ARTIGOS

Os vindos de fevereiro

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 11/02/2024 às 08:24

Alterado em 11/02/2024 às 08:24

Desde os tempos dos Césares, aprendemos a temer os idos de março. Surgem agora os (bem) vindos de fevereiro. Aqui e nos Estados Unidos da América. Em ambos países apura-se a exata legalidade dos ritos democráticos, papel da justiça - e apenas dela - como poder soberano na defesa do Estado Democrático de Direito na exegese do texto constitucional.

Primeira constatação: não estamos diante de um problema político, mas sim de um desafio constitucional, cuja solução depende da exata interpretação da lei. Por quem esteja expressamente autorizado a fazê-lo. Toda e qualquer outra interpretação, por mais rebuscada seja, configura mera subversão.

Segunda constatação: tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos da América há especifica e inquestionável instituição para decidir a questão por maiores ou piores sejam suas consequências politicas, econômicas ou sociais. Nos Estados Unidos, a Corte Suprema. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal. Não se admitem interpretações "ad hoc“ como estamos a ver em emendas orçamentárias.

Aceitas as duas primeiras constatações, impõe-se uma terceira: qualquer tentativa de subverter o caminho judicial inscreve-se de imediato em flagrante violação do pacto social democrático consubstanciado nas Constituições respectivas dos Estados Unidos da América e do Brasil.

Dentro desta moldura, isenta de paixões e ideologias, não há porque temer o desatino de qualquer forma. A rejeição da solução judicial, configura fratura do pacto civilizatório passível de sanção penal.
Tanto nos Estados Unidos da América, quanto no Brasil. a questão nodal se concentra no respeito ao princípio básico da Democracia: o poder do povo em manifestar sua preferência eleitoral, de acordo com os preceitos constitucionais inscritos nas Constituições.

No Brasil, o preceito constitucional é claro. Nos Estados Unidos também. Em ambos, há mecanismos universalmente aceitos de fiscalização da lisura do processo eleitoral.

Em fevereiro de 2024, a Corte Suprema dos Estados Unidos deverá fundamentalmente responder a um desafio colocado pelo candidato putativo do Partido Republicano. Em síntese, argumenta o candidato que os eventuais erros e eventuais crimes que tenha cometido em seu período como presidente da República não podem impedir seu direito de concorrer novamente em 2024.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal julgará se houve delito na atuação de ex-presidente ao acusar as urnas eleitorais brasileiras de serem fraudadas e ao mesmo tempo incitar o não-reconhecimento dos resultados eleitorais. Movimento atentatório ao Estado Democrático de Direito.

A Democracia talvez não tenha sido tão violentamente desafiada em seus princípios básicos como está sendo nos dias que correm. Em muitos países autocráticos governos, se perpetuam através de mecanismos de aparência legal, em que, por exemplo, o líder do governo logra sujeitar as cortes superiores aos seus postulados ideológicos.

Tanto no nazismo de Hitler quanto no comunismo de Stalin a história nos ilustra aonde nos levam nossos supostos super-homens. E como diz a sabedoria popular, o caminho do inferno está atapetado de boas intenções.

Não acredito na falsa afirmação de que a história se repete. O que sim acredito é que a personalidade narcísica pode nos infestar como a Peste. E a Peste, sabemos por experiência, não respeita fronteiras. E adora estultices.

Daí a importância de nos unirmos na defesa de nossos direitos constitucionais e zelarmos para que nossos juízes supremos sejam intimoratos e irredutíveis defensores do Estado Democrático de Direito.
Viremos esta página e retomemos nosso caminho na defesa de nossa soberania política, de nosso desenvolvimento econômico, na eliminação de nossos abissais desníveis sociais.

Sobretudo deixemos de lado os antagonismos estéreis que, por tempo mais do que indevido, salpicaram de ódio nossa vida familiar, religiosa e cívica.

Brasileiros somos todos. E como sempre dissemos: o Brasil é nosso.

Fora daí, estaremos em marcha batida para negação de nossa dignidade e para a emasculação de nosso caráter humano.

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado