ARTIGOS

Ano Novo, escolhas antigas, contradições atuais

Por CRISTIANA AGUIAR
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Publicado em 29/01/2024 às 08:46

Alterado em 09/02/2024 às 21:06

A coerência entre o falar e o agir não é necessariamente uma tarefa muito fácil; se adicionarmos o sentir, compondo assim o tripé da integridade, parece que dificultamos ainda mais. Evidenciando isso, o apóstolo Paulo, em uma de suas cartas, disse: "Não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço".

Em um mundo onde as questões ESG (sigla em inglês para as palavras meio ambiente, social e governança) são pregadas como algo muito além de um modismo, como lidar com o crescimento e avanço da indústria de defesa?

A notícia de um mundo mais beligerante é triste, porém verdadeira. Há uma sinalização clara e alarmante das frágeis relações geopolíticas (quando ainda existem relações). Recentemente, foi divulgado o aumento da procura por mais armas por parte de grandes nações, em virtude dos três anos de guerra da Rússia contra a Ucrânia, dos conflitos entre Israel e Hamas e das tensões no Líbano.

Alguns países têm comprado mais armas, munições e equipamentos para guerras, doações a aliados ou reforços de suas reservas. Contraditório pensar em cuidar e preservar, ao mesmo tempo que nos equipamos para matar.

Vivemos em uma era em que falamos de IPO humano, onde um indivíduo tem valuation da personalidade, de acordo com os ativos que possui. Como podemos mensurar o valor de uma pessoa? Essa já seria uma questão para outro artigo.

Num tempo em que a inteligência artificial avança ao ponto de desenvolver uma capacidade para discernir o significado do choro de um bebê, conforme demonstrado na CES - Consumer Electronics Shows 2024 (em uma tradução livre, Demonstração de Eletrônicos para Consumidores), a maior feira de eletrônicos para consumo do mundo, contudo, mal conseguimos cumprimentar nossos vizinhos.

Vamos distinguir eletronicamente o choro de bebês desconhecidos e não conseguimos perceber as necessidades das pessoas que nos cercam.

Temos tecnologia para prever o futuro e até mesmo para ampliar os prazeres dos adultos, mas não somos capazes de iniciar uma conversa informal na fila do supermercado.

Criamos analogias inteligentes, como a relação entre velejar e a liderança corporativa, o que, por sinal, tem muito em comum em função da adaptabilidade necessária em ambos os casos, mas não conquistamos um engajamento genuíno dos colaboradores nas empresas em que atuamos.

Falamos do modelo de trabalho híbrido, entendemos que ele traz ganhos de qualidade de vida, mas não conhecemos suficientemente a nossa equipe a ponto de confiar nela. Trabalhamos então no modo 100% presencial, a fim de obter maior controle das entregas.

Como nos livrar de tanto antagonismo?

A complexidade da vida não nos ajuda muito, mas a autoavaliação e o autoconhecimento, sim, podem auxiliar bastante. Conhecer a si mesmo ajuda a entender melhor o outro, até porque eu consigo perceber e corrigir, caso necessário, as lentes dos meus "óculos".
Identificar quais são os nossos vieses comportamentais aprimora a visão, amplia o nível de consciência. A conscientização comportamental não apenas melhora o nosso bem-estar, ela melhora a sociedade como um todo.

Como disse certa vez Madre Teresa, "se você quer contribuir com a paz mundial, comece amando a sua família."

Não é privilégio da nossa geração a busca por eficiência. Temos sim a vantagem de haver mais conhecimento e tecnologias disponíveis para atingir níveis cada vez mais assertivos, no entanto, o discernimento aparenta ainda estar distante.

Dando ênfase no mundo corporativo, produtividade x eficácia é o que se discute atualmente. Temos visto a nova onda de demissões nas empresas de tecnologia, em função da crescente busca por perfis mais estratégicos, a fim de protagonizar os avanços da inteligência artificial.

Por mais que estejamos progredindo, o êxito depende do comportamento humano, fundamentalmente de suas relações interpessoais. Será que temos desenvolvido nossa capacidade de fazer conexões? Será que ampliamos nossa capacidade de contribuir e colaborar? Será que o aumento do conhecimento tem gerado mais empatia?

Nos comunicamos bem, ou nos transformamos em avatares digitais? Usamos filtros para melhorar a nossa imagem, mas subtraímos os freios para transmitir mensagens agressivas de forma online.

O sucesso e a qualidade de vida que buscamos sempre estarão atrelados à quantidade de relações saudáveis que construímos. É possível utilizar vários recursos, mas é essencial aprender a se importar. Vidas importam!

Ao internalizarmos isso, edificaremos lugares, sejam eles existenciais ou físicos verdadeiramente coerentes. Mais do que levantarmos bandeiras, é preciso alinhar o discurso à ação.
Temos um ano para recomeçar e uma vida para evoluir. Que a poluição luminosa causada por milhares de satélites nunca possa roubar totalmente o brilho das nossas estrelas.

Bem-vindo ao ano 2024!

Cristiana Aguiar. Economista, especialista em gestão de negócios e pessoas. CEO da Jeito Certo Consultoria