepções que descrevo nesta crônica. Logicamente, eventuais distorções do pensamento destes mestres se devem única e exclusivamente a mim próprio.

Concordo que estamos a viver uma das fases mais complexas e tumultuadas desde a Segunda Guerra Mundial e percebo a racionalidade nos que temem que apenas um conflito regional ou até mundial seria capaz de redirecionar nosso futuro neste planeta. Ou para acabar de vez com ele.

As guerras, principalmente as que envolvem Rússia e Ucrânia, Israel e Hamas na faixa de Gaza, além da possível entrada do Irã e dos Estados Unidos no conflito, são de molde a aterrorizar todos os homens sensatos deste mundo, com a possível exceção de autocratas psicopatas fantasiados de salva-pátrias ou de semideuses. Merece também, menção honrosa a cupidez do estamento industrial-militar sobre o qual nos alertou faz tempo o presidente Eisenhower.

A esta turbulência militar se vem juntar a crise econômica que, desde 2008, não nos deixou e está na raiz do maior nó ideológico com que nos vemos enredados sobretudo no Ocidente.

Compartilho igualmente do pensamento que atribui a causa desta crise econômica ao esgotamento do modelo neoliberal trazido por economistas como Mies e aprofundado pela ideologia de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, acolitada pela globalização e seus defensores e vigários, em especial Milton Friedman e o Consenso de Washington.

Hoje em 2024, tal como vejo o panorama desta ponte à beira de ser desmoronada por um cargueiro descontrolado, a situação política internacional vive uma estranha alegoria como se estivéssemos à espera de Godot, embora saibamos que Godot não passa de uma mistificação ou um simples devaneio psicótico.

O neoliberalismo - está mais do que provado - provocou distorções graves no sistema econômico internacional, com o aumento inquestionável dos ricos e o empobrecimento invulgar dos pobres. Não é opinião é estatística.

As propostas de semideuses como Trump são particularmente ilustrativas. Trump pretende convencer o eleitorado mundial que as dificuldades que estamos a enfrentar decorrem do “sistema”, entendendo-se por sistema a governança mundial que deve ser combatida para voltamos a uma América grandiosa como sempre e ordenadora de uma política externa hegemônica "benéfica aos cidadãos do mundo".

Ocorre que Trump, astutamente, nos esconde seu mais do que óbvio compromisso com a autocracia de um lado e com o neoliberalismo sem peias de outro.

Financiado pelos maiores conglomerados financeiros, Trump tem proposta de governo absolutamente protecionista e estimuladora de um ultranacionalismo de forte viés autoritário. Como se não bastasse, Trump se insurge contra direitos das mulheres sobre seu próprio corpo e destino, opõe-se aos casamentos não heterossexuais e retrocede a uma América infinitamente mais primitiva e belicosa deste quase um quarto de século.

Lamentavelmente, Trump representa uma força ideológica seguida no Brasil pelos que não querem que as grandes empresas sejam disciplinadas por leis e regulamentos a impedir o abuso do poder econômico parasita da sociedade sempre a solicitar privilégios e benesses descabidas.

O Brasil tem Constituição Federal que delineia nosso pacto social. Que determina os procedimentos entre o capital, o trabalho e os poderes da Nação. Hoje, parece haver um esforço patético para fazer dela um instrumento de cisão da sociedade brasileira, quando na realidade ela é fruto da dor e da experiência surgidas de quase trinta anos de obscurantismo cívico.

Finalmente, o Brasil é um dos únicos, senão o único, país do mundo com recursos humanos, materiais e naturais para se associar a um movimento saneador de nosso destino neste planeta.

As propostas de reversão de nosso destino como grande nação deste século são infelizmente tingidas de sangue lesa-pátria ou da mais deslavada corrupção. Ou dos dois crimes ao mesmo tempo.

 

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado