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Natal

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 24/12/2023 às 08:43

O melhor deste Natal foi sem duvidar chegarmos a ele. E, melhor ainda, com um Brasil que se recupera, volta a crescer, reassume seu papel construtivo no cenário conturbado deste 2023.

O melhor Papai Noel foi o do próprio Congresso Nacional que se permitiu cortar o salário mínimo, as verbas do PAC e da Farmácia Popular em nome de sinecuras diversas. O país olha perplexo e se pergunta se não há aí uma estratégia maliciosa contra a Democracia.

Não quero levantar nuvens aziagas num dia em que se espera um passo absolutamente necessário de aproximação entre nós, por cima de ideologias ou de convicções a nos separar de um diálogo inteligente em favor de nosso futuro como nação e como uma das maiores economias do mundo.

Hoje, nosso maior desafio é não voltar a um passado supostamente melhor que o presente, mas carregado de tinturas de um totalitarismo regressivo, onde a civilização ocidental aproxima-se perigosamente dos mesmos mitos que nos levaram à Segunda Guerra Mundial, ao fascismo, ao nazismo. Ao cogumelo nuclear.

O pior que nos pode acontecer é acreditar que somos um país avesso à violência, graças à tão decantada e sempre desmentida convicção de que “somos um povo cordial”. Me provocam calafrios que comecem a chegar a nossas discussões políticas uma hostilidade larvar contra imigrantes, contra políticas sociais de igualdade de acesso à educação e saúde. O que começa a se desenhar na Argentina, a arrogância que se instalou na Venezuela contra a solução pacífica de conflitos fronteiriços são avisos que não podemos desprezar.

Acima de tudo, o que de longe pode nos levar a situações-limite é a crescente intolerância religiosa, semente fatal num país de sincretismo religioso como o nosso. A mistura - nitidamente importada - de racismo religioso é o câncer que se instala em nosso corpo social e deveria promover um movimento ecumênico contra a intolerância religiosa e sobretudo contra a interferência de credo nas decisões políticas.

Este é um Natal em que pretendo muito ouvir e pouco falar. Não me considero mais ilustrado de qualquer de meus concidadãos. Respeito todas as visões sobre o futuro de nosso país, mas repudio que se queira instalar aqui modelos em que as competências dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sejam misturadas ou seletivamente suprimidas.

Temos a boa ventura de dispormos de uma Constituição como a de 1988, reconhecida como das mais modernas e democráticas que jamais tivemos. Nela se encontram as pautas de nossa trajetória como cidadãos solidários, determinados a reduzir sempre as injustiças sociais a fazerem de nossas grandes cidades dormitórios a céu aberto de uma população marginalizada no sentido exato da palavra.

Preocupa, finalmente, o que estamos a ver não só em nossa vizinhança mais próxima, mas também a possibilidade de que nos Estados Unidos da América se repita um dos mais desagregadores governos daquele país, o que certamente nos exigirá sabedoria e arte para não nos deixarmos contaminar mais uma vez por um messianismo monetário.

O Natal, independentemente de nossas crenças religiosas, é um momento de solidariedade em que nos reunimos com nossas famílias e nossos amigos. Que me recorde, ao longo desses anos de vida, nunca senti tanta vontade de abraçar e beijar aqueles e aquelas que, por um legítimo direito político, se afastaram de nossos bons anos de amizade e fraternidade.

Que a paz nos una a todos.

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado

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